12 de outubro de 2017

Nossa Senhora também roga pelos transexuais


Rodrigo_Soldon via Visual hunt / CC BY



Talvez, nunca antes na história, Nossa Senhora tenha sido tão atual.

Maria concebeu um filho por obra e graça do Espírito Santo, figura que, na Santíssima Trindade, representa a parcela indefinida da identidade de Deus: não é propriamente homem ou mulher.
Um dos títulos dados ao Espírito Santo é simplesmente Amor, visto como algo que Independe de gênero.

A concepção de Cristo no seio da Virgem Maria dependeu exclusivamente do Amor. O milagre não foi o fato de uma Virgem conceber, mas sim de o Amor, independente dos atributos que a história e as sociedades projetam sobre ele, ter sido gerado no ventre do improvável, do “impossível”.

A Imaculada Concepção rompe com o lema da cultura patriarcal de que só é digno de existir o “amor” que pode ser resumido ao encaixe entre pênis e vagina. Assim, contribui para acolher, no plano divino,  identidades culturais marginalizadas como os homossexuais, os transexuais e ass vítimas de violência sexual.

Na África, no Brasil, tem recrudescido a prática do estupro, baseada na ideia de que o corpo feminino está à disposição dos homens ou, mais especificamente, do Macho que ecoa no estupro os últimos e desesperados suspiros do Patriarcado.

O Sim de Maria, no momento da concepção por obra do Espírito Santo, inaugura duas realidades na história:

  • A de que a mulher tem direito sobre seu corpo
  • A de que, independentemente de gênero ou identidade, só o amor consentido pode ser porta de acesso aos corpos.

Falemos especificamente de Nossa Senhora  Aparecida, que carrega consigo até hoje um quê de ironia.

É a Mulher Negra que se torna sinal de libertação nos milagres que fazem do extraordinário a redenção dos que são vítimas dos poderes e das morais dominadoras.

Assim como desafiou o mito da supremacia branca, a imagem da Aparecida desafia o valor dado aos títulos de nobreza, como aconteceu em 1717, quando ofuscou a visita do Conde de Assumar, então governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, a Guaratinguetá.

Lembro de um debate, durante uma das disciplinas que cursei no Doutorado, em que Nossa Senhora Aparecida foi chamada sarcasticamente de Nossa Senhora da Lama, título relacionado ao modo como surgiu a devoção da Aparecida: resgatada das água do rio pela rede de um pescador.

Faz sentido.

Nossa Senhora Aparecida é Imaculada, porém vestida de lama: crítica alegórica da elite corrupta que, vestidos de luxo, pompa e circunstância, mergulham cada vez mais fundo na lama, a despeito de se refugiarem em jatos que voam no alto dos céus.

Nessa perspectiva, a figura de Nossa Senhora Aparecida é singular porque abre mão de um dos títulos honoríficos mais famosos de Maria: o de Mulher Vestida de Ouro de Ofir.

Não esqueçamos que a imagem de Aparecida é representada no auge da gravidez de Maria, aludindo às mulheres abandonadas e jogadas na lama após terem seus corpos invadidos pela corrupção de uma cultura desértica onde o Macho, e não o homem, é o jardineiro.

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