30 de maio de 2013

Ana Karolina Lannes, Theo Chen e os choros e anti-rosas colhidos do lamento de John Lennon no deserto do bullying



Fonte: Globo.Com



O bullying tem a peculiaridade de inserir as pessoas, inseri-las em comunidades de exclusão.  

O que aconteceu com a atriz mirim Ana Karolina Lannes foi só um esforço para consolidar uma comunidade de exclusão. Na tentativa de erguer este tipo de espaço público, as pessoas despendem quantidade de energia equivalente àquela que poderia ser utilizada para manter em operação o afeto e o respeito necessários para reforçar elos comunais benéficos.  No balanço energético das relações humanas, a exclusão não significa a mera falta de inclusão, mas sim um trabalho dobrado de incluir + revirar os afetos pelo avesso.

Nesse sentido, o bullying é um louvor, preenchido, porém, pela anti-poesia. 

Certa vez, ouvi dizer de uma história de alguém que, por amor, fez chegar a quem amava uma flor todos os dias (mal percebera este alguém que a prova de amor não era entregar todos os dias uma flor, mas sim entregar a uma flor todos os dias...). No bullying, há uma encomenda semelhante: não de flores, mas daquilo que Vinícius de Morais chamou de anti-rosas.

Quem pratica o bullying reza um anti-terço, cujas contas em vez de Ave-Marias são cansaços doloridos de quem é “bullyingnado”. Lembremos que o anti-terço não tem mistérios e nem Salve Rainha. O bullying é óbvio, embora a dor que ele causa seja sempre inédita.

O bullying trabalha com falta de requinte e crueldade o mito do destino e o mito do acaso. O que é bom no indivíduo é rebaixado a excrescência do acaso e o que é entendido como ruim é elevado a decreto irrevogável do destino.

A celebração de Corpus Christi está relacionada ao gesto da divindade de fazer de si mesma alimento e tornar-se memória. No bullying, o outro é devorado para que, em lugar de sua memória, fique a memória do insulto. Triste a sina de quem pratica o bullying, pois não percebe que deixou o insulto se tornar maior do que ele.

Desnecessário é dizer que o bullying é falacioso, pois inverte a relação de causa-efeito. É como culpar a fome pela falta de comida. Se bem que o propósito do bullying não parece ser culpar, pois a culpa pressupõe o perdão (mesmo que seja a falta de). O que está em jogo não é o fazer o indivíduo se sentir culpado, mas deixar acesa em sua mente a dúvida ininterrupta: E se eu for culpado? Ou: e se eu for inocente? 

A vítima do bullying é como uma sombra perdida no deserto, sem ter onde amarrar sua pessoa.
Lembremos as comunidades do falecido Orkut: elevavam um indivíduo ao status de rei, coroando-o de infâmia disfarçada de opinião casual. Oremos!

É bem a cara de nossa época, que trata as homenagens sinceras como ardis importados de Game of Thrones, preferindo homenagens ao avesso, como aquelas estampadas nas lápides que se insiste em chamar de postagens. Mas, esse comentário é, certamente talvez, exagero da minha parte.

Ana Karolina Lannes não teve seu destino violentado por ser filha de pais gays, pois o bullying não é regido pela relação lógica de causa-efeito. É como um imã absurdo que sai conectando preconceitos numa varredura em busca dos mais ancestrais arroubos de crueldade. 

Talvez o que eu queira dizer fique mais claro se John Lennon me ajudar na explicação: “A mulher é o negro do mundo. A mulher é a escrava dos escravos. Se ela tenta ser livre, tu dizes que ela não te ama. Se ela pensa, tu dizes que ela quer ser homem.”.

No preconceito contra a mulher, cabe o preconceito contra o negro, assim como na discriminação do negro cabe a discriminação do homossexual, assim como o rancor destinado a Ana Karolina Lannes voltou-se contra ela, contra seus pais homossexuais, mas também contra os loucos, contra os que não preenchem os “padrões” corporais contrabandeados de terras do nunca made in Taiwan... Cada preconceito faz caber em si inúmeros outros e, por isso mesmo, o preconceito é algo tão descabido.

Theo Chen, 12 anos, não foi vítima de bullying por ser homossexual, pois sua sexualidade mal teve tempo de aflorar. E foi feito literalmente de bode expiatório, eleito para ser o repositório de misérias e terrores que, “vez por outra”, o ser humano, frequentemente, quer desentocar de seus porões. No adolescente, também foram vítimas de humilhação as mulheres, os negros, os judeus, os artistas, os homossexuais e também os heterossexuais desviantes das expectativas nutridas pela sanha grotesca pela generalização.

O choro de Ana Karolina não é só dela, pois, todos nós, em algum momento, estaremos sujeitos a ter sobre nós projetada a imagem de algum tipo de excluído, o que, por incrível que pareça, inclui até a imagem de nós mesmos!





23 de maio de 2013

Sobre a eternidade e o orgasmo da alma de José de Anchieta



Torre Eiffel, Rio Sena e passarinho - By Karla Vidal


A eternidade é um exercício aeróbico que dispensa oxigênio
É onde posso abraçar todos os anjos-da-guarda: a Jovem e a Velha,
E agradecer pelos orgasmos que trago impressos na alma:
Ao ver sorrir os caminhos dos que amo, livres do mal.

Na eternidade, os tiros param de zunir por sobre as cabeças
E beijos de Boa Noite crescem aos pés das camas
Não é possível virar o rosto pro outro, na eternidade,
Pois lá os olhos são uma tentação irresistível

Na eternidade, cada um é para mim e eu sou para cada um
Fragmento dos dias que merecem renascer
E dos renasceres que merecem ser dia

Na festa do eterno, nenhum futuro é devolvido
E, mesmo assim, todo não-tempo é pouco para tanta vontade de te reencontrar,
Para tantos descaminhos que encontram a cura
Para que os tambores do silêncio assinem, retumbantes
O atestado de óbito das tumbas e dos medos

Nos braços da eternidade, as ondas não apagam os versos de José de Anchieta
E sua poesia não ficará mais sozinha
À margem
E os horizontes poderão nos dizer finalmente porque fogem de nós
E quais são os sonhos que, durante milhões de anos, esconderam debaixo do tapete do pôr-do-sol

Na eternidade, meu coração transborda de ressuscitados
A saudade se perde do Português
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?
E o ódio: qu’est que c’est?




E o amor: C’est tout
E o amor: C’est tout
E o amor: C’est tout
E o amor: C’est tout
E o amor: C’est tout
E o amor: C’est tout
E o amor: C’est tout
E o amor: C’est tout

E o amor: C’est tout
 

E o amor: C’est tout
Deus, na eternidade, és meu amigo e não mais um colete à prova de balas


22 de maio de 2013

A fotossintética amizade







É pra ser uma música para minha amiga Anuska, para quem, em breve, quero pessoalmente cantar


Fotossíntese


De alguma forma,
Quando conversamos
As portas dos livros se fecham
E  Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Eu
Sinto tanto
Muito
Que não seja preciso mais desculpa
Pois há lugar pra culpa onde pulsa o convite pra recomeçar?
Aar Aar Aar

Sinto que assinto
Mas que assínte!
Que tal síntese
Nenhuma foto ou planta
Possa respirarararararararar

Pobre Neruda que esqueceu suas laranjas
Lá no mararararararararararar
E quis sair do livro
E o poema calar ararar
Mas de tanto que caminham
Os calos que amam aprendem a voar arararararararar

Pois qu’importa ser lido
Sem perto de ti, amiga, os livros poder fechar?
Mas, se o tempo for de embora
Que o mundo se permita
Fugir de seu eixo próprio
E filiar-se ao partido comunista
Da translação solar ararararar
E o descomunal abraço das estrelas
Seja a menor das sementes
Diante do reencontro dos amigos
Onde é pego de surpresa o gostar
Onde a vida, linda amiga, tua vida
É alívio pra de Deus o soluçar
E a despedida é peso que se perde
Dos seus olhos num piscar
Em tua fotogenia
Que renova o oxigênio
Sendo mar

17 de maio de 2013

O dia em que a Terra parou (por ordem da CODECIR): E o mundo era um Recife submerso

Eu vi o Mundo e o Mundo era um Recife Submerso
Foto de Cleciopegasus


A chuva amanheceu dia e o Recife era uma vesga onda tentando lutar contra um paredão de águas
Enquanto ondas de carros, motos e gentes
Quebravam sem conseguir alcançar a margem
E o sonho meteorológico de que em maio não choveria
Morreu na praia
Já a bênção de São José: esta não conseguiu desintegrar-se na atmosfera
E, como Pernambuco-Brasil acredita que a bênção não tem data de validade ou efeitos colaterais,  deixa às ruas a sina de serem territórios da providência onde minas aquáticas, popularmente conhecidas como bueiros, aguardam como bocas de lobo sedentas os desavisados passos de quem tentava fazer o atraso chegar na hora.
Dificultava a situação o fato de as bocas de lobo não uivarem
Eram como baleias: engoliam a pessoa com tripa e tudo
“Minha mãe uma vez caiu num bueiro inundado e foi salva pelos cabelos”, conta um anônimo amigo feito durante o temporal de tempo perdido. Salva pelos cabelos, à moda da pedra lascada.
E aprendi com um guia turístico , a bordo de um catamarã, que Recife é uma palavra árabe: “calçada do mar”
Hoje, perguntei-me como seria, em árabe, “calçada do alagamento”
Certamente talvez, a culpa dos alagamentos seja das pessoas que caem nas bocas de lobo:
Afinal, elas não olham por onde andam
São José também se sentiu culpado, pois não teve como mandar chuva para o sertão sem
Importar tromba d’água do litoral
A bodo de uma High Lux, Um Zé Mané deu uma de Moisés
E quis dividir o mar de muitas cores e lixos e barro:
Gerou uma onda que quase submergiu o ciclista do qual o Zé Mané tirou um fino. O ciclista ti-
Tubeou, mas conseguiu ficar de pé no meio daquele tubo: irado, mermão!
E pensei:
Em Paris, meu glamour estaria a salvo,
Pois, em caso de alagamento,
A Tour Eiffel me salvaria
Mas, talvez fosse mais simples pedir guarita na Bica de Brennand,
Popularmente conhecida como Torre ou Coluna de Cristal
Estava eu, no Recife: uma releitura chuviscosa das mil e uma
Noites.
Robson Crusoé me emprestava sua companhia invisível. Éramos sócios naquela empresa: chamada Infortúnio
Que vontade de estar no Shopping Rio Mar, o maior da América Latina empatado com o Shopping Recife. Mas, para isso tinha que atravessar a maior avenida da América Latina: a Caxangá, que estava uma obra só: em preparação para a Copa de 2014 que não chega nunca. E, como chegar ao maior shopping da América Latina (doravante AL), se precisava atravessar a maior avenida da AL, que continha a maior obra da AL, o maior alagamento da AL e o saco mais cheio, da AL
Resolvi, então, telefonar para outro amigo invisível: chamei Jó para jogar
E, como não tínhamos saída, ele me deu carta de alforria:
Só não estava assinada
Porque ele era quase tão invisível quanto um funcionário-fantasma
E eu me sentia tão cheio de sanidades
Ali
Ilhado naquela praça,
Vendo o Recife alagado ao ritmo da
Chuva intermi-
Tente:
Uma valsa de mau-gosto
Recife que, àquela altura, tornava-se propriedade, por usucapião, de Afogados.
Foi, quando, de repente, enxerguei:
Robson Crusoé.
E pensei: será que estou ficando rouco?
Mas, meu juízo permanecia perfeito,
Pois conversei com Jó e
Ele me disse que continuava invisível: eu

Quando Chove - Patrícia Marx

16 de maio de 2013

Um colo para a deslágrima e a dessaudade

Parc Sainte-Marie - Nancy
Foto: Karla Vidal



Colo

Não sei se estás triste,
Mas sei que tenho vontade de convidar minha precariedade
A entrar no casulo dos medos e das incertezas
Até estar pronta para se tornar um abraço capaz de voar com asas de carinho e consolo
E se colocar a teu dispor

Alegre não sei se estás,
Com tantos amigos, talvez, certamente
Seja no futuro ou no passado,
Espero que o pouco de presença que me resta
Arda como o coração do fogo, sem artifício
E traga do sonho que as preces refugiam
Um infinito despreocupado,
De passagem e
Com as malas prontas para
Se desfazer do peso das saudades
E das metáforas cansadas
Que meu sentimento tenta
Reconverter em semente

Quando quiseres te sentir só, ao meu lado,
Te ofereço meu ombro mudo
E se quiseres trocar uma palavra
Te entrego a voz do meu apreço,
Os originais e as traduções
Dos meus erros e acertos

Quero, estando perto ou longe,
Contribuir um pouco que seja
Para que os medos, as obrigações, (quem sabe, os cigarros?) e os descalços descasos
Fiquem longe do teu travesseiro, das cigarras e do teu acordar

Às vezes eu também tenho medo de ser amado por mais de um segundo
Quem dirá de ser amado por um mês, um ano ou uma eternidade!
Mas, não precisas ter medo
Porque o que sinto por Alguém é uma ponte leve e sutil
Que percorro para encontrar amor nos diferentes tempos e espaços do universo:
O umbigo, ou, peut être, o quintal de Deus

Espero que minha palavra, tão incapaz de calar a corda estridente do meu silêncio,
Possa deixar de ser minha e, assim, ter permissão
De entrar na tua lembrança
E bater a porta do “Estou por perto”
Onde há colo, meu Nobre, para os sorrisos e os dessorrisos,
Para as lágrimas e as deslágrimas
Para a solidão e a dessolidão
Para a saudade e a dessaudade
Pour la prèmiere et pour la dernière fois.

My special child - Sinéad O'Connor

13 de maio de 2013

Nossa Senhora de Che Guevara e o desejo que virou do avesso a imensidão




Nossa Senhora do Ó


Antônio Vieira admira-se diante da capacidade de Nossa Senhora que, sendo mãe de Deus, fez-se plena, mas, mesmo assim, trazia, no coração, lugar para o desejo ardente. Estava repleta, mas o desejo de ser mãe a preenchia ainda mais. Isto porque, como mãe, a sede pelo que ainda não existia também vinha compor sua plenitude.

O que Vieira chamava de “imensidade” e nós chamamos de imensidão não se caracterizava unicamente pela vastidão do que existe. Na visão dele, participa também da imensidade o “incriado”.  É tensa essa questão, pois parece que o incriado é algo situado entre o infinito e o nada. “Imensidade é uma extensão sem limite, cujo centro está em toda a parte, e a circunferência em nenhuma parte”, tenta explicar Vieira.

Uma gota de mistério aplicada sobre esta frase opaca revela que a imensidade é um tipo de vínculo semelhante ao que une a mãe aos filhos. A mãe não precisa conhecer o filho para amar e mesmo quando o perde, continuará conhecendo-o um dia atrás do outro. Falo das mães, mas em certa medida e, dadas as devidas proporções, isto, certamente talvez, aconteça, nas diferentes relações humanas. 

A repletitude que Nossa Senhora experimenta continua habitando seu ventre, mesmo depois do parto e das partidas. Maria viveu a plenitude pelo direito e pelo avesso, experimentada, inclusive e exclusive, no que ela não foi capaz de compreender, nas alegrias que ela não teve a chance de vivenciar e nas espadas de dor que a feriram, mostrando os amargores que moram escondidos na ardência da vida.

Maria foi plena, e permitiu-se ferir a plenitude com seu desejo de contemplar o mistério que a unia a seu filho: plenitude que pode ser tudo, inclusive o nada. Certamente, era uma mulher que não tinha medo da companhia do outro nem da companhia do Outro, pois assumiu o risco de amar, situando-se entre a vastidão ilimitada do divino e a vastidão (in)contida na ópera subatômica da limitação humana: ambas, à sua maneira, grafadas pelo mistério.

Maria é ambiciosa, com gentileza imensa, pois ao aceitar ser mãe do Outro (o Cristo), ansiou por ser mãe do outro (o homem) e, em seu olhar, ao contemplar Jesus morrendo na cruz, pediu ainda para ser mãe de todos os outros que ainda estavam por vir e dos que já tinham ido embora. Ambição de uma rainha, de uma Mulher ou de uma Mãe? Das três, talvez, certamente... Pero, sin perder la ternura jamás.

Nesta linha, dirá Vieira, no Sermão de Nossa Senhora do O (ou Nossa Senhora do Círculo, tendo em vista que esta figura geométrica é conhecida, devido a não ter arestas, por estar próxima de uma representação da ideia de infinito. Não é, por acaso, que esta Nossa Senhora é representada lendo um livro...)

“Quando um imenso cerca outro imenso, ambos são imensos, mas o que cerca maior imenso que o cercado; e por isso, se Deus, que foi o cercado, é imenso, o ventre que o cercou, não só há de ser imenso, senão imensíssimo. A boa filosofia admite que pode haver um infinito maior que outro infinito, porque se houver infinitos homens, também os cabelos hão de ser infinitos; porém o infinito dos cabelos, maior que o infinito dos homens. Pois, assim como pode haver um infinito maior que outro infinito, assim pode haver um imenso maior que outro imenso.”
Antônio Vieira
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...