18 de julho de 2012

As juras secretas de um coração ateu: a metáfora de duas caras na poesia de Sueli Costa


Fonte da imagem: We heart it



Sueli Costa não se faz de rogada. Estabelece parcerias com grandes poetas, a exemplo de Ferreira Gullar e Cecília Meireles, mas também com vozes do cancioneiro popular, como as de Fagner, Fafá de Belém, Joanna e Elis Regina.

Ela transita numa arriscada fronteira. Utiliza em suas composições imagens que, sozinhas, soam como figuras de linguagem cansadas de guerra. Porém, Sueli cria parentescos inusitados entre estas imagens, conspirando para que nasçam asas de águia nas metáforas mais castigadas.

Só como exemplo, cito um interessante verso da música Vuelve mi luz, na qual ela pede que a luz a cegue e a faça sonhar boca ardente de um retrato.  Pode-se interpretar essa “boca ardente” como uma metonímia fuleira: a velha imagem dos lábios ardentes, que representam a paixão. Mas, é possível também pensar o retrato, metaforicamente, como uma “pessoa” a espera do beijo de quem o olha ou como um abismo-inferno a espera de um louco que se queira jogar nele. Eis alguns versos da referida canção-poema:


Vuelve mi luz
morde a serpente deste medo
põe o fogo louco do verão
em cada canto deste quarto
ilumina, ilumina
aquela alma feminina
a boca ardente de um retrato
onde mais sente esta paixão

Vuelve mi luz
me faz cegar, me faz sonhar
a boca ardente de um retrato
onde mais sente esta paixão

Talvez seja essa oscilação, entre o sentido mais abatido e o sentido que retoma o fôlego, que torne a poesia de Sueli Costa uma construção que faz do brega uma deixa para que a linguagem poética se auto-critique, desafiando aqueles que enchem a boca para arrotar, de prima, que um texto é óbvio.

Sueli Costa é autora de grandes sucessos como Jura Secreta e Coração Ateu, interpretada por Maria Bethânia.


Coração Ateu

O meu coração ateu quase acreditou
Na tua mão que não passou de um leve adeus
Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou

Meu coração por certo tempo passeou
Na madrugada procurando um jardim
Flor amarela, flor de uma longa espera
Logo meu coração ateu

Se falo em mim e não em ti
É que nesse momento já me despedi
Meu coração ateu não chora e não lembra
Parte e vai-se embora

Se falo em mim e não em ti
É que nesse momento já me despedi
Meu coração ateu não chora e não lembra
Parte e vai-se embora.





Dorme, meu menino dorme (parceria com Cecília Meireles)

Dorme, meu menino, dorme...
Que o mundo vai se acabar
Vieram cavalos de fogo
São do Conde de Assumar
Pelo Arraial de Ouro Podre
Começa o incendio a lavrar

Dorme, meu menino, dorme...
Dorme e não queiras sonhar
Morreu Felipe dos Santos e,
por castigo exemplar,
depois de morto na forca,
mandaram-no esquartejar

Dorme, meu menino, dorme...
Que Deus te ensine a lição
dos que sofrem neste mundo
Violencia e perseguição
Morreu Felipe dos Santos
Outros, porém nascerão

Morreu Felipe dos Santos
Outros, porém nascerão


Jura Secreta
Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que não roubei
A jura secreta que não fiz
A briga de amor que não causei

Nada do que posso me alucina
Tanto quanto o que não fiz
Nada do que eu quero me suprime
De que por não saber ainda não quis

Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que não sofri
Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que não sofri



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