26 de novembro de 2013

Poema do sol nascido de óculos escuros

Foto by Karla Vidal



Poema do sol nascido em óculos escuros


Quando minha caricatura achou graça no meu rosto sem face,
Entendi que eram de amor desacreditado, mas ardente
Aquelas marcas indeletáveis de expressão

E, como era possível – perguntava-me –
Teu carinho ser, ao mesmo tempo, trilho e estação inatingível,
Desenhados no meu olhar à deriva
Olhar que preferia te rever a reencontrar a terra firme

Tentei querer te desejar o mal, mas uma franqueza acobertada pela ternura
Sugava do mais eu que havia em mim
O teu futuro mais lindo
E te ver sorrindo, elegante, com planos, e com aquele olhar esperançoso
(Que faria nascer o sol em quaisquer óculos escuros)
Me trazia de volta o rosto com face e sorriso

E o resto virá por acréscimo

24 de novembro de 2013

O drama do menino Mateus e o pedido de Nossa Senhora para que a fonte de água benta de Lourdes secasse

Gruta de Nossa Senhora de Lourdes
Foto de Cláudio Eufrausino


A criança, recém-nascida – refém - fez uma prece. Ela não pôde ficar de joelhos, pois a Trombofilia já havia lhe gangrenado parte de uma das pernas. Sem direito a Amém, o pequeno partiu. Nos jornais, acadêmicos desfiavam um rosário de ensandecidos clichês, tipo: “Foi uma perda lastimável. Este bebê poderia ter se tornado um futuro Beethoven”. E, ao ler esta porcaria, pensei comigo como tem se tornado raro o direito de continuarmos vivos para sermos simplesmente nós mesmos, ao som das luzes e das tempestades e dos silêncios: sem precisarmos pedir licença à 9ª Sinfonia para assobiarmos o desejo de “só querer que o dia termine bem”.

A Trombofilia foi a primeira a subir ao banco dos réus. Foi-lhe negado o direito a ampla defesa e contraditório previsto constitucionalmente para todo cidadão: “A culpa não é minha, é do Estado”, afirmou Trombofilia em meio a um estado de exceção, que finge ser democracia ovacionado pelos gritos das torcidas dos times que galgaram a 1ª divisão.

Kafka, único defensor público disponível, bem que tentou sair em defesa da Trombofilia. Mas, nem todo o seu alemão-tcheco-latim-grego, era capaz de atenuar o “fato” de que a doença trazia em suas costas o peso de antecedentes criminais de toda a história da humanidade. Lança-se, comumente, sobre a doença, a culpa, para que o Estado seja absolvido de sua negligência, imperícia e imprudência.

E, caso não fosse suficiente a condenação da Trombofilia, era necessário achar outro bode expiatório: que suba ao banco dos réus o Trâmite Bancário!

O Estado jurou, de pés juntos (ele pôde fazer isso, ao contrário da criança, cuja doença-descaso gangrenou-lhe a perna), que a falta de todo o remédio do qual o mundo carecia era do atraso do Trâmite Bancário responsável pela chegada do dinheiro ao bolso de gelo das empresas farmoquímicas multinacionais.

Trouxe, eu, de minha recente viagem à Europa, água benta colhida na gruta de Nossa Senhora de Lourdes (França) e, agora, percebo que o que mais a Virgem Maria deseja é que as fontes de água benta sequem. Ela quer que os corações percebam que, nas veias da água benta, circula um rio ao contrário: rio das lágrimas dos que têm sido vítimas da doença (?), dos trâmites bancários (?), das multinacionais (?), do Estado.

“Meu coração anseia que a humanidade pare de tentar fazer que a água benta e os milagres sejam prêmio de consolação para a vitória do descaso com relação aos desamparados”, disse Maria Santíssima quando foi acusada pelo Estado de ser cúmplice na morte da criança vítima de Trombofilia. O advogado de acusação culpou a mãe de Deus por interromper o fornecimento de água benta e de milagres, pois, segundo ele, podem faltar remédios, mas não há crime maior do que suspender a remessa de água benta e milagres.

“Maria está certa. Não era a água benta que estava em falta. Era a omissão que estava a entupir o caminho por onde a bênção deságua”, explicou a água, outra cidadã convidada, pela Injustiça, a sentar-se no banco dos réus.

19 de novembro de 2013

Perdido na Europa - Parte 1

Mont Blanc: Porque o amor existe.
 Foto by: Cláudio Eufrausino e Paulo Ricardo Almeida (autor da foto que está dentro da foto)


Minha bagagem, a cada esquina de Roma, reclamava por ter de carregar o peso do meu corpo e o mundo reclamava incessantemente por ter de sustentar o peso da leveza do meu ser (meu?).  E, como é difícil permanecer vívido o tempo todo em meio aos tantos vivos que assombram os fantasmas do Velho Continente! Mas, as sombras e os fantasmas ficam amarrados aos pés da cruz quando se adentra as portas do Moulin Rouge.

Foi a primeira vez que usei a tal da “segunda pele” (a de tecido). Ela custou 35 reais, aproximadamente. Ao decolar, estava decidido que minha segunda pele (minha?) conseguiria abrir mão do calor humano. Afinal, haviam sido tantos desapontamentos nos meses anteriores, que decidi fazer aquela viagem só na companhia de mim mesmo.

Mas, quem promete a si mesmo viajar ao continente europeu só, mente, pois, jurar bastar-se a si mesmo é, de saída, perjúrio e a Europa, além de aguardar ansiosa pelos Euros dos países emergentes, anseia por jogar fora o apelido de Xenófoba e pavimentar suas cicatrizes com as feridas e as radiâncias do Novo Mundo.

Sim, mas vamos a algumas questões de ordem prática:

É muito gostoso se perder na Europa, embora deva minhas desculpas (as sinceras e as mentirosas) ao grupo com o qual viajei e no qual me tornei popular por fazer a excursão chegar e partir atrasada dos lugares. Consegui me perder até em Genebra, um dos locais mais bem sinalizados da Via Láctea, de acordo com relatórios da Nestlè.

Mas, perder-se em boa companhia é a melhor lembrança que se pode ter de uma viagem. E pude me perder em companhia de pessoas incríveis, que fizeram meus 30, 31, 32 anos não serem motivo de vergonha para os 33 anos recém completados (?).

Colhi Moulin Rouge, plantado aos pés do Sacre Couer, e comi do fruto até a abóbora virar carruagem (para emoções fortes, nada melhor que uma metáfora cafona e desavergonhada).

Depois de me embebedar com meia garrafa inteira de champagne {depois de me mijar de rir com um palhaço que era o melhor malabarista já avistado pelas janelas indiscretas desta alma que vos escreve}[depois de ver uma piscina cheia de serpentes brotar do chão, trazendo uma brava mulher que lutava para se livrar do veneno de cristais Swaroviski](depois de ter levado gritos de um garçom e estar tão feliz a ponto de ninar um “Foda-se” a bordo de um sorriso alforriado), uni-me a um coral de dezenas de brasileiros para cantar Parabéns Pra Você para um amigo que convidou o mundo inteiro para festejar com ele no Moinho e, no dia seguinte, chorar com ele a bênção do Até Logo: árvore que nasce para se tornar semente e desmentir o adeus.

E fiquei pensando na idiotice de certas convenções quando o amigo Ronaldo chorou a despedida e me mostrou que ser homem vai muito além de gritar aos ventos uivantes que se gosta dos “peitchones” das dançarinas do Moulin Rouge.

Como escapei de um grave acidente e estava na Europa, permito-me dizer, sem medo, que meus amigos de viagem eram lindos: do nome aos pés.  Com uns, perdi-me em Pisa, com outros em Montmartre, com outros ainda em Pompeia e em Genebra. Mas, sempre estava a postos a amiga Hosana, que intercede por nós para que a viagem não nos deixe para trás. Ela, sem se dar conta, acrescentou mais graça à Capela da Medalha Milagrosa.

Paulo e Élida fizeram as fotografias se tornarem um lugar aconchegante pra mim, não só as fotografias como as refeições, o metrô, o bateau-mouche, as ruas. Perto deles, fica afastada aquela sensação, que me é peculiar, de não ter sido convidado para a festa ou de que minha voz é como um telefonema composto de sílabas caquéticas e indesejadas.

Mauren e Geraldo, a família vinda da Paraíba, a mãe e a filha vindas do Rio Grande do Norte, amigos do México, do Panamá, do Equador, amigos que compartilharam comigo segredos sem que fosse preciso dizer que se tratavam de segredos. E assim, as paisagens podiam descansar da turbulenta viagem a bordo de nossos olhares inconstantes.

Convido a todos, incluindo o nosso guia durante a visita a Pompeia e a Nápoles, para fazer um minuto de silêncio em memória da sereia que se matou porque Odisseu não quis ficar com ela


(...)

Com estes amigos, o projeto inicial de ser um andarilho solitário pelas brumas europeias tornou-se um plano distante: Hosana nas Alturas, por isso!

Jô não teve a chance de conhecer a Basílica de São Pedro, mas a basílica está nela, assim como em Elaine. Não vou esquecer o quanto foi gratificante fugir da chuva de Nápoles ao lado desta dupla dinâmica e do professor de História, Jandier. Isso após termos comido um macarrão que, de tão duro, merecia ser chamado de “Ai dente” em vez de “Al dente” (Isso sem mencionar a fatídica sobremesa, conhecida, entre os napolitanos, como baba e que consistia em pão molhado na garapa, conhecida, entre os químicos, como H2O com Sacarose Múltipla).

E, partindo da Itália, o bater de nossos corações, rumo ao Mont Blanc, funcionava como o cinzel de Miguel Anjo, esculpindo nossas almas não em mármore, mas em mar (de neve).

Clayton e Renata tornaram irresistível  a mim abrir mão de viajar sozinho. Clayton é um pouquinho muito chato e teimoso (chatice bilíngue, diga-se de passagem), mas a boa-vontade/fraternidade  são os picos mais imponentes na cordilheira de seus sentimentos. Já Renata: é como se seu bom-humor e simpatia dedilhassem as cordas do invisível, tocando um hino ao Espírito. Mas, me deixa enxugar a baba antes que a memória daquela terrível sobremesa de Nápoles volte ao meu paladar (mas, depois das últimas tempestades, dou-me o direito de desatar os nós da cachoeira e ser elogio derramado: felicidade).

Paulo Ricardo (que não é o cantor, mas é músico) fez da Europa um atalho e aterrissou para me ajudar a deportar a desilusão e fazer de cada clique da máquina fotográfica uma moeda e de cada paisagem uma filial da Fontana de Trevi: #Toquemomeucoraçãofaçamarevolução. Dos anjos, chegue a ele a admiração, do mundo, o carinho. De mim: os três (a saudade, em anexo).

Ajude-me, Senhor -  Tu que inventaste a inspiração capaz de ultrapassar as Franças, as Itálias e todo o entendimento -  a homenagear os vivos e a dignidade do coração humano, da qual as obras-primas são, somente, molduras.

Da esquerda para a direita: os casais Élida e Paulo; Ronaldo e Hosana





6 de novembro de 2013

Por que o STJ proibiu Simone de cantar Então é Natal?

Fonte:  Tô Passada.com.br


Uma amiga me apontou um site que fala sobre uma peculiar campanha de Natal recém lançada: a Campanha Natal Sem Simone, sintetizada em alguns comentários de internautas, como:

“Se eu ouvir mais um ano a Simone dizendo que é Natal, eu juro que me jogo da Ponte Rio-Niterói”

“Tem que ter um saco do tamanho  do saco do Papai Noel pra aguentar essa Mulher berrando que é Natal”

Mesmo sem ter muita certeza se o texto lido é ou não verdadeiro, resolvi dar a ele um voto de confiança e refletir sobre o assunto, tomando como ponto de partida a observação feita por outro internauta: “Natal sem Simone, não é Natal. Quem vai fiscalizar? O Papai Noel?”.

Nada contra Michel Teló, nem contra a fugidinha e seus derivados. A exemplo de Tom Zé, acho mesmo que a música Ai se eu te pego é uma das maiores sacadas da humanidade junto ao princípio de Arquimedes.
 
O propósito dessa postagem é criticar o aberrante “espírito crítico” de certa parcela dos brasileiros. Não compreendo como num país amante do fenômeno da música chiclete, pessoas conspiram para proibir que a canção “Então é Natal” - versão do clássico de John Lenon, interpretada pela cantora Simone – seja tocada nos shoppings centers.

Um dos passatempos prediletos de milhares de brasileiros tem sido o de ajudar músicas a se tornar virais na Internet. E não esqueçamos do histórico de nossa nação em gerar ondas (e, mais recentemente, tsunamis): a onda Lambada, a onda Axé, a onda Sertanejo, a onda Funk, a onda Universitária (com suas sub-ondas Forró e Sertanejo).

A sensibilidade auditiva, em nossas paragens, parece ser regada a conveniência e cinismo. Como ouvidos que celebram o Créu, em diferentes rotações, acham insuportável a ladainha “Então é Natal”?

Coerência zero, n’est pas? Isso tendo em vista que grande parte dos “novos” hits do “momento” são releituras de canções do passado. Qual seria o destino do cancioneiro popular se o STJ proibisse que fossem feitas releituras de canções?  É possível obrigar versos como “Fecho os olhos pra não ver passar o tempo” ou “Nada do que foi será de novo” ou “Não quero lhe falar meu grande amor” a ficarem em silêncio?  Sintam-se à vontade para falar sobre o assunto os servidores do STJ e também Papai Noel.

Certamente talvez, não é intenção desse texto, dizer o que deve ou não ser ouvido, pois, assim como os surrealistas, acredito que a audição e o paladar ainda são os sentidos que conseguem melhor driblar as censuras e ditames dos padrões culturais.

A questão é tentar, minimamente, entender a lógica da relação que o Brasil tem estabelecido entre liberdade e censura. Vende-se a ideia de que se está exercendo a liberdade ao se levar uma determinada forma de expressão cultural à exaustão ou à extinção. E, assim, busca-se experimentar a singular e intransferível sensação de ser livre por meio da repetição, ad infinitum, ou da tentativa de fazer com que determinada expressão cultural seja para sempre silenciada ou mesmo aniquilada.

Parece que Simone caiu na armadilha do paradoxo que insiste em assombrar a história brasileira: uma história onde, num mesmo encontro de corpos, revezam-se o abraço acolhedor e a intolerância ditatorial. E me pergunto em qual dessas vertentes deságua o abraço que nos reserva o STJ.



Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...