31 de julho de 2016

O que acontece quando o grilo canta em câmera lenta?




Câmara lenta

Pedi a um grilo verde, cujo apelido era esperança, cantar em câmera lenta
E ouviu-se um coro de anjos cantando
Descobri que os anjos são agentes secretos infiltrados até nas gotas de orvalho
Esperando a chance de ajudar os que amam em segredo
A dizerem o que sentem

Tenho menos medo de te desapontar
Do que de despontar num horizonte de ponta a cabeça
No qual importo pra ti menos que uma porta que
Em vez de batidas, ganha paradas cardiorrespiratórias

Meu ouvido recostado no teu plexo
Vira um caminho de caminhos descomplicados

E lá no fundo, ouço um cheiro de noz-moscada
Porque uma palavra bonita dessas só pode ser algo bom
Quem sabe eu fique menos tímido se, em vez de dizer “Te amo”
Dissesse “Noz-moscada”

Queria ser uma mosca pra ver o que calamos um ao outro depois
Do centésimo primeiro beijo

Me entristece você pensar em ir embora
Enquanto espero na antessala do teu estar comigo
A tristeza está brincando de durar menos
E o sol está pensando seriamente em ser capaz de nascer num horizonte
Que o tenha convidado
Você nunca pegou num arco
É mais que meio frouxo e meio atrapalhado
Mas faz companhia a minhas quedas e tropeços
Ajudando-os a aprender a ser soerguimento

Só não esqueça que existem outros sóis à espreita
Não sei bem o que estou dizendo, mas preciso dizer
Que me conforta o som do teu zap me visitando de madrugada
Queria poder ouvir este som tocando em câmera ultralenta

E descobrir que ele esconde uma linda sinfonia reencontrada, chamada “Vem comigo”  

24 de julho de 2016

Brincando com o caos interior no Supercon


Foto: Cláudio Eufrausino


As crianças, adolescentes e jovens adultos que participaram do Supercon 2016 conseguem ser exemplos do que Fredric Jameson chama de "disjunção esquizofrênica". Isso não quer dizer que eles são esquizofrênicos.

O conceito de Jameson utiliza metaforicamente o jargão psiquiátrico para descrever a capacidade do ser humano contemporâneo de dissociar suas atitudes da aparência, seus gestos de suas intenções. Com isso, afasta-se da herança do Iluminismo, que criou o mito do eu unificado, em que as ações, sentimentos e valores eram encarados (ou havia a expectativa de que fossem) como espelho perfeito de uma essência formatada, abrigada na câmara secreta da alma.

Por exemplo, uma criança veste-se como o Curinga, um personagem cruel e insano, mimetizando seus gestos. Mas, continua comportando-se com gentileza e acreditando no respeito aos outros.

Por meio da brincadeira e da imaginação, dá-se vazão a aspectos sombrios da psique, utilizando-se as armas da ficção, isto é o fingimento artístico e o auto-desnudamento. Isso parece saudável e confirma a filosofia de Schopenhauer, segundo o qual a arte é o único modo de administrar o caos que trazemos em nós.

21 de julho de 2016

Escrevendo em um novo idiama


Fonte da Imagem: CulturaMix.com
O mundo nos enche de motivos pra não dizer Eu te amo:

Não diga Te amo porque soa artificial

Falar de amor em vão no mínimo nos lança em pecado e no máximo nos coloca os grilhões da liberdade

Dizer Eu te amo é asfixiar o outro com ar puro...

ETC e Te amo


Bem, então me deixe dizer que não te amo

Não te amo porque sinto orgulho de tua honestidade

Teus gestos quando se precipitam chovem doçura e relampeiam gentileza:

Por isso, não há como te amar


Te ver aprendendo ao ensinar me deixa orgulhoso o suficiente pra dizer:
Tu, amo não


Tua coragem de me amar em segredo me acena do futuro
E não vejo a hora de chegar lá e te dar
Um abraço pra mostrar o quanto não te amo
E sugerir que o não deixe de existir

Como será o dia em que minha carona poderá ficar em casa
à espera da tua visita surpresa?
E teu querer me amar deixará de me tratar como um tolo?

Você é lindo e não te amar é a única maneira de
Não perder a concentração

Queria que toda manhã fosse um de vez em quando
Em que aceitas minha companhia

Vem tirar essa minha veste de Não te amo
Quero me vestir de teu corpo
E nesse friozinho, emprestar a luva dos teus lábios ao meu beijo


Amado, irmão, amigo, não convém dizer Eu te amo
Mas todas as demais línguas se unem em coro para me dementir
Cantando um silêncio estridente em infinitos idiamas.




17 de julho de 2016

O primeiro último beijo em Nice


Fonte da imagem: European Traveler


Nice

Não pude me conter e agradeci a Deus por você não estar em Nice
Te ler vivo no App parecia o bastante para minha insuficiência cardíaca
Então, por que o Amém da minha oração estava cheio de “Assim não seja”?
Mais do que a queda da bastilha, queria que viesse abaixo o sinal diacrítico do Amém
E fosse proclamada a república do Amem, Amai, Amemos

Queria poder te dizer que te desejo toda a paz do mundo
Que não seja qualquer paz
Te desejo a paz da melhor safra, a paz inquieta
Que faça germinar teu horizonte de coragem
No qual poderei raiar como um sol que gira na câmara secreta do teu jardim
E nenhum caminhão ou caminho possa atropelar este girassol d’azur que nos daremos um ao outro

Aceita passar a noite abraçado comigo até o azul do mediterrâneo conseguir
Deixar de ser atropelado pela sombra do terror?    

Estou tentando aprender uma nova forma de deixar de tentar ser encontrado por um grande amor
Conseguir comparecer a um encontro comigo mesmo
Assanhar essa tristeza e sonhar com o dia em que nenhum primeiro beijo precisará mais

Ser o último

13 de julho de 2016

Liberdade, Liberdade: bastidores dos comentários machistas a respeito da cena de amor homossexual



Meu amigo Hauer chegou à Assessoria de Imprensa em que trabalhamos contando a reação de um vizinho ao assistir a noite de amor entre dois homens no capítulo de ontem da novela Liberdade Liberdade. O brado retumbante de um povo anti-heroico ecoava no protesto dele: “Isso é uma safadeza”. No comentário de uma mulher, pinçado do Twitter: “É o fim. Sempre a Rede Globo passando dos limites. Enquanto isso escolas estaduais sem professores. Obrigada, Brasil”.

Comentários desse tipo expõem o que podemos chamar de disfunção conectiva, que aparece para canalizar inconformismo, ira, nojo, medo, enfim, sentimentos incômodos, condensando-os e direcionando-os para algum tipo de bode expiatório. Não é incomum que a disfunção conectiva ganhe a forma do escárnio.

Por mais imersos que estejamos na complexidade e assumamos como verdadeira a premissa da teoria do caos de que o bater das asas de uma borboleta em Caruaru é capaz de gerar um tsunami no deserto do Saara, não é tão complicado perceber que a complexidade pode se tornar um véu ideológico, buscando fazer parecer “argumentação” cláusulas “pétreas” do manual da hipocrisia e da intolerância.

Ensaiemos tornar aéreas as raízes de crenças e valores e nos perguntemos: Qual a conexão que existe entre o fim do mundo ou entre a falta de professores nas escolas de qualquer estado brasileiro e a relação sexual entre dois homens (isso sem mencionar o fato de que esta relação pertenceu a uma obra de ficção)?

Desbastando as camadas arqueológicas dos comentários das redes sociais pautados por ideias desconexas, pode-se encontrar um núcleo discursivo petrificado, algum preconceito que se deseja manter inflamado, impedindo feridas sociais de cicatrizarem.

Com relação aos comentários trazidos no início do texto, a cláusula pétrea subjacente aos “argumentos” desconexos parece ser a ideia do retorno de um deus vingador, que voltará para separar o joio do trigo. Adubada pela conveniência mesquinha, a cultura brasileira separa o joio em categorias. A liberdade de gestão do corpo e dos desejos é considerada um joio que deve, de imediato, ser lançado na fogueira. Porém, o imaginário patriarcal de subjugação é tomado como um joio socialmente admissível e até convidado a ser alternativa ao trigo.

A “safadeza” que faz ferver de raiva o sangue dos machistas, incomoda por expor uma dupla face de nossa cultura. Por um lado, ansiosa pelo apocalipse. Em sua verve de babar o ovo da chefia, dispõe-se a poupar o deus justiceiro do trabalho de separar o joio do trigo. Para isso, investe na inútil e interminável Operação Invasão de Privacidade. Por outro, disposta a evitar a fadiga, faz vista grossa para a corrupção diluída nos gestos cotidianos.

O combustível da disfunção conectiva comumente é um recalque que o inconsciente deixa escapar, traduzindo-o em ataques físicos e/ou verbais. Mais especificamente no caso do rancor devotado à cena dos atores Caio Blat e Ricardo Pereira, esse fantasma é um misto de complexo de inferioridade e megalomania. O telespectador macho patriarca (posição simbólica que pode ser assumida tanto por homens quanto por mulheres), megalomaníaca e inconscientemente, sente-se irresistível, como se não houvesse um homossexual no mundo que não tivesse o impulso incontrolável de se jogar em seus braços.

Ao mesmo tempo, o machista sente-se inferior ao ver encarado como algo normal o romance homossexual; ao vê-lo como um espelho no qual se enxerga frígido, incapaz de contornar o pavor de que um representante das zonas de intersecção entre Yin e Yang o toque. O toque aceitável para o machista é aquele que mantém inquestionáveis as hierarquias e os dualismos. O apelo monológico de seu preconceito se torna mais erógeno que o contato entre as peles.

Outra face da megalomania machista é a possibilidade de encontrar um alvo sobre o qual desferir sua imaginária onipotência. Os raios de Zeus assumem formato de nojo e fúria e tentam mascarar a frustração de ver seu patriarcado ameaçado diante da exposição da homossexualidade na mídia, incorporada ao cotidiano do amor. Um novo cenário histórico onde a mulher para ser mulher não precisa mais ser uma Dafne fugindo da subjugação masculina. A mesma Dafne, que, vencida pelo cansaço, roga para ter anulada a própria feminilidade, para vegetar. Nesse novo cenário, Jacinto poderá ser amado por Apolo sem precisar morrer para dar provas de que não existe felicidade possível no amor entre dois homens.


A cena de ontem da novela das 11 foi como uma seção de terapia conjunta, na qual Apolo, Dafne e Jacinto começaram um acerto de contas, abrindo mão de dar satisfações ao patriarca Zeus.

Saiba mais sobre o mito de Apolo e Dafne aqui.

Saiba mais sobre o mito de Apolo e Jacinto aqui.

A cena de Liberdade, Liberdade aqui.

8 de julho de 2016

Perguntas que querem calar

Fonte da imagem: IStock


Em qual de minhas sete vidas, a solidão deixará de ser encarnada e de ser rosa?

Quando a coincidência entre a linha da minha vida e a linha do destino do meu amor me perdoará?

Por que minha esperança enxerga o sim dançando revestido de nudez se quem dança comigo é o não com seu pesado traje enlutado?

Onde o perder-se em teus braços experimentará ser tua espera por minha chegada?

Que horas são se os minutos perto de quem amo são feitos de nano-segundos,
Se os segundos longe de quem amei são pesados como o veneno das (h)eras
E os anos perto de quem amarei lembravam ventos que remam contra as marés deste réu
Que não acham hospedagem em nenhuma prisão?

O que faço se descobri estar preso na liberdade?

Quem é o culpado pela fé que mantém acesa a espera do beijo que me acena triunfante do final da corrida das improbabilidades?

Quanto há de durar minha vida, invasora do país da gana, desertora do exército das citações, cansada de convencer o cansaço de que ele foi vencido?

Posso dirigir depois de beber deste cálice cheio até a borda de meias-noites?

E acordar de ressaca, como um mar que convidou a lua pra se esconder no colo da sede de viver?


¿Hay que perder el jamás pero sin endurecer la ternura?


Quem é o tolo que acredita no que escrevo, mesmo sabendo que o que escrevo é a mais pura verdade?
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