24 de novembro de 2013

O drama do menino Mateus e o pedido de Nossa Senhora para que a fonte de água benta de Lourdes secasse

Gruta de Nossa Senhora de Lourdes
Foto de Cláudio Eufrausino


A criança, recém-nascida – refém - fez uma prece. Ela não pôde ficar de joelhos, pois a Trombofilia já havia lhe gangrenado parte de uma das pernas. Sem direito a Amém, o pequeno partiu. Nos jornais, acadêmicos desfiavam um rosário de ensandecidos clichês, tipo: “Foi uma perda lastimável. Este bebê poderia ter se tornado um futuro Beethoven”. E, ao ler esta porcaria, pensei comigo como tem se tornado raro o direito de continuarmos vivos para sermos simplesmente nós mesmos, ao som das luzes e das tempestades e dos silêncios: sem precisarmos pedir licença à 9ª Sinfonia para assobiarmos o desejo de “só querer que o dia termine bem”.

A Trombofilia foi a primeira a subir ao banco dos réus. Foi-lhe negado o direito a ampla defesa e contraditório previsto constitucionalmente para todo cidadão: “A culpa não é minha, é do Estado”, afirmou Trombofilia em meio a um estado de exceção, que finge ser democracia ovacionado pelos gritos das torcidas dos times que galgaram a 1ª divisão.

Kafka, único defensor público disponível, bem que tentou sair em defesa da Trombofilia. Mas, nem todo o seu alemão-tcheco-latim-grego, era capaz de atenuar o “fato” de que a doença trazia em suas costas o peso de antecedentes criminais de toda a história da humanidade. Lança-se, comumente, sobre a doença, a culpa, para que o Estado seja absolvido de sua negligência, imperícia e imprudência.

E, caso não fosse suficiente a condenação da Trombofilia, era necessário achar outro bode expiatório: que suba ao banco dos réus o Trâmite Bancário!

O Estado jurou, de pés juntos (ele pôde fazer isso, ao contrário da criança, cuja doença-descaso gangrenou-lhe a perna), que a falta de todo o remédio do qual o mundo carecia era do atraso do Trâmite Bancário responsável pela chegada do dinheiro ao bolso de gelo das empresas farmoquímicas multinacionais.

Trouxe, eu, de minha recente viagem à Europa, água benta colhida na gruta de Nossa Senhora de Lourdes (França) e, agora, percebo que o que mais a Virgem Maria deseja é que as fontes de água benta sequem. Ela quer que os corações percebam que, nas veias da água benta, circula um rio ao contrário: rio das lágrimas dos que têm sido vítimas da doença (?), dos trâmites bancários (?), das multinacionais (?), do Estado.

“Meu coração anseia que a humanidade pare de tentar fazer que a água benta e os milagres sejam prêmio de consolação para a vitória do descaso com relação aos desamparados”, disse Maria Santíssima quando foi acusada pelo Estado de ser cúmplice na morte da criança vítima de Trombofilia. O advogado de acusação culpou a mãe de Deus por interromper o fornecimento de água benta e de milagres, pois, segundo ele, podem faltar remédios, mas não há crime maior do que suspender a remessa de água benta e milagres.

“Maria está certa. Não era a água benta que estava em falta. Era a omissão que estava a entupir o caminho por onde a bênção deságua”, explicou a água, outra cidadã convidada, pela Injustiça, a sentar-se no banco dos réus.

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