24 de julho de 2013

Reflexões de um beija-girassol


Fotografia de Pedro Tudela

Os beija-girassóis 

Insistência ou desistência. Não é sobre est'ipo de binômio quadrado perfeito que estou falando
O amor é como o bater de asas de um beija-girassol: uma armadilha que captura para tornar livre
Tenho escrito cartas do século XVI em pleno século XXI para que as intimações sejam convidadas
A deixar em paz os íntimos das gentes
Para que o amor não precise mais pedir licença aos muros
Nem apoio institucional às leis

Por sua tão grande inculpa, o amor permita que o sorriso do Nobre
Encontre, nas curvas do tempo, no suspense do voo dos beija-azaleias, tulipas, orquídeas, perpétuas
E na sabiá correnteza dos riscos
Salvo Conduto

Mas, as cartas também chegam ao último capítulo


23 de julho de 2013

O dia em que Dominguinhos tornou-se troféu e foi entregue ao luar de Chiquinha e Gonzaga

Foto: Mônica Imbuzeiro - Agência O Globo


Deus escolheu a terça-feira para que a sanfona chorasse em silêncio a partida de Dominguinhos
A música do Plantão da Globo não combinaria com o toque de sanfona do filho de Garanhuns
Certo é que tá difícil de aparecer um baixo de acordeão à altura do fole desse senhor,
Que assim como sua cidade natal desafiava as imagens estereotipadas do sertão
Trazia no toque o pungente lamento sertanejo, mas também a musicalidade clássica evocada pela elegância do inverno
“Vozes veladas, veludosas vozes”, recitou Yamandú Costa em memória de Cruz e Souza,
Que teve saudade do futuro e escreveu suas sinestesias numa homenagem a Dominguinhos, Avant la lettre
E muitas pessoas julgando o Papa Francisco por abrir mão das prerrogativas de pontífice
Quantas vezes Dominguinhos também não abriu mão de sua parcela Mozart
Para chocar os preconceituosos absurdos , que, atordoados,
O escutaram extraindo rosas clássicas do Pé de Serra?
E um nefelibata recusou-se a apresentar-se, hoje, no Cirque du Soleil
Ficou complicado sentir saudade de caminhar no Céu sem a certeza,
Dada pela música desse sanfoneiro,
De que, após a apresentação,
Seria possível voltar pro Aconchego
Quem dera fosse engano a morte de Dominguinhos
Como foi alarme falso a morte de Mandela
Que a música secreta do coração do sanfoneiro
Possa trazer alívio para as crianças que perderam seus pais
Na BR 101, vítima dos buracos
Presentes nos “corações” dos dirigentes públicos
Que empurram uns para os outros a responsabilidade
De fazer recapeamentos nojentos
Enquanto famílias enterram vidas desperdiçadas
Que são choradas: não por sanfonas, mas por órfãos
Tomara que quando Dominguinhos esbarrar em Chiquinha Gonzaga
A Lua Branca se torne uma Juke Box. Melhor dizendo,
Que a lua se torne um disco de Platina infinítupla
E se dê para o discípulo de Luiz Gonzaga:
E, assim que Dominguinhos voltar a tocar
A Lua perceberá que Dominguinhos foi o prêmio, a consolação,

E ela (e nós), a agraciada (os agraciados)


21 de julho de 2013

Kenny Loggins e o desejo do vento

Plaza Bolívar - Por Enrique Braña

As músicas de curta duração têm o costume de ser profundas


Nunca seria eu mais feliz sem ti
Constrói comigo o caminho que os passos dos sonhos precisam
Para mapear seu voo incerto
Que meu abraço, mesmo o que não tive ainda chance de te dar
Encontre em teu coração pisoteado
Pegadas de um futuro no qual
Tu perceberás o quanto tua existência me é cara
Não só a mim, mas a tantos amigos queridos
E, quando achares que tua alma te deixou só na caminhada
Lembra que teu encanto, com escarpas de ranzinzice esmeralda
Me enche de saudade e esperança
Vamos tentar achar a cura juntos
E, quando cansares, podes ir embora
Mas, desde sempre, quero imensamente
Que tenhas vontade de voltar pra mim
E, ao teu lado, Nobre Anjo-Alguém, a procura é cura não só para a enfermidade

É cura para a própria cura

20 de julho de 2013

A difícil arte da prova, a amizade e as Pererecas do Asfalto

The Big Bang Theory


Insisto em dizer: nos achamos cidadãos da pós-história, mas
Existe ainda bastante em nós do Talião de da Antiga Aliança
O mar se abriu e atravessamos a pé enxuto. O problema é
Quando nossos pensamentos não acompanham o caminhar
E ficam para trás treinando apneia com Faraó e seus soldados
Ainda buscamos a prova como se esta fosse licença que os sentimentos, os valore e os tudos precisassem para existir

Provas de amor, de amizade, de competência, de resistência, de roupa...
E, por mais desajustada que seja a numeração dos manequins no Brasil,
Teimamos em acreditar que o fato de termos experimentado uma caça 42 e ela não ter cabido em nós, é prova cabal de que estamos gordos, mesmo que, cinco minutos depois, uma calça 40 caia em nós como uma luva
Nossa mentalidade traz bastante do livro do Eclesiástico: “É pelo fogo que se mede o valor da prata e do ouro e pela humilhação que se mede o valor do ser humano...”
Como se prova uma amizade?
Pela presença, não há de ser, porque um amigo está ao nosso lado para se sentir à vontade
Para que sua mente voe, de bobeira, pelos espaços infinitos,
Sem precisar se adequar a lógicas ou certezas, pressionada a estar de vigília acompanhando
Os ditames impostos pelo fluxo de nosso pensamento

Pobre coitado, o pensamento, que trata a poesia como sobejo, o amor como loucura e a lógica como razão.

Como se prova uma amizade?
Pela compreensão?
Perda de tempo. Não há curriculum vitae que seja capaz de me fazer compreender um amigo
Pois o amor que sinto é o que me permite caminhar nos terrenos nebulosos de tua alma, meu caro!
E cinco minutos, cinco anos ou cinco eternidades não seriam o bastante para traduzir esta sensação de que uma pessoa é capaz de te inspirar a crença na alma e no amor. E li no Facebook de Aristóteles: "A amizade é uma alma com dois corpos"

O desprezo pode até matar a alma que é fruto dos sistemas fisiológicos,
Mas a alma gestada pela amizade – o elã dos elãs – não há desprezo que mate

E isso é muito bacana, mas, certamente talvez, dói, véi!

Provas pressupõem troféus, pódios. Beleza que eles existam
Mas, me sinto amigo, de verdade mesmo, quando provo da companhia-ausência de quem me é querido e me gusta saborear não só a doçura, mas as amarguras que encontro pelo caminho
Tem horas que tua companhia é tão insossa, mas, nessas horas, quero te homenagear com meu silêncio e dizer que está tudo bem, que eu não vou embora pra sempre. Eu vou ali, mas volto já
Não é sempre que terei pra ti um conselho lapidado pela poesia de Victor Hugo,
Mas tens a teu dispor a poesia imensa que o medo e a timidez me forçam, tantas vezes, a calar
E que os telefonemas não atendidos têm receio de traduzir

E, por mais poliglota que possa ser eu, a amizade que te dedico só precisa falar em meio idioma, meias palavras, como é da condição humana. E tua existência me faz lutar para que a metade que sou encontre a integridade em todas as buscas, reencontrando a vida além dos limites do Google.

Como se prova a amizade?
Pela verdade, pela coerência
Lerdo engano de Leda...
Tenho um amigo que me fez pensar sobre isso. Ele disse que não há como ser amigo e ser coerente, ao mesmo tempo e que, por isso, gostava tanto dos amigos que jogavam basquete com ele
Tinha um, inclusive, que era muito gente fina e o tinha convidado para comemorar seu aniversário numa churrascada no cemitério do Caveira: sede do motoclube ao qual pertencia e cujo padrinho era outro motoclube: O Pererecas do Asfalto...
São Judas (Judas Tadeu), rogai por nós ;)
E ainda dizem que a amizade não existe!

Num sonho, era eu um cosmopolita, milionário como Bruce Wayne, poliglota como o Papa, ilustre como..., ponderado como um crítico literário (?), honesto como Tereza de Calcutá, sensato como um estudioso de Shakespeare ((Saúde!)) em língua inglesa e precavido como Nostradamus

Nesse sonho, encontrei com um amigo. Nos abraçamos e fiquei pobre, mudo, bufento, desarrazoado, insensato em Português com sotaque das brenhas... Mas continuava cosmopolita e honesto. Teu abraço amigo me salvara do pesadelo que, disfarçado de sonho, está descrito no parágrafo anterior.


Como se prova o amor, meu Nobre Alguém, que não me pertence?





17 de julho de 2013

A poderosa nudez de Nossa Senhora do Carmo

Teto da Capela da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, detalhe do medalhão central
Foto de Jesuíno do Monte Carmelo


Nossa Senhora do Carmo,
Que teceste as vestes de Jesus,
Tece em nossas orações a alegria do desnudamento
E quando nossa alma estiver em retalhos
Visita cada caco de nós com tua integridade
E que o sol que te reveste
Reinvista no mundo o assombro
Que desconcerta a quebradiça certeza que habita a perfeição cativada
Pelos corações que fazem do conformismo com a injustiça
O espelho de seu pulsar
O quê de não sei quê que sou
Possa experimentar a nudez
Que o teu despudor, ó Mãe,
Costura: despudor de amar,
Sejam os despedaços dos sonhos todos
E sejam as linhas tortas das vidas
Matéria-prima com que

Tu descoses o medo, o rancor que assola o mundo

15 de julho de 2013

Perla e Dust in the Wind ninadas pelo som das pinceladas de Rembrandt

Rembrandt - autorretrato


Como é difícil saber o instante em que deixamos de ser antes e nos tornamos depois ou o instante em que voltamos a ser antes, considerando-se que voltar a ser antes é uma forma de ser depois.

O filósofo Michel Pechêux está (ou estava ou esteve) certo. Somos (ou temos sido), certamente talvez, paráfrases. Lembre-se que a paráfrase é um depois que tenta ser antes ou um antes que se esforça invadir os domínios do depois. Mas, no fundo, a paráfrase é clandestina e o antes e o depois tentam capturá-la, exercendo seu poder de polícia. Além de eterna fugitiva, a paráfrase tem de lidar com o peso de ser (des)classificada como um antes que de tão mal ajambrado parece um depois (ou vice-versa).

Nossa contemporaneidade, pairando entre a amnésia e a memória total, encontra na paráfrase uma (in)fiel companheira. O novo mais novo que possa existir traz em si velhice infiltrada e o mais antigo é espionado pelo futuro e pela informação fugaz, criando novidades dissimuladas que, diante de espelhos desmemoriados, contemplam seu rosto recém nascido enquanto se esquecem de seu coração arcaico. 

A paráfrase é sintoma do que o pensador Castells chama de tempo intemporal, referindo-se a como o tempo tem visto ruir seus três principais pilares: o passado, o presente e o futuro.

Não que estes marcos temporais tenham deixado de existir. Mas, eles têm se tornado fluidos e movediços e cada vez mais difíceis de rastrear. Passado, presente e futuro têm exigido de nós esforço crescente para detectá-los. Reconstituímos seus passos com base em indícios, tendo o tempo tem adquirido contornos de cenário de um crime.

Rembrandt, em sua pintura, trazia a marca da paráfrase. Pintava em diferentes camadas, sendo a "versão final" uma colcha de diferentes temporalidades. Uma determinada imagem pode ser, assim, composta de retalhos de esboços de diferentes épocas que o artista tinha o dom de fazer, por meio de ilusão de óptica, parecerem uma composição homogênea. Fica difícil definir onde começa (ou termina) o passado e o presente nas telas deste neerlandês.  As diferentes camadas de tinta davam aos quadros dele um caráter tátil.

Na música, o poder de influência da paráfrase tem se mostrado com maior potência, mostrando como o presente não consegue se livrar da suspeita de ser passado (ou o contrário) e o futuro permite-se ser refém de ambos.





8 de julho de 2013

O cais que lutava para permanecer de pé

Fonte da Imagem: PT-Best Wallpaper


O cais que temia não conseguir ficar de pé

Texto de Clistarco Sepúlveda

23h. A manhã começou numa hora incerta e a noite não pôde ser inteira,
Pois não houve tempo para que a meia-noite chegasse
E eu me tornara um desfiladeiro onde uma lua cheia pedia um abraço a um Nobre
Deixando enciumadas as eras arqueozoicas
O desprezo solto pelo ar
Fez-me ter vontade de regredir à condição de fóssil
E pedir guarita nalgum templo imemorial
Meu trem lia os trilhos do fim para o começo
E sondava os passados
Em busca de uma vida onde tu falavas comigo
E teu toque caía nos braços do meu descanso
Sem ouvir tua voz et voir ton visage,
Sou uma estação interminada
A espera de um trem que
Não se deu conta de ser um porto sem cais 
E, mesmo assim, a esperança de rever quem amo, pedia pra que eu ficasse de pé


Não se tocou de que havia se tornado
Um farol sufocado sem horizonte para respirar

7 de julho de 2013

As asas arrancadas do Spider e do Batman do Supremo Tribunal




“Ou você morre como Heroi, ou vive o bastante para se tornar o vilão”, disse um amigo sobre o ministro Joaquim Barbosa.

“É pau! Vc sabe que é o melhor. Todos dizem que vc é o melhor. Não ser arrogante é difícil.”, disse outro amigo sobre o lutador Anderson Silva.

Joaquim Barbosa e Anderson Silva são, nesse momento, irmãos no infortúnio. Ambos foram alçados ao status de semideuses (isto porque os dias de hoje são preguiçosos demais para criar deuses completos...), no primeiro tempo, para, na prorrogação, descobrirmos que, criados pelo capricho, são uma desculpa para, mais adiante, extravasar-se o desejo de transformar os humanos em semi-humanos.

Época estranha esta. Professa-se laica, mas é repleta de superstições:

. Vive ancorada a previsões do futuro: meteorologia, mercado de ações, terapia genética, narrações do Galvão Bueno, estatísticas do Blogger, comentários nas redes sociais, assessorias de imprensa, Moda, decisões do Supremo, campeonatos de UFC.

Anderson Silva errou ao crer-se invulnerável e buscar refúgio na bolha produzida pelo louvor murcho e preguiçoso que gera os semideuses. Mas, a queda dele foi só mero reflexo de nossa arrogância que, acomodada na poltrona da vida cotidiana, projeta nos “heróis” os voos e as quedas que não temos coragem de ousar.

Coisa semelhante ocorre com Joaquim Barbosa, anjo negro a quem dotamos de asas e invencibilidade e que, agora, queremos, inutilmente, culpar pelo privilégio de querer viajar nas asas do avião da FAB.

Época tortuosa esta. Faz de humanos anjos, concedendo-lhes a prerrogativa de serem corruptos, desde que a espada da corrupção possa abrir portas.

Mas, mal sabem os anjos que o louvor murcho e preguiçoso forja-lhes como auréola sua própria guilhotina.

2 de julho de 2013

A elegância de Mandela, Lulu Santos e de Iara mãe D'água e do Maracatu roubada de ouro


Mandela

À elegante e vitoriosa Iara Lima, cuja companhia nos anima a não desistirmos de ser ao mesmo tempo profissionais e humanos 


Passei batido a morte de Nelson Mandela. Como pude fazer isso com um dos homens que amava?

Sim, eu iria pra cama com Nelson Mandela, pois ele sem tirar a roupa conseguiu ensinar o mundo a fazer amor e a sentir amor à flor da pele, independentemente da cor: da pele e da flor.

A luta deste homem foi para mostrar que os direitos de entrar e sair, de sentar-se, de estar no mesmo espaço que os outros, não são espasmos de inércia ou cócegas na liberdade.

No Brasil, tem havido o despertar para questão semelhante. O fundamento da liberdade – o direito de ir e vir – começa a sair do fundo da cena e a reclamar o direito de ser o protagonista que, de fato, é. Isto significa que as pessoas estão cansadas de achar que têm o dever de não ter o direito de irem e virem, de serem transportadas vida a fora como gado, aos solavancos: quer seja dentro do busão ou da High Lux.

Insulto tremendo querer fazer a população acreditar que tem a obrigação de jazer seus direitos fundamentais no silêncio em troca de  -20 centavos.  Quanta deselegância!

Nunca antes na história desse país, a profecia conjunta de Lobão e Lulu Santos cumpriu-se com tal veemência. E o oráculo que a profere, usa a máscara V da vingança terna:

“Eu vejo um novo começo de era: de gente fina, elegante e sincera”.

Os brasileiros, como os sul-africanos, como Mandela, como as vitimas da homofobia e dos nazismos tingidos de deuteronômio, anseiam pela mistura de elegância e sinceridade.

É deselegante e mentiroso ser uma “autoridade” de rosto rebocado na plástica à custa do sucateamento do bem público pelo qual deveria zelar esta mesma autoridade.

É extremamente deselegante-mentiroso trocar o mérito e a eficiência pelo compadrio e a corrupção: apartheids à brasileira.

E não há personal stylist que consiga curar a deselegância-mentira que, no Brasil, é premiada com auxílio-paletó e auxílio Copa das Confederações.

Mandela tornou possível ao mundo ter a esperança de que a cor da pele deixasse de ser senha para acesso aos direitos fundamentais. E tomara que o sonho dele se torne um viral e prolifere inúmeros hackers capazes de derrotar tantas senhas, a exemplo da homofobia e das imunidades do parco poder, que bloqueiam o acesso humano aos direitos básicos de ir, vir, dignificar-se e ser.

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