Cena de Ferrugem e Osso |
83 anos atrás, Plutão foi descoberto por um astrônomo amador
chamado Clyde Tombaugh, enquanto testava um novo tipo de câmera, projetada para
descobrir novos planetas.
Em 2006, a União Astronômica Internacional (UAI) decidiu
criar uma definição formal de planeta, que fez Plutão deixar de ser considerado
um: Intriga da oposição.
Atualmente, Plutão é considerado um planeta-anão. O que
mudou?
Um planeta anão é menor, mas, do mesmo jeito que um planeta “normal”,
orbita em volta do Sol e possui gravidade suficiente para assumir uma forma esférica
e manter equilíbrio hidrostático.
Porém, no noveau regimé,
não há espaço para um planeta que não possui sua órbita desimpedida. Plutão foi
destituído por ter asteroides (entenda-se: pequenos astros) em sua trajetória.
Dizem que Plutão, que, na opinião dos astrólogos, tem uma
séria tendência à melancolia, ficou bastante deprimido quando cortaram suas
asas e lhe tiraram o direito de ser um planeta.
Algo semelhante acontece com Stephanie, personagem interpretada
pela atriz Marion Cotillard no filme Ferrugem
e Osso, produção franco-belga dirigida por Jacques Audiard. Stephanie é uma
encantadora de baleias que, depois de um acidente durante uma das apresentações
no parque aquático em que trabalhava, teve suas pernas amputadas. O roteiro é baseado nos contos "Rocket Ride" e
"Rust and Bone", do livro Rust and Bone, do canadense Craig Davidson.
Interpretado pelo ator Matthias Schoenaerts, Ali também enfrenta
a síndrome de Plutão, vindo de uma trajetória atravessada por muitos percalços
e aparentes frustrações como a de não ter levado adiante uma carreira como
boxista após a morte de seu treinador. Mas, ao contrário de seu “planeta
regente”, é um personagem não afeito à tendência de fazer de cada gota d’água
um mar vestido de luto.
Ali vive fazendo bicos para sustentar o filho de cinco anos,
criado por ele após a mãe da criança ter sumido. Conhece Stephanie numa boate
na qual trabalhava como segurança. Depois de deixá-la em casa, entrega-lhe o
número do celular e diz que ela pode entrar em contato quando quiser. E ela
fará isso ao receber alta depois do acidente.
O filme se desenrola em torno da despretensão. Ali não tem
pretensão de viver um grande amor. Stephanie não espera por milagres. Os dois
começam uma amizade e despretensiosamente Ali convida Stephanie para fazer sexo
quando ela cogita a hipótese de não ser mais capaz de sentir prazer após tanto
tempo em stand by.
O que poderia ser resumido como uma “amizade colorida” com
risco de gerar vínculos fúteis revela-se um tipo de laboratório, onde com
valentia se combinam os elementos químicos consideração e desprendimento. Isso,
levando-se em conta que, no que se refere ao sentimento, a explosão pode vir
antes da reação química.
As relações humanas descem do pedestal. Envolvem não só trocas gasosas, mas troca de celulares, troca de fluidos
corporais, de traumas e também de vazio e futilidade. O cativante é ver que os
dois personagens conseguem se amar sem que seja preciso a eles trocarem
super-poderes. São covardes, sem
precisar ser super-covardes e leais sem precisar ser super-leais. É um filme do
Nouveau Régime, isto é: Absolutismo = #tô
fora.
A esperança é leve, os recomeços são leves, a superação dos
traumas é feita de forma leve e a superação da ideia de que a superação
completa é urgente e necessária também acontece com leveza. Até as baleias
bailarinas são leves...
Os personagens seguem, de leve, a recomendação de Platão e
saem da caverna, mas não para se cobrarem a, do lado de fora, encontrarem a luz
plena e incomparável, como se fosse possível transformar a caverna em cabide e
deixar as sombras penduradas lá. Tomam banho de luz vestidos com equívoco,
insegurança, sombras e tudo. Não se incomodam de sair para respirar a brisa
intergaláctica, a despeito dos asteroides que cercam seus caminhos.
Uma cena que elucida a metáfora do parágrafo anterior é
quando Stephanie descobre que, mesmo sem parte das pernas pode nadar, embora só
consiga entrar no mar quando carregada por Alguém. É quando ela percebe que a vitória sobre os
limites não precisa ser o pesado compromisso de apagar as limitações do mapa da
existência. Vencer um limite abre portas para outros limites. Que o diga Plutão
que, sendo ou não planeta, continuará gravitando em torno do Sol: sendo
carregado sem que precise parar de girar em torno de si mesmo. O que Platão
teria a dizer sobre isso?
Nenhum comentário:
Postar um comentário