26 de julho de 2011

Neonazista e pró-Israel??? Não entendi... Considerações sobre o massacre na Noruega

Aporia II - Por  Robert Hague - escultura

A seguir, é reproduzido o primeiro de uma série de comentários feitos, na Internet, a respeito de uma matéria a respeito de Anders Behring Breivik. responsável pelo massacre na ilha norueguesa de Utoya:

1.            Venomous 25/07/2011 - 13h 16m

Neonazista e pró- Israel??? Não entendi.
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Este comentário aponta para uma das mais novas doenças do tempo atual: a de converter aporias em certezas.

Mesmo estando “numa melhor”, o filósofo Derrida também deve estar apreensivo com relação a esta infecção que aflige o espírito humano ou, para aqueles que professam exclusivamente o laicismo: que está afligindo a cultura.

A noção de aporia é mais velha que o tempo; pelo menos, do que os marcos temporais inspirados pela tradição cristã. Aristóteles (384-322 a.C) define aporia como uma igualdade de conclusões contraditórias.
No século passado, Derrida converte a aporia em propósito. Torna-se design de uma metodologia cujo objetivo é cutucar a ferida dos conceitos até que eles cheguem ao impasse. Esta metodologia é o desconstrucionismo. Neste sentido, a aporia é o núcleo de impasse que impede um conceito de se estabilizar.

Porém, no contexto atual,  vem sendo desenvolvida uma costura frankensteiniana entre aporia e certeza. E este tipo de costura produz o véu insano e obscuro que reveste as ideias de personagens como Breivik.

A certeza-aporia (ou aporia-certeza) é um potente combustível para o fundamentalismo. No caso de Breivik, ele constrói alicerces de certeza para suas contradições. Dentre estas contradições, a de professar o cristianismo e abominar qualquer expressão do multiculturalismo.

Cristo deu várias mostras da necessidade de o ser humano trabalhar o convívio com as diferenças culturais como forma não só de produzir uma sociedade justa, pacífica e tolerante, mas também um convívio sadio entre os vários eus que habitam nossa própria subjetividade: eus que são atravessados, inevitavelmente, pela presença do outro. 

Exemplo clássico é o modo como Jesus tratou os samaritanos, contra os quais a cultura judaica ergueu um muro de maldição e para os quais vedou o acesso ao muro das lamentações. Cristo sabia que entre estes dois muros só podia germinar a ignorância e a intolerância. Por isso, trabalhou para derrubá-los.

A intolerância à variabilidade cultural não pertencia ao repertório de Cristo, embora tenha sido parte de uma deturpada interpretação da proposta de Cristo empreendida pelo Catolicismo do Medievo e da Contra-reforma. Deturpação que, como dirá João Paulo II, deve estar na mente dos cristãos como exemplo a ser sempre combatido e como lembrança de que a Igreja não está imune às doenças sociais assim como a lavoura de trigo não está imune ao joio.

Breivik faz com que aporias se enxerguem, de forma distorcida, como sendo certezas. É isto que torna possível que ele se diga favorável a uma suposta pureza da cultura europeia (pureza de saída contraditória, tendo em vista a cultura europeia ser a síntese inconclusa da fusão entre latinos e “bárbaros”) e, ao mesmo tempo, colocar-se na posição pró-Israel e contra-Islã.

Certamente, a cultura vem passando por uma crise, na tentativa de desenvolver, por meio de uma arquitetura da tolerância, plataformas sócio-culturais de convívio entre unidade e diversidade. Porém, o espelho distorcido do fundamentalismo troca o esforço criativo da arquitetura pela alternativa “cômoda” da destruição.

É este espelho distorcido que reflete a postagem solitária atribuída a Breivik no Twitter, onde ele faz uma “adaptação” de uma frase do filósofo Stuart Mill: "Uma pessoa com uma crença equivale à força de 100 mil que têm apenas interesses."

Novamente, Breivik une certeza e aporia, ao confundir os domínios da crença e da certeza. 

São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, classifica a fé, a esperança e o amor como as três principais virtudes do homem e da mulher. Mas afirma que o amor é a maior delas.

Paulo dirá que tudo passará, inclusive a fé e a esperança, mas o amor jamais passará. Dirá também que vemos como que por um espelho confuso, mas que, um dia, veremos como quem está face a face. Neste sentido, a crença da qual fala Stuart Mill deve ser mantida sob suspeita. A crença pode nutrir a esperança e a justiça. Contudo, pode, sob o reflexo do espelho confuso de nossas ideias - nas quais mora o esclarecimento, mas também a precariedade - engendrar o fanatismo e o terror fundamentalista.

O comentário que abre esta postagem pode ser lido na reportagem publicada no site do jornal O Globo.

14 de julho de 2011

Após Meia-noite em Paris, todos são românticos

Amor sem fronteiras - Por Jana Magalhães

 O ponto de partida do filme Meia-noite em Paris - de Woody Allen - é este: tornar o tempo presente um ponto de partida. A história fala sobre o inconformismo que acomete a alma do contemporâneo. Inconformismo na acepção original do termo, a de não se sentir parte da forma cultural que tenta fazer de nós o prato do dia.

Filósofos padeceram da doença de ser contemporâneo. Só pra citar um exemplo, Hegel, um dos inventores da ideia de modernidade, chegou a idealizar os tempos modernos como aqueles que seriam capazes de reviver a era de ouro do comunismo primitivo e da polis grega.

O filme de Allen revela a ironia do ser contemporâneo. Nos esforçamos para sermos contemporâneos por meio do avanço da tecnologia, das leis, do conhecimento. E todo este esforço está impregnado do desejo de retornar ao paraíso, a um passado idealizado. Em Meia-noite em Paris, o maior avanço tecnológico é a possibilidade de voltar no tempo.

Na verdade, o filme de Allen inova ao mostrar um bipartidarismo do ser contemporâneo. Existem os contemporâneos presenteístas, adeptos do meio-dia, do sim: Sim, não há outro tempo melhor que este!

E há os contemporâneos nostálgicos ou românticos: partidários da meia-noite, do não: Não quero o presente, pois o melhor que está por vir está num tempo que passou! Nesta perspectiva, ser contemporâneo é esforçar-se para administrar o mal-estar de ser civilizado.

Ninguém é mais contemporâneo do que aquele que faz da arte de negar a principal refeição do dia. Nego, porque devo algo a um tempo ao qual não pertenço. E não posso pagar, mesmo pegando dinheiro emprestado no banco da nostalgia.

Mas o que acontece quando o partidário do não descobre que refugiar-se na era de ouro, no passado idealizado, significa roubar de si o prazer do risco e da surpresa que só a palavra futuro pode, mesmo que precariamente, sinalizar? Este questionamento é responsável pela virada de Meia-noite em Paris.

De alguma forma, o filme ainda aponta para uma terceira via do ser contemporâneo: a síntese. Ser contemporâneo, neste caso, é não se deixar prender pelo tempo, tentando encontrar no que foi, no que é e no que será o dom de deixar de estar alheio: dom de se estar verdadeiramente presente. Meia-noite em Paris desconcerta por fazer este estar presente algo tão simples quanto se permitir molhar pela chuva e se permitir ver que mesmo a chuva é capaz de trazer sol para o existir.


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