26 de dezembro de 2017

Cartão de Natal de um poeta

Foto: Karla Vidal

Por gentileza, desconsiderem a postagem anterior


Cartão de Natal

Metade do que escrevo acredita que deve se calar
Metade acredita que deve gritar só pra uma pessoa ouvir
E metade decide se entregar por inteiro
Até que as entrelinhas façam chegar a ti um carro-pipa, que dê carona às asas do teu sonho

Escrever não consegue apagar o que digo em silêncio
E calar não retrocede o que escrevi

Queria ter o poder de fazer com que meu Feliz Natal
Tivesse a imagem acústica de um Eu quero ser teu (ím)par

Mas, a imagem do que sinto é muda
Quer germinar, mas tem receio de que você deixe de estar presente
Quando me ler

A companhia do outro é um livro que abrimos
Numa página em branco, pronta para ser reescrita

Tem uma pessoa que eu gostaria que me lesse
Com diferentes línguas
E tateasse meus gestos
Até enxergar o que sinto,
E que é ofuscante de tão sutil

Porque desde que o conheci
Todo dia tem sido Ano Novo
E a alegria, a despeito da regra ortográfica,

Tem sido acentuada por sua presença

25 de dezembro de 2017

Feliz Natal a Anitta, Sarah Sheeva, Maria Amazonas e demais terrestres de boa-vontade


 Foto: Instagram / Reprodução


Não sou uma princesa formada no curso por correspondência de Sheeva, mas
Peço a Papai Noel que tenha o direito de permanecer sem ser esganada,
Por não ser exclusiva, por querer deixar de pertencer a um só homem

Cristo, obrigado por aceitar dividir sua falta de lugar no mundo com Kuan Yin
Quem acredita na misericórdia é capaz de milagres, mas
Nunca encontra lugar na hospedaria

Espero que os pastores me deixem entregar a Jesus os presentes que trouxe:
Couro, falta de senso e birra, mas
Quebrando essa fina camada de tensão superficial,
Meu coração te oferece sede de justiça, paz inquieta e doçura desértica

Mesmo estando do lado de fora da festa,
Maria colocou o Recém-nascido pra dormir no meu coração
Ele não quis saber de presentes, nem de passados
Entregou-me o esconderijo de uma estrela
E fez de mim futuro, perspectiva

O nojo e o medo fugiram quando Ele chorou pela primeira vez
Fazendo o mundo enxergar o quão mentirosa é a guerra

Isaías me contou que Ele não julga pela aparência,
seja a de princesa ou a de malandra
E que, graças a Deus, não precisa do aval de nenhum Supremo Tribunal

Nenhuma pós-verdade resiste ao brilho do olhar dessa Criança
Que nasceu com a ressurreição tatuada na pupila. 

Nesse Natal, o sol da dignidade, malandramente, deu à luz a mim
E passei a ver coisas onde não havia...
Não havia mais muro, nem lamentação, nem botão prestes a fazer brotar
Rosas nucleares de Pyongyang

Não sou político. Não engulo meus nãos pra angariar eleitores
Ou fortalecer base partidária alguma
Não transformo o Obrigado numa forma velada de dizer: “Fique tranquilo que nunca vou te amar”

Meu sorriso não é brinde de rifa
E, na hora de brindar, meu amor secreto criou o malte mais puro
E depois jogou fora a chave da receita 

Ano que vem, minha árvore de Natal vai ter mais “nãos” enfeitando-a, se Deus quiser,
E ele há de meus nãos querer
Porque antes nãos onde o amor ardente aprende a cantar
Do que Obrigados que se sentem obrigados a mandar cartões de Natal
Com fórmulas vãs de cortesia feitas por trabalhadores escravos
Em algum lugar feito de tempo perdido

Menino Jesus, se eu devo continuar acreditando no amor,
Manda-me um sinal
Porque, de vez em quando,
Tenho vontade de ficar sério pra sempre

O amor acaba comigo,
Mas, antes isso do que achar que a carona

É mais importante do que a companhia do ser humano

17 de dezembro de 2017

Doação ou financiamento coletivo? Os rumos da solidariedade da classe média


Foto: Cláudio Eufrausino.


O gesto de doar uma roupa, um brinquedo usado, algum tipo de alimento poderia ser, antropologicamente, explicado como uma forma de aplacar o sentimento de culpa da classe média que, no Brasil, é classe média baixa: situada numa espécie de ilha que ocupa o centro do abismo da desigualdade social, cujos extremos são ocupados por quem está abaixo da linha da miséria e por quem traz o luxo amarrado aos calcanhares.

A classe média costuma encarar a doação como forma de se livrar do que não serve. A bola doada é murcha, o tênis furado, a roupa rasgada, a boneca descabelada. E nisso não deixa de haver uma válvula de escape para a frustração ocasionada pelo desejo de pertencer à elite, desapontado pela realidade cotidiana, que flerta com a pobreza.

Mas, felizmente, esse estigma está sendo abrandado pelo sopro de um futuro, onde doar significa mais a subversão do que a reafirmação das hierarquias.

Mesmo em tempos de crise, as pessoas de classe média baixa têm feito do exercício de doar uma forma de construir istmos que abram caminho pra elas deixarem as ilhas flutuantes de inércia, que pairam sobre o abismo da desigualdade extremada.

Infelizmente, a classe média também tem o hábito de construir istmos que a comunicam com as elites. Normalmente, o cimento dessa construção são juros do cartão de (des)crédito e no cheque especial calçados em promessas do tipo: “Prometo não me iludir que sou rico”.

O que importa mesmo nisso tudo é que, a despeito do recrudescimento de preconceitos e da onda reacionária que assola o País, a empatia está crescendo entre os brasileiros. Com isso, as doações estão se transformando: deixando de ser compostas por aquilo que “não serve” para se tornar o investimento em algo que toma o lugar do supérfluo nas vidas de quem tem condição de vida melhor.
Aliás, tenho fé que, num futuro não tão distante, o termo doação perderá a conotação improdutiva de “pena” e ganhará o sentido de solidariedade produtiva que está presente no termo “crowdfunding”.

Neste sentido, as redes sociais têm sido importantes aliadas de uma redistribuição de renda que não espera pela boa-vontade de quem pertence a elite, mas cujo coração mora abaixo da linha da miséria.

A doação, em breve, creio eu, ganhará o sentido de financiamento coletivo, mostrando que o Brasil, apesar do fantasma do “jeitinho brasileiro”, é criativo e generoso o suficiente para promover a distribuição de renda sem depender da votação do Congresso Nacional ou da sanção de qualquer usurpador.

11 de dezembro de 2017

Direitos humanos e a questionável reforma da PROvidência


Photo by mlsirac on VisualHunt.com / CC BY-NC

Salvo engano, uma das maneiras de conceituar ideologia é o ato de elevar o particular ao status de universal ou de sonegar a contradição e a parcialidade que habitam as ideias.

No Brasil, o efeito ideológico é nítido quando o debate de ideias aciona a expressão “Direitos Humanos”.

Entra imediatamente em cena o slogan “Direito Humano só defende bandido”.

Conversando com uma prima, no último sábado, ponderávamos sobre a duríssima gestação dos direitos humanos até ser erguida a noção de que, antes de qualquer lei ou pena, existe o pressuposto da dignidade humana, independentemente de posição social, título, faixa etária.

Os direitos humanos, sejam fruto de sistemas legais ou dos costumes, são responsáveis por cultivar verdades que hoje soam “inquestionáveis” e óbvias, mas que, antes do século XVIII, não o eram. O direito a educação, saneamento básico: sim a ideia de que o ser humano tem o direito de beber água potável, independentemente de ter dado sua lua de mel ao senhor feudal, é fruto da lenta e árdua construção do edifício dos direitos humanos.

E antes que alguém me diga: “Queria ver se estuprassem ou assassinassem quem você ama se você continuaria a favor dos direitos humanos”, quero dizer que os direitos humanos têm como função corrigir os excessos e distorções fundados por paixões como o desespero, a vingança, o fanatismo, a tirania e a intolerância.

É grande a probabilidade que, numa situação-limite, as referidas paixões me assaltem, mas o direito humano é maior do que eu assim como o mundo é maior que o feudo, o templo, o partido ou a Igreja.

Se quem comete um crime tem grandes chances de sair impune enquanto um policial em legítima defesa corre o risco de ser punido mais severamente que o criminoso, não é a versão brasileira do código de Hamurabi que vai consertar esta distorção.

Não é expondo o criminoso a torturas, linchamentos e degradação extrema que se corrigirá o vício da balança da justiça brasileira. Afinal, nossas paixões não estão livres de pesarem as coisas de maneira distorcida e míope. Desta forma, o próximo a ser linchado ou tragado pelas torturas de um sistema carcerário sucateado pode ser você ou eu.

Não é o direito humano o problema, mas sim a seletividade expressa numa pergunta que parece arder no inconsciente da coletividade brasileira: “Tal ou qual pessoa é digna de ser considerada digna?”.

É um erro pensar que defender o fundamento da dignidade humana é ser a favor do crime.

Por que não posso ser a favor da melhoria das condições dos presídios e, ao mesmo tempo, achar que os presos deveriam, com seu trabalho, pagar por sua estada na penitenciária?

Por que não posso desejar que o rol de situações legítima defesa, no caso da conduta policial, seja ampliado, sem, com isso, ter de defender a máxima irrefletida de que “Bandido bom é bandido morto”?

Não será a aplicação da tortura ao réu, antes que ele seja condenado, que vai corrigir a falta de intensificar a atuação dos direitos humanos em prol das vítimas, o que inclui a aceleração dos processos judiciais e a revisão da relação desproporcional entre pena e delito.

A Grécia Antiga considerava o estrangeiro indigno de ter direitos.

A Europa considerava os colonos indignos de ter direitos e os escravos indignos de ter personalidade.

O Ocidente considerava as mulheres indignas da maior parte dos direitos que tornam o ser humano digno.

Estamos passando por um momento em que uma parcela da sociedade parece estar escaneando a história humana em busca de “soluções” que indignificam o ser humano, tentando reviver pretéritos mais que imperfeitos.

Não vai ser eliminando os direitos humanos da equação da justiça que se vai torná-la mais justa.


8 de dezembro de 2017

Nossa Senhora: primeira praticante de Aikido


Photo by ekoprobo on VisualHunt.com / CC BY-NC

Maria de Nazaré era uma aikidoca avant la lettre. Ela dosava como ninguém a relação entre tempo e espaço. Exemplo disso está no milagre das bodas de Caná

A mãe de Jesus antecipou o tempo do primeiro milagre,fazendo da precipitação o momento exato como é típico das movimentações omote

Até hoje, Morihei Ueshiba se pergunta como aquela jovem acertou em Cristo um Yokomen uchi, atacando frontalmente. Depois, ele descobriu que Maria se especializara em extrair a dor das espadas. Ela conseguia forjar substituindo as batidas no metal por canções de ninar

Ueshiba tinha ouvido falar de uma mulher hebreia que, em vez de armas, utilizava o brilho da aurora como defesa-ataque e de como, em silêncio, Ela conseguia ser temível como um exército em ordem de batalha

O próprio Cristo se admirara de como Maria sem mover um dedo conseguiu entrar no seu maai, utilizando, com consentimento da revelia dEle, a energia salvífica em favor da humanidade inteira

Ao tomar conhecimento do episódio das Bodas de Caná, Morihei teve a ideia de desenvolver uma arte de luta onde a energia do outro pudesse ser utilizada em favor de ambos

Ele chamou essa arte de Aikidô. Seria uma arte onde as arestas das espadas de dor pudessem ser suavizadas, arredondadas, substituindo o sangue derramado pela energia fluente: Presa na liberdade do Yin; Livre na prisão do Yang

Uma arte onde a interação entre os combatentes reproduzisse o milagre contínuo
Da transformação da água em vinho em água em vinho...


Poema a Nossa Senhora do Aikidô

Dentro de mim, era como uma ânfora
Cujo fundo estava borrado
Por alguns rancores descorados

Quando Maria chegou,
As canas perguntaram a ela o segredo da doçura
E os corações apaixonados fizeram de súbito
Bodas de galáxia

Todo mundo reparou
Que Nossa Senhora não estava com as vestes tradcionais
Em vez de um manto,
Ela usava um hakama onde o azul celeste estava deitado,
Dormindo o ho’oponopono dos justos
E as virtudes das dobras do hakama fluíam
Como ondas de oceano brincando de ser dulçor

Maria pediu que eu me trouxesse
Para as mãos de um aikidoca
Cujas pregas do hakama cor de ave fênix
Eram raios de divina misericórdia
Prontos para saltar de um arco-e-flecha-íris

Num suave Yoko ukemi,
Me derramei no coração daquele homem
E venho experimentando o desafio
De encontrar onde seria o momento de acabar
A chance de ser vinho novo e milagre

Sem esquecer que antes de tudo preciso ser simplesmente água



A Nossa Senhora, a quem consagro a obtenção do 1º Kyu no Aikido.

20 de novembro de 2017

A "temível" pré-faixa preta: por que, no Brasil, quem vence vence "na cagada"?

Fonte da imagem: Info Taekwondo


A "temível" pré-faixa preta...
Porque a véspera é tensa pra quem tem medo de ressuscitar
Ter de sair do sepulcro e ver o olhar assombrado dos que não estão acostumados
A conviver com ex: ex-amigxs, ex-namoradxs, ex-mortxs, extrx-terrestres

Lembro ter passado no vestibular pra Jornalismo e, já com a cabeça raspada,
Ter ido levar o convite da formatura do Ensino Médio pra uma tia
Na ocasião, fui recebido por uma prima que me indagou:
“E aí, já conseguiu passar na segunda fase do vestibular? Porque a primeira,
Você sabe, é peneirão e qualquer um passa...”

Mal sabia eu que minha cabeça raspada seria indagada, muitas vezes,
Pela vida a fora: “Você venceu realmente?”

Se você esperar que o olhar alheio te declare vencedor, é
Melhor pôr na playlist o Tema da Vitória cantado por Tom Jobim
E relaxar, deitado no pódio:
Porque sentado você se cansará

Nossa cultura está, contraditoriamente, acostumada a pensar que o capim do vizinho é mais verde
E que a vitória alheia é “uma cagada”: expressão utilizada para definir uma incerta região: misto de acaso e ocaso 

Como se a vitória fosse algo irrepetível, um farol perdido que lança luz sobre alguém que,
No fundo, estaria fadado a ser tragado pelo mar da derrota
E, dessa premissa, deriva o tão conhecido adágio brasileiro: "Adiantou ter feito tamanha conquista e agora estar com um cisco no olho ou ter sido pego pela Lava Jato ou ter recebido um Impeachment ou ter perdido o primeiro lugar do Brasileirão do ano que vem?"

Dirão:
Passou no vestibular “na cagada”
No mestrado “na cagada”
Foi convidado para o New York Times “na cagada”
Chegou à pré-faixa preta “na cagada”

É muito burocrático ser vencedor, na cultura brasileira
Não adianta vencer simplesmente: é preciso agradar diferentes bancadas

Passar num concurso é uma vitória?
“Parece que não, meu amigo, porque você é estéril e nunca vai poder ter filhos”
Ou “Acho que não, brother, porque você não passou para o concurso que eu passei
E mesmo que tivesse passado, não passou como eu passei: com faixa Black & Decker”

Chegaste à pré-faixa preta
Vitória?
“Não, porque você não é uma mulher bela, recatada e do lar
Nem tampouco um macho provedor”

São tantos pós-requisitos para ser um vencedor
Que, antes da champanha estourar, o pódio afunda,
E o segundo lugar é declarado, oficialmente, primeiro,
Até que o terceiro prove o contrário e, assim, regressivamente...

E se você for bicha, negro, maconheiro, mulher ou homem
Vai ter de provar, de três em três horas,que suas vitórias
Não foram “na cagada”
Só quem não vence “na cagada” é o “pai macho de cada dia”
E a mulher que aceita ser seu apêndice:
Aí sim flutuará no salão, vitoriosa: como uma costela

A vitória, em nossa cultura,
Precisa, no mínimo, preencher, dez pós-requisitos:

  1. Ser uma prisão perpétua sem direito a fiança
  2. Ser fruto de uma indicação
  3. Ser conquistada à distância, fora do alcance dos olhos e do coração dos "admiradores"
  4. Ser televisionada ou rede-socializada
  5. Todas as alternativas anteriores de trás pra diante, num eterno looping.

Sigo, perguntando-me qual a cor da faixa que se deve utilizar para tentar esconder
Nossa “pecaminosa” nudez

Ah, meu caro Antônio Vieira, que saudade do futuro onde ser mais que vencedor
Era simplesmente combater o bom combate, sem tanta carreira, e guardar a fé

12 de novembro de 2017

Por que Só dá Tu é a música do ano?


Imagem do clipe Só dá Tu - banda A Favorita

Se me perguntassem qual a música do ano, a favorita, responderia sem titubear: Só dá tu, imortalizada na voz de Rafaela Santos.

A canção consegue devolver ao pronome Tu o lugar no pódio que, há tempos, vinha sendo ocupado pelo pronome você.

A norma culta não permite o sabor de dizer Eu amo tu, porque Tu não pode ser utilizado na função de objeto, estando sujeito a ser sempre sujeito.

Mas, em Só dá tu, o tu, no auge de sua normatividade, é inquestionavelmente sujeito, mas uma espécie de inconsciente linguístico confere a ele (ao Tu) um sabor de transgressão como ocorreria se a Constituição permitisse dizer Eu amo tu.

Os integrantes do Movimento Sou Cultural, talvez não tenham notado que Só dá Tu significa um salto quântico dado pelo Arrocha, um dos afluentes do tecno-brega, em direção ao refinamento. 

A letra permite a quem canta exprimir com cores de infância a obsessão dos românticos malditos do século XIX.  O Byron que habita os versos de Só dá Tu prefere rir de si mesmo. Assim, o peso da obsessão se dilui nas ondas que o ritmo da música sugere.

Dick Farney, que imortalizou Alguém como Tu, se tivesse se lançado como cantor nos dias de hoje, não pensaria duas vezes: dividiria o palco com Rafaela Santos.

O pronome tu e a língua portuguesa agradecem por esta grande invenção sonora, que cinge o fado com a cadência da loa africana e os bits da música pop.

Quem prestar atenção direitinho vai encontrar em Só dá tu vestígios arqueológicos do blues, com suas síncopes costuradas por ondas, que fazem o corpo imitar o mar e, de contratempos em contratempos, ter aquela sensação de quem, prestes a adormecer, acorda-se assustado como se fora cair no abismo.

Algo, na composição de Elvis Pires, remete à ingenuidade das primeiras composições românticas de Elvis Presley.

Eu não teria vergonha de cantar no teu calcanhar do ouvido, anjo e/ou leão, o refrão Só dá tu.

Obs.: esse texto não busca ser irônico.


5 de novembro de 2017

Toda nudez, incluindo a da capa do disco de Karina Buhr, será castigada pelo Facebook?

Foto: Priscila Buhr


Até mesmo Kafka ficaria encafifado com os “community standards” do Facebook, particularmente no que diz respeito à nudez.

A premissa do Facebook para impedir a exibição de nudez é a de que alguns públicos da “comunidade global” “podem ser mais sensíveis a esse tipo de conteúdo”.

O Face admite que suas políticas de restrição de conteúdo “podem ser mais duras do que gostaríamos e restringir conteúdos compartilhados com objetivos legítimos”.

E por que esta rede social arrisca-se a restringir conteúdos compartilhados com objetivos legítimos?
Resposta: em nome de uma suposta justiça cujo lastro é a necessidade de “responder às denúncias rapidamente” com base em critérios que possam ser aplicados de maneira simples e uniforme.

“Tratar as pessoas de forma justa” com base na aplicação rápida de critérios uniformes é como abrir uma janela do computador pra Prometeu e outra pra Jurado.

A politica de restrição de conteúdo do Face acaba reproduzindo o comportamento que orienta os debates na timeline.  Com base num questionável impulso de “fazer justiça”, acionam-se padrões de “comunidade” (community standards) preconcebidos, e, ao mínimo sinal de ameaça desses padrões, os debatedores se unem para crucificar uma opinião, imagem ou outra forma de expressão.

Assim, “fazer justiça” deixa de significar o trabalho de mergulho nas contradições em busca da promoção do bem-estar comum (ou do mais próximo que houver disso) para se tornar a demanda por se ajustar com rapidez a padrões, contemplando de forma precipitada o impulso pela uniformização, entendida como uma triste equação onde em um lado figura a comunidade “justiceira” e do outro algum bode expiatório.

Aconteceu isso comigo. Alguém com intenções de quinta e que optou por deixar a roupa suja no cesto do quarto denunciou uma postagem minha (um vídeo do YouTube) pelo fato de trazer a imagem da capa de um disco onde a modelo aparece nua, com os seios à mostra.

Trata-se da capa de um disco de Karina Buhr, que alude à representação de um orixá.

Lembrei da caça às bruxas, em Salém.  Bastava uma pessoa denunciar alguém por algo que de alguma maneira pudesse minimamente aludir ao oculto que essa pessoa podia ser convidada a fazer transfusão para a fogueira.

Karina Buhr foi lançada à fogueira do Face graças à denúncia de um (a) ocioso (a) descarado (a) e eu, como seu cúmplice, ainda fui “alertado” de que a reincidência neste “crime” poderia implicar o meu banimento das paragens facebookianas.

A ironia é que as restrições relativas à exibição de nudez têm como exceção a publicação de conteúdo “por motivos educativos, humorísticos ou satíricos”.

Então, se a capa do disco de Karina Buhr fosse uma piada, minha postagem não teria sido removida?  Ou será que, para escapar ao contemporâneo tribunal  de inquisição, a nudez de Karina Buhr precisaria arrancar gaitadas  dos censores sem face do Face? 


29 de outubro de 2017

Quando Kahlo desejou Feliz Aniversário a Karla

Ensaio fotográfico "Reflexos"
Foto: Karla Vidal


Acho que, passados 30 anos, e, apesar de estar lidando com uma escorpiana, ela já deve conseguir acreditar que minha admiração é verdadeira

Ela ama com ações e não com palavras, mas espero que ela não se importe com estes versos porque eu tenho o vício de amar por meio da palavra

Se eu acreditasse em reencarnação, pediria a Deus que renascêssemos como irmãos gêmeos novamente

Mas, esta vida e a vida eterna serão o bastante pra nós: estoy contigo, mana. Je suis avec toi pro que der e vier.

No futuro, quem ler a poesia de Cléciopégasus compreenderá que muito do seu significado se deve às imagens de sua irmã Karla Vidal

Muitos a chamam de Karla, mas pra mim é Gisele ou Minine

E ela também me chama de Clécio, apesar da mania insistente que as pessoas têm de me chamar de Cláudio. Mas, como diz a sábia Ivete Saint Galo, tá tudo bem!

Quando me acham parecido com ela, me sinto orgulhoso

E quando me acham diferente, também, porque isso não muda o fato de que somos gêmeos de alma
Afinal, o dia do aniversário dela é o dia em que, desde 2013, eu comemoro minha sobrevivência


Ela não é rica de dinheiro, mas no restante Deus caprichou. No coração, na alma e na mente dela, o Espírito Santo faz festa

Procurei a magia cá e lá, mas fui encontrá-la em Karla

Saúde, paz e prosperidade, Filha de Frida Kahlo, cores :)

19 de outubro de 2017

Oração de um aniversariante


Bola de gude
Foto: Karla Vidal


Agradeço a ti, Senhor, por mais um ano de vida
Agradeço por ser filho do pai e não da peia
Agradeço por ter mãe e Mãe
Agradeço a ti, Nossa Senhora, por seres mãe de Deus e de nós

Obrigado, Senhor, por ter feito 37 anos e também 59, 25, 36, 34...
Obrigado, Senhor, por não enjoar dos amigos ou colocá-los na prateleira da conveniência
Obrigado, Senhor, por não dividir minha sala de trabalho entre heterossexuais e gays;
Entre servidores e terceirizados;
Entre jovens e velhos;
Entre dignos e indignos;

Obrigado, Senhor, por viver mais um ano sem precisar ser macho para poder ser homem

Bendito seja Deus, por poder ser Cláudio, Clécio, Pégasus

Sou grato por não precisar violentar ninguém com piadas escrotas
Por não precisar acrescentar, aos muros de vergonha que dividem o mundo,
Um que divida o mundo entre quem dá o cu e quem tem medo de dar e gostar

Sinto-me agraciado por preferir rir com os outros do que rir dos outros:
Isso também é dom de Deus

Jesus, obrigado por manter em segredo minhas identidades reveladas
Agradeço por ter recebido o dom de fazer trocadilhos perfeitos e irresistíveis

Agradeço porque a semente galáctica amarela não desistiu de ser eu
E por estar aprendendo a enfrentar, com paixão, o desafio de me desapaixonar,
Quando é necessário


Valeu, por ter frustrações e entender, cada dia um pouco mais,
Que não sou a única raposa do terreiro
E que a salada de frutas da existência não precisa ser feita só de uvas

Obrigado, por me perdoar a mim mesmo um pouco mais a cada dia
E por me tornar capaz de enfrentar guerras dizendo silêncios

Tanto pra agradecer que a eternidade por um instante parece pequena...

Obrigado, Senhor, pelo estado laico
Obrigado, Senhor, pelo meu coração ateu 
Que não é refém da bancada evangélica

Obrigado, Jesus, por continuares violando os sábados
E sentares à mesa com pessoas de índole duvidosa
E não com pessoas que se têm certeza

Obrigado a mim por acreditar que o amor vale a pena
Quando da travessia dos vales de sombra

E por estar ciente de que as pessoas não são dignas de pena
Mas sim de ter dignidade

Obrigado, Senhor, por seres grato a mim por eu existir

Muchas gracias, por ter descoberto que Che Guevara foi um canalha:
Todo bolo de aniversário deveria ter uma vela apagada pra cada mito quebrado

12 de outubro de 2017

Nossa Senhora também roga pelos transexuais


Rodrigo_Soldon via Visual hunt / CC BY



Talvez, nunca antes na história, Nossa Senhora tenha sido tão atual.

Maria concebeu um filho por obra e graça do Espírito Santo, figura que, na Santíssima Trindade, representa a parcela indefinida da identidade de Deus: não é propriamente homem ou mulher.
Um dos títulos dados ao Espírito Santo é simplesmente Amor, visto como algo que Independe de gênero.

A concepção de Cristo no seio da Virgem Maria dependeu exclusivamente do Amor. O milagre não foi o fato de uma Virgem conceber, mas sim de o Amor, independente dos atributos que a história e as sociedades projetam sobre ele, ter sido gerado no ventre do improvável, do “impossível”.

A Imaculada Concepção rompe com o lema da cultura patriarcal de que só é digno de existir o “amor” que pode ser resumido ao encaixe entre pênis e vagina. Assim, contribui para acolher, no plano divino,  identidades culturais marginalizadas como os homossexuais, os transexuais e ass vítimas de violência sexual.

Na África, no Brasil, tem recrudescido a prática do estupro, baseada na ideia de que o corpo feminino está à disposição dos homens ou, mais especificamente, do Macho que ecoa no estupro os últimos e desesperados suspiros do Patriarcado.

O Sim de Maria, no momento da concepção por obra do Espírito Santo, inaugura duas realidades na história:

  • A de que a mulher tem direito sobre seu corpo
  • A de que, independentemente de gênero ou identidade, só o amor consentido pode ser porta de acesso aos corpos.

Falemos especificamente de Nossa Senhora  Aparecida, que carrega consigo até hoje um quê de ironia.

É a Mulher Negra que se torna sinal de libertação nos milagres que fazem do extraordinário a redenção dos que são vítimas dos poderes e das morais dominadoras.

Assim como desafiou o mito da supremacia branca, a imagem da Aparecida desafia o valor dado aos títulos de nobreza, como aconteceu em 1717, quando ofuscou a visita do Conde de Assumar, então governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, a Guaratinguetá.

Lembro de um debate, durante uma das disciplinas que cursei no Doutorado, em que Nossa Senhora Aparecida foi chamada sarcasticamente de Nossa Senhora da Lama, título relacionado ao modo como surgiu a devoção da Aparecida: resgatada das água do rio pela rede de um pescador.

Faz sentido.

Nossa Senhora Aparecida é Imaculada, porém vestida de lama: crítica alegórica da elite corrupta que, vestidos de luxo, pompa e circunstância, mergulham cada vez mais fundo na lama, a despeito de se refugiarem em jatos que voam no alto dos céus.

Nessa perspectiva, a figura de Nossa Senhora Aparecida é singular porque abre mão de um dos títulos honoríficos mais famosos de Maria: o de Mulher Vestida de Ouro de Ofir.

Não esqueçamos que a imagem de Aparecida é representada no auge da gravidez de Maria, aludindo às mulheres abandonadas e jogadas na lama após terem seus corpos invadidos pela corrupção de uma cultura desértica onde o Macho, e não o homem, é o jardineiro.

11 de outubro de 2017

Onde está Nibiru que não chega?: sobre o aborto, museus, homens nus e soluções fatais


Eye of Nibiru
 artofthemystic via Visual Hunt / CC BY-NC-ND



Devo pedir licença a Nietzsche para emitir uma opinião?
Dirão alguns incontáveis que o fato de eu ser flagrado assobiando uma música de Anitta
Atesta que minha formatura regrediu a pós-doutorado

As soluções fatais não me seduzem
Aborto, pena de morte, a chegada de Nibiru
A única solução fatal que me atrai são as declarações de amor

Adoro me declarar: secreta e sorrateiramente
Por pensamentos, palavras
Desatando as omissões
Para que o mundo todo não precise saber
Que o mundo, de quando em vez, seja você e eu diante da película

Esta madrugada, quis estar dormindo e sentir que uma sombra de 1,90m
Se deitou a meu lado para me ofuscar com sua luz

Talvez o mais conveniente seja esquecer
Por que exigem que eu seja a favor do aborto
E declare que todos são donos de seus corpos,
Mas, apontam-me uma arma
Quando olho ou sorrio para um homem?
Porque um homem que olha ou sorri pra outro
Está cometendo estupro presumido:
Algo pior que deitar nu no chão do museu



Meu amor, se eu adivinhasse que tua vida me convidou
O cinema poderia chegar atrasado a nós dois

Não é porque sou contra o aborto
Que sou a favor da criminalização da mulher
Não é porque sou a favor da descriminalização do aborto
Que defendo a troca do anticoncepcional por matadouros

A questão é que sou contra o adiamento do direito a personalidade
Não gosto da ideia de cancelar o agendamento da vida
Remarcando-o para a próxima gravidez


Tenho altas doses de hedonismo na minha corrente de Andrômeda
E o sangue do meu espírito é arterialmente venoso
Mas, não dispenso a sedução de enfrentar as dores a dois

Mesmo com toda preguiça que carrego, prefiro o sacrifício honroso

Aliás preciso ser um pouco menos dois
Expulsar meu amado da crônica de minha solteirice aguda

Que a margem de erro do oceano 2018
Me traga a oportunidade de me apaixonar mais por mim mesmo
Sem recorrer a nenhuma solução final
Que eu não precise me abortar
Durante a gestação de mim

Senhor, não me deixe orar
Para que Nibiru chegue antes  dos mísseis norte-coreanos
Prefiro rezar para que os núcleos dos átomos
Transformem-se em rosas azul natier

Espero não precisar procurar um doutor clandestino
Para abortar nosso amor
Porque descobri que estava grávido de amizade

Não me importo se minha armadura Armani for reduzida a pó

Afinal, nem Salomão foi capaz de se vestir com poeira de estrelas


21 de setembro de 2017

Convite para um anjo

Foto: Karla Vidal


Como devo me sentir ao chegar perto dele:
Anjo que me entrega a um espelho-bomba
E reduz minhas cinzas a coração?

Tenho aprendido a saber quase nada sobre ele
Só não entendo por que quanto menos sei
Mais bonito ele se torna pra mim

Por que ele finge que não quer que eu seja seu humano da guarda?
Vou abrir uma oficina de segredos e ele será cliente exclusivo
Se me deixar fazer das suas asas cobertor
Nas noites frias de sua cidade distante

Quando o vejo, o ar se enche de estilhaços de canções de A-HA
Gosto de pegar emprestado flechas de sua lua tímida
E raios de seu sol falante


Aceite meu convite para fazer parte da festa de sua existência

13 de setembro de 2017

Versos de um convite

Foto: Karla Vidal



Estou pronto para ex-calar um arranha-céu até o grito
E, ficar na ponta dos pés, esticar-me rumo a um novo primeiro beijo
Que apagará a constelação da indiferença: estrela solitária que acredita
Ser miríade

Mesmo que os bastidores sejam cheios de riso, rumor e espinho
Meu segredo segue confiante, ofuscando baixinho a ribalta

Basta de dor: foi a conclusão a que cheguei quando minha astronave fusca
Aterrissou no céu moreno do teu olhar humano

Meu eu ridículo encheu-se de abraço
E meu corpo, onde for tocado, derramará música com sabor de tamarindo

Tomara que a sede de quem, sem perceber, varreu eclipses, para se aproximar de mim
Aceite o convite do meu deserto
E celebre comigo um Feliz Oceano Novo

Dessa vez, estou preparado pra amar e sentir que o prazer da tua companhia
É mais importante que qualquer hora extra, do ordinário tempo

Porém, o mais importante que o novo amor me traz

É o prazer de descobrir como é bom estar de volta em mim mesmo, mesmo que seja de mansinho

Meu mim mesmo te estende a mão

Pode me chamar pelo zap, de madrugada, se o pneu do teu cometa furar
Ou simplesmente se quiser trocar silêncios por carinho

4 de setembro de 2017

O blog Acedia comemora sete anos com a marca de 100 mil views

Arte: Pipa Comunicação

O blog Acedia está completando sete anos de existência e atinge a marca de 100 mil visualizações.

Considero este número emblemático, tendo em vista que, nesses "tempos de McDonald's", expressão utilizada pelo cineasta alemão Win Wenders para designar a contemporaneidade, um espaço reservado a filosofia e poesia parece não ser um prato tão apetitoso.

Mas, talvez isso seja preconceito meu.

É perceptível que o Acedia costuma fugir de sua proposta inicial de trazer recortes filosóficos da mídia.

Crônicas, poemas e outros gêneros textuais entraram clandestinamente nessas paragens.

Ou talvez não tenha havido fuga porque o que há de mais filosófico do que o pensamento clandestino?

Muita gente ainda me pergunta se sou um assediador por escrever num blog chamado Acedia.

Mais uma vez respondo: Assédio é com dois ss e Acedia é com c.

Acedia é, resumidamente, a indolência do espírito: algum lugar entre a preguiça e a letargia.

Há também os que pensam que por me propor a refletir sobre o potencial estético da melancolia sou depressivo.

Quem pensa assim, lasque-se.

Mas, é exatamente o oposto. A reflexão sobre o caráter estético da tristeza a torna impotente.

Por isso a poesia é tão presente nesse espaço. O simples fato de tratar poeticamente a tristeza, o amor e a alegria já liberam destes sentimentos carga emocional, ajudando o coração, a mente e o espírito a se reoxigenarem.

Tem algo aí da proposta do Aikido. Redirecionar a energia, em vez de fingir que ela não existe enquanto ela te devora interiormente.

Obrigado a todos que dedicaram alguns minutos de sua existência catando estilhaços desse coraçãozinho de poeta.




Sobre o não, que é garantido, e o silêncio, que também é resposta - Parte 1


Foto: Clécio Vidal

Ouço em todas as frequências radiofônicas que não se deve
Ter medo de falar o que se sente porque o não é garantido,
E o sim uma possibilidade que não deve ser desacatada.

Quero saber onde
Está atracado o sim que teu corpo sem porto e sem fronteiras
Silencia.

O Não é tão incisivo: zune como uma espada cortando um ponto final
Ou como um sopro derrubando uma muralha de ar, que perdeu o fòlego


Não consigo compreender o adágio “Silêncio também é resposta”.

O silêncio transforma o verbo responder em respondoer 
Mas, o direito de silenciar é sagrado: talvez seja a mais refinada manifestação
Da liberdade de expressão.

Existem, contudo e com nada, dois tipos de silêncio:

O silêncio de quem se rende ao sublime: margem onde só resta ao mar da palavra recuar

O silêncio que tenta ser metáfora da inexistência, da invisibilidade, da indiferença: rio de Eu-te-amos que corre de trás pra frente, jogando em cima
Do tempo a responsabilidade de transformar a nascente em morrente.


Me sinto capaz de dividir a cama com teus atraentes talvezes


Pero, queria ter coragem de ter medo dos meus sins e nãos, 
Mas, não tenho


Tenho, na verdade, medo de não falar  
E perder a hora de embarque no teu sim 
Ou de falar/saltar e descobrir que teu não é meu paraquedas 
E que não terei chance de cair no teu abraço.

29 de agosto de 2017

Bolsonaro também perseguirá os heteros


Chainless Photography via Visual Hunt / CC BY-SA



Uma parcela daqueles que se entendem como heterossexuais - ou, melhor dizendo, os heteronormativos - acham que estão livres da perseguição e do preconceito. Como se os gays sempre fossem os “outros”.

Nas rodas de conversas, os heteronormativos chamam a si mesmos pelo nome, mas apagam o nome dos homossexuais, que são reduzidos a uma categoria, sendo-lhes retirada individualidade.

O dilema da transexual Ivana, da novela A Força do Querer, ilustra essa tendência. Boa parte do sofrimento da jovem se deve ao fato de viver cercada por pessoas que, a fina força, querem fazer coincidir gênero e sexualidade, anulando as identidades complexas que se erguem nessa tensa fronteira.

A heteronormatividade comete o erro de achar que o fato de ser homossexual proíbe o ser humano de ser indivíduo dotado de particularidade e personalidade.  Daí, o entendimento de que todo homossexual que não se encaixa na forma de estereótipos é um enrustido ou um embusteiro.

Muitos têm se prostrado diante das ideias de Jair Bolsonaro, chorando nostalgicamente pelo retorno de uma era ideal – que nunca existiu – ondeseria possível distinguir, com exatidão, as fronteiras entre masculino e feminino, paralisando o complexo diálogo entre Yin e Yang.

Mas, a ideologia bolsonariana em sua busca pelo modelo ideal de homem vai produzir um efeito semelhante ao do conto O Alienista, de Machado de Assis, onde o personagem-título, de tanto enxergar loucura em todos que o cercam, acaba chegando â conclusão de que o único louco era ele mesmo.

A ideologia bolsonariana assim como rebaixa os homossexuais terminará criando subcategorias de heterossexuais, que também serão vítimas de discriminação.

Assim, poderão ser discriminados e tachados de enrustidos, por exemplo, os heterossexuais engomadinhos e perfumados; Ou talvez os heterossexuais que fazem da academia um templo de culto ao corpo.

Afinal, o ideal bolsonariano só chega ao orgasmo quando coloca todos sob suspeita. Ser homossexual assumido é, na visão à Bolsonaro, um crime. Porém, ter comportamentos que fazem a pessoa suspeita de não ser heterossexual é, no código penal bolsonariano, um crime qualificado e com motivação torpe.

Se, Deus nos livre, a ideologia bolsonariana triunfar, não vai adiantar sair por aí dizendo que come buceta para escapar da estigmatização. Isso porque, como nos lembra o canto traidor de Ossanha,  “aquele que diz sou não é”.

O Governo bolsonariano vai estabelecer uma hierarquia de castas de heterossexuais, conforme supostamente o heterossexual esteja ou não afastado do “vírus” da homossexualidade.

E, no fim, talvez Bolsonaro descubra que até mesmo ele é um heterossexual sob suspeita.

25 de agosto de 2017

O (trans)tornado e suas calmarias


Foto: Karla Vidal


Todos os dias, sou apresentado a um desconhecido
A quem amo amar
Nele posso ancorar meus naufrágios

Vela e farol se tornam desnecessários
Porque sinto que minha luz está reaprendendo a se acender

Prefiro beijar a falar da vida alheia
E pós-firo segredar a segregar

Quem quiser dormir abraçado comigo
Não pode ter intolerância a liberdade

Depois que atravessei clandestinamente
A fronteira de mim mesmo
Perdi a vergonha
De ser fiel ao eu que me tornei

Quero te emprestar um pouco
Desse tornado doce
Mas, a prioridade
É me dar a mim mesmo

As pessoas acham tanta coisa a desrespeito dos outros
E vivem tão perdidas

Um abraço de portas abertas
E estreitos ensolarados
É melhor que qualquer achismo

Invada-me, como um cavalheiro,

E me prove que há ciência na astrologia

13 de agosto de 2017

O que Papa Francisco deve fazer a respeito do desfile de tochas neofascista


umbertodpc via VisualHunt.com / CC BY-NC-ND


Uma funcionária pública me pediu que orasse pelo filho dela
Eu disse que ia pedir que minha mãe orasse, mas ela insistiu em
Meu coração bom [o ônus da prova cabe ao acusador]

Mas, mal sabia ela que, na hora de orar, eu pedia
Que Deus fosse rápido em ouvir minha prece
Que, ultimamente, sempre só consegue morar de passagem por meu coração absurdo

Às vezes, pareço uma caberna onde a inteligência é substituída pelo eco de trocadilhos
Um louco motiva meus trilhos a não desistirem de fazer os trens tremerem
E visita uma oca onde o Aikido não se contente em regredir à faixa preta a cada nova aula

Outro dia, um amigo me perguntou se a ruindade de fulana era por ela ser lésbica ou algo do tipo
E percebi que para ser “bom”, era necessário ser hetero, casado, rico e se deixar controlar por
Um macho, independentemente de ele ser homem ou mulher ou, até eu mesmo

De repente, esta poesia foi interrompida por uma tocha
Lançada de outra dimensão por um neofascista

E por que pra ser contrário à imigração,
Preciso destruir os judeus?

Não se é contra os negros e os gays
Se é contra uma paisagem onde a alternativa não seja mais subjugada
Onde o fazer alheio seja não o cumprir a ordem, nem o ufanar-se do progresso

Entre dois gays, onde fica o lugar da mulher subjugada?, indaga um furioso neofascista
Como estarei no controle, num mundo onde meu chicote não é páreo para a lei áurea?,
Questionou um futuro candidato à presidência da Ilha de Vera Cruz

E ele mesmo responde, sem tirar as mãos do Bolsonaro:
Meu lugar no mundo é à sombra de alguém fulminado por um ataque terrorista
Minhas dez mil virgens, minha água fresca, meu paraíso
Brota numa taça amarga

Taça de sangue feito de uvas selecionadas,
Uvas que não se encaixam na ditadura da natureza,
Cuja bula foi prescrita não por “Eu Sou”, mas por “Seja como eu”
À luz do tenebroso lançar de dados de Lord Armadilha e de um Loukin-Jong

Papa Francisco eu te ordeno que, pelo amor do Amor, não desligues as fontes do Vaticano
Onde encontraremos água pra lavar os corações rochosos que se escondem por trás das tochas?
Onde as moedas mergulharão para realizar meus desejos egoístas?

Eu te ordeno que, pela gentileza do Galileu, canonizes Galilei

Pra que haja tempo ainda de meu coração se apaixonar nova e reciprocamente

18 de julho de 2017

A ressurreição que dói


Ressurrection Bay
Helder Ribeiro via Visualhunt.com / CC BY-NC-SA


A ressurreição dói, eu não sabia
Como um sol que nasce anoitecendo
Um pássaro sem ter futuro onde pousar
Pois lhe sobra juízo e lhe falta dia

O rosto do meu reflexo vive banhado de sudário
E, se ressuscitar é morrer de trás pra diante,
Desdoer também dói

O anjo deu uma demão de cais no meu sepulcro
Desde então, a ressurreição espera a chegada de um barco
E a vela procura fôlego num beijo

Estou ressuscitando e o teu Não me toque
Continua me crucificando
O detalhe é que de Cristo não tenho quase nada
Só a mania de acreditar sem ver

O que será de um ressuscitado
Se ele for predestinado a não ser achado por seu novo amor?
Que eu possa deixar todos os sinais de arrombamento
No calabouço do segundo dia

Cala a boca de um Nunca Mais
Que censura meus sonhos
E discorda do meu acordar

Será que ressuscitar é um remédio que
Só faz efeito para quem consegue
Um convite para fora de si mesmo?

Um convite que tem demorado a chegar
Posto que o anjo apagou meu endereço,
Mas a carta não pára de chegar
Só pra me lembrar que jamais serei o destinatário

Neste baralho, por enquando não passo de um ás de ferrugem
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