26 de agosto de 2013

O futuro do spam e o seu desafio de se adequar às regras de etiqueta do ciberespaço





Os cinco sentidos estão perdendo o direito à privacidade, pois o spam tem se tornado um dos sustentáculos dos castelos virtuais. Não o spam strictu sensu, isto é, as minipropagandas do tipo “Você ganhou na loteria” ou “Aumente já o seu pênis”. O spam está passando por um upgrade e deixando para trás os tempos ingênuos das correntes via-email.

Ver e ouvir perdem em individualidade e ganham o estatuto do tato e, por pressão (impressão, repressão ou depressão...)  das redes sociais tornam-se sentidos que dependem do compartilhamento para  se efetivarem. Entre o olhar e o ouvir instalam-se intermediários como o Curtir, o Compartilhar, as Hashtags e, principalmente, os Comments: versões politicamente corretas do spam.  

A medida da visibilidade ou da invisibilidade de um conteúdo é a medida do seu compartilhamento. Neste sentido, Picasso pode vir a ser, sem auxílio de um compartilhamento que lhe salve do fluxo ciberespacial, um desconhecido, bem como uma Clarice Lispector autora de poemas nunca por ela escritos  pode vir a ganhar mais notoriedade que a Clarice Lispector que existiu de fato.

E não há como evitar a comparação da timeline do Facebook com uma queda por um despenhadeiro onde esbarramos em oásis de reflexão, mas somos atingidos pelas escarpas de reflexões indesejadas.

Certamente talvez, é possível evitar as escarpas por meio de uma boa gestão das permissões do Face. Mas, como resistir à dúvida cruel de saber se aquela pessoa bloqueada não pode trazer , de repente, a informação da sua vida, mesmo que, no último ano não tenha compartilhado nada do seu interesse. Afinal , como diria a banda WestLife: 

“But if I let you go I will never know
What my life would be holding you close to me?”

Esta pergunta está relacionada a uma preocupação com o que teóricos como Antônio Carlos Xavier chamariam de etiqueta ciberespacial.

Se, no chamado “mundo real”, a etiqueta nos ensina que  boa eduação é evitar qualquer tipo de intromissão na intimidade do outro, no ciberespaço, a regra de “ouro”, ou, melhor dizendo, de fibra ótica, é a de encontrar a melhor maneira de se intrometer na vida alheia. Baseado nesta premissa o spam tem se especializado; tem se tornado instrumental de intromissão na vida do outro. Mas, isto não precisa ser necessariamente visto como algo aterrador, pois, a criatividade e o bom senso podem forjar maneiras de nos intrometermos na vida alheia com suavidade, de leve, como quem pede licença ao orvalho para se refrescar nele.

E, quem sabe, chegará logo o dia em que o spam se tornará uma ferramenta apta a implementar regras de como definirmos, em conjunto, espaços de intromissão recíproca. Neste caso, a intromissão será objeto de estudo de áreas diversas como Comunicação, Arquitetura, Informática, Administração e Artes Cênicas... 

Existem ao menos dois significados plausíveis para a sigla SPAM. Um deles é "Sending and Posting Advertisement in Mass". O outro seria "Stupid Pointless Annoying Messages", que significa mensagem irritante e sem propósito. Uma das supostas origens do termo relaciona-se à marca SPAM, um tipo de carne suína enlatada da Hormel Foods Corporation. O enlatado teria sido associado ao envio de mensagens não-solicitadas devido a um quadro do grupo de humoristas ingleses Monty Python.
 


24 de agosto de 2013

A luta de Claude Debussy e dos psicopompos pelo passe livre

Le Cheval Clair de Lune - L'auteur 'Yodalechat


Não sei se já mencionei, mas boa parte de meus minha erudição (e da presunção que lhe serve de coenzima) é herdadas ou tomada de empréstimo. Peço, então, mais uma vez emprestada erudição de um amigo que, por sua vez, a tomou emprestada de outros, lembrando-nos que a intertextualidade, entre amigos, é uma das melhores formas de lutar contra o sequestro do sonho.

Em artigo publicado pela revista Outros Críticos, o amigo José Juva rasgou o véu do templo de meus recônditos preconceitos, expondo uma face que me era desconhecida sobre o fenômeno da curadoria. Para mim, a palavra curador soava como algo entre o mofo de arquivos moribundos e a decadência opulenta de antigos regimes que se esqueceram de enterrar-se.

Mas, estou convencido de que o curador pode ser alguém que trabalha como um advogado do sonho, promovendo a reconciliação entre mito, sonho e conceito e suavizando les coups de vent que nos ferem de forma mais profunda que qualquer spray de pimenta quando resolvemos lutar contra a tempestade que nega passe livre aos amores, à amizade, ao mérito, à franqueza, à fraqueza, à coragem, à crença, ao direito, à ou ao ___________________ (esteja livre para acrescentar o que quiser, desde que não sejam balas de borracha ou tochas mascaradas de V de vingança...).

O maior inimigo dos “Grandes Irmãos” que se rogam o direito de vigiar a própria vigilância não é outro senão o psicopompo. Este termo que o ignorante corretor do Word insiste em sublinhar de vermeho me foi emprestado por José Juva e por Jung (aquele abraço pra eles. Para os dois porque aprendi com Jung a não ter vergonha de abraçar os “mortos”).

Existem psicopompos bastante conhecidos como Ariadne, Hermes, o anjo Gabriel, Perséfone, João Grilo... Todos eles com o papel de encontrar conexões entre opostos aparentemente irreconciliáveis.

O psicopompo, assim como o curador forjado pelo cativante romantismo de Juva, luta pelo direito do passe livre. Nem só de BRTs vive o homem, mas do direito de transitar entre a morte e a vida, mas também entre a noite e o dia, entre o céu e a terra.

Sei que alguns podem me alcunhar de louco ou transcendentalista, mas o que está em jogo na luta do inconformado psicopompo é o direito que mito, sonho e conceito têm de tomar a palavra na assembleia do sentido.

É sério, folks! O trabalho do curador de organizar a assembleia do sentido para que tenham direito a voz sonho, mito e conceito, enfrenta os artefatos sociais mais torpes como a intolerância, a ignorância, a hipocrisia e a tirania (tomando, nesse momento, emprestada a erudição de Fernando Pessoa), que tentam encontrar um jeito de restabelecer o domínio do arcaico monopólio ou das anacrônicas ditaduras. Explico-me: o psicopompo d’aujourd’hui combate a ditadura ou o monopólio seja do sonho, do mito ou do conceito. O monopólio ou a ditadura tem o poder de reduzir suas vítimas a pesadelo. E tentar escapar do pesadelo do monopólio do mito, do sonho ou do conceito é o que dá vivacidade às lutas de diferentes grupos sociais que a cultura tenta isolar nos campos de concentração do imaginário coletivo.

Esta postagem era pra ser uma homenagem a Claude Debussy e acaba sendo de qualquer maneira, pois, como é sabido por quem bem o sabe, Debussy era um inconformado. Era um curador, como o concebe José Juva, pois quis achar uma forma de fazerem sentar à mesma mesa Chopin,Wagner e Schönberg, negando a tendência totalitária dos movimentos “culturais” de construírem sua razão de ser em cima dos destroços de vozes silenciadas. Debussy mostra que é possível fazer da estética um território em que a polifonia deixe de ser um convite à guerra e se torne um convite ao ágape. Sobre isto dirá ele, em uma de suas últimas cartas, que sua arte tem por objetivo criar “com o melhor de minha capacidade um pouco daquela beleza que o inimigo está atacando com tanta fúria”. O inimigo ao qual o músico se refere era a Primeira Guerra, por ele presenciada.

E, para sentar a esta mesa não é necessário ser uma ávore de natal cujos enfeites são marcas que plantaram sua fama nos campos de extermínio ou a plantam no trabalho escravo gestado no ventre dos tigres da Ásia.

O psicopompo ou o curador convida as expressões artísticas a trocarem o anseio hollywoodiano de ser uma estrela de eterno brilho – hedionda versão metonímica da bomba nuclear -  pelo anseio de ser parte de uma constelação em que vale a pena passar por fases de apagamento, donde se contempla satisfeito o brilho das outras estrelas. E, assim, o milagre da multiplicação do brilho se torna possível enquanto as estrelas comungam dos beijos que só os humanos têm know-how para ensinar como reconhecem os próprios deuses.

Aterrissando...

Em uma obra de Walcyr Carrasco, Debussy atuou como psicopompo. Sua música Claire de lune unia a vida de uma linda dama de 18 anos que fora uma exímia bailarina e fora assassinada para defender seu grande amor. Vinte anos depois, esta jovem dama reencarnou como uma linda índia de olhos verdes que, mesmo comendo com as mãos, trazia a mesma elegância que sua encarnação anterior.

Guiada por memórias da vida passada, a jovem índia tenta reencontrar quem amava. Um dia, depois de ter sido ridicularizada de todas as formas (afinal como uma nobre dama poderia renascer como uma índia “selvagem”?) , ela surpreendeu a todos ao dançar balé ao som de Claire de Lune, de Debussy. Dançou de uma forma ainda mais linda que sua encarnação anterior... Perguntaram a ela: Como você, uma índia do mato, dançou balé sem nunca ter aprendido? E ela respondeu: Foram as árvores que, ao som da orquestra dos ventos e das águas, me mostraram como...


E assim uma índia de uma novela de Walcyr Carrasco ensinou Debussy a ser um psicopompo.

Confira o texto do jornalista José Juva sobre a relação entre o curador literário e o psicopompo, aqui.


18 de agosto de 2013

Releitura

Releitura de O Pensador: estudo de Carlos Botelho


Releitura do Poema Original d’O Pensador.Info

Um dia vou procurar no infinito e verei apenas uma estrela dizendo que foste embora.
Tarde demais Pedirei a ela que me mostre o caminho, mas será inútil, e, em forma de placa, a esperança me indicará tua direção. Apagarei as pegadas de dor, mas não quero te esquecer. Quero lembrar que o amor vence qualquer passado triste.
A saudade fere meu peito todos os dias, pois Alguém Nobre tem sido importante para mim, e não há como ele me ser inútil.
E quando penso que preciso de Alguém nos momentos decisivos da vida, o vazio se despede. Certamente, vou me lembrar de ti, e meus olhos impressivos vão deschorar.
Um dia a buscarás nos meus escritos sem lógica ... Quando leres, com atenção, acharás a resposta do silêncio para a pergunta mais humana já visitada pela interrogação: Onde estás?
E resposta terás, porque a natureza conspira para que o amor seja correspondido.
Um dia quando os sonhos forem derrubados pela incompreensão, a memória do amor - o fio que tece o velocino e o ouro - curará a flecha do arrependimento, pois amo muito quem muito me ama, mesmo que este Alguém finja sentir ao contrário.
A verdade é que um dia sentirás minha falta, e não precisarás chorar, pois as minhas lágrimas farei delas um rio e navegarei para onde estiveres.

Deixo, por enquanto, apenas a saudade, mas o que mais desejo é que o melhor que possa existir te acompanhe onde andares, mesmo que minha presença não te faça falta.

15 de agosto de 2013

A poesia atropelada de Alceu e os dois braços esquerdos da democracia brasileira


Foto: Daniel Valença/Facebook


O recente atropelamento de Alceu Valença colocou em evidência uma chaga da cultura brasileira. Refiro-me à ideia, consciente e inconscientemente regada e adubada no solo de nossa Mãe "Gentil", de que, salvo as exceções banhadas na beira mar e nos Jardins, caberia aos brasileiros a obrigação de pedir licença para exercer seus direitos fundamentais.

A tendência de acharmos risível o depoimento de Alceu reflete, em certa medida, a tendência de acharmos risível o esforço de contestar o fato de nos serem negados os direitos básicos, a exemplo do direito de ir e vir.

A exemplo do pernambucano, achamos natural fazer de uma prazerosa caminhada na praia um exercício de transformar nossos passos em ilha onde buscamos refúgio dos buracos nas calçadas e dos ciclistas que burlam qualquer regra de respeito ao pedestre. Certamente talvez, o caso Alceu comprova sermos indivíduos espremidos entre o descaso do Estado e a prepotência feudal dos indivíduos que tratam os direitos alheios como mera concessão de senhores feudais a bordo de seus castelos sobre rodas. E, ao pedestre (vassalo) resta a inglória tarefa de catar rua nos buracos que ocupam o lugar das calçadas. Mas, o High Lux dos suseranos também não escapa de estar solto (preso) na buraqueira enquanto chega ou parte do restaurante Anjo Solto. E só a intercessão de Joana D'Arc para proteger a suspensão dos veículos indefesos.

"Você tem o direito de permanecer calado engolindo o desrespeito de seus direitos, pois qualquer esboço de contestação pode ser usado contra você", dirão as autoridades que riem do esforço dos doutorandos enquanto teimam em ser chamadas de doutores a bordo de uma farsante reprodução de vícios feudais cercados de tecnologia 3G por todos os lados.

Assim como na Idade Média, continuamos obrigados a reservar a primeira noite de amor de nossas esposas virgens para senhores feudais chauvinistas. A diferença é que nossa "esposa virgem" é a Justiça, violada pela sanha daqueles que cultivam o joio do antigo regime no solo da democracia brasileira que, por vezes, parece órfão.

Mas, onde não há justiça, que haja pelo menos a justiça do poeta, estampada no protesto, em verso, de Alceu Valença:

Adoro andar de bicicleta. Mas neste dia deixei minha eguinha na garagem e resolvi caminhar da minha casa, no Leblon, até o Arpoador e voltar. Enquanto retornava pelo calçadão, ia cantarolando as belezas do Rio: “Eu te procuro no Leblon, Copacabana / vejo velas de umbanda / um buquê jogado ao mar”. 

Ao passar em frente ao Posto 9, cantei: “Andar andar / nas ruas do Rio de Janeiro / dezembro abril / a todo mundo eu dou psiu / perguntando por meu bem /ainda resta um assobio / um desejo, nada além”. 
Ao me aproximar do Jardim de Alah, lembrei de uma canção que compus há muitos anos, logo que cheguei na Cidade Maravilhosa: “Era verão na cidade de São Sebastião / do meu Rio de Janeiro / fevereiro se rendia / se entregando por inteiro / seu azul seu mormaço a março que é mês do desejo..”.

Parei numa barraca de coco e fiquei contemplando o pôr-do-sol dourado e divino que desmaiava junto ao Morro Dois Irmãos. O sol caiu lentamente enquanto a lua surgia no céu. Em silêncio, quando somente as imagens sem música povoavam a minha mente, caminhei até o final do Leblon. Passei por manifestantes acampados que protestavam contra Cabral. 

Sigo em frente e olho para os lados antes de atravessar a pista. No lado esquerdo, carros retidos diante do sinal fechado. Olho para o outro lado, não vejo ninguém. Coloco o pé na ciclovia e, num susto, vejo aproximar-se de mim o vulto de um ciclista todo vestido de preto, numa velocidade inacreditável. Joguei o corpo para trás, mas senti que o guidon se chocara contra minha mão esquerda. Urrei de dor.

Ainda tive tempo de escutar alguém que passava gritar para o desastrado ciclista: “Filho-da-Puta!”, enquanto o sujeito desaparecia a toda velocidade pela infinita ciclovia. Não havia mais som ou imagem. Fui direto para uma clínica e obtive o diagnóstico: fratura na mão esquerda, quatro semanas sem tocar violão. Tive de adiar meu show acústico no Teatro Oi Casagrande, que estava marcado para o fim do mês (e passou para o dia 17 de setembro).

No dia seguinte, desafiando a mim mesmo, saio para caminhar com um braço imobilizado e pendurado na tipoia. Muitos param para me perguntar o que acontecera com minha mão e relato pacientemente o ocorrido. Um gari da prefeitura se aproxima, cantando “Anunciação”. Quando explico o acidente, o gari resume, com sabedoria: “ciclovia não é pista de corrida”. Andar, andar nas ruas do Rio. Desviando dos buracos nas calçadas de pedrinhas portuguesas e de ciclistas inconsequentes. O direito de um termina quando começa o do outro.

Alceu Valença

Fonte: JC Online

8 de agosto de 2013

Sem meios silêncios

Fonte da imagem: Ultradownloads



Paraquedas
Por Linav Koriander

Vulgar telepatia,
Dá-me teu auxílio
Ajuda minha falta de coragem
A transpor os muros entre mim e o Nobre
Não quero ler pensamentos: prefiro ser extrassensorialmente analfabeto,
Pois o amo demais e não quero represar-lhe o sétimo sentido
Deus me deixou encontrar, no seu baú sem porteiras,
Uma Aliança de raios de luz e não grilhões
E é, com esta aliança, que proponho casamento aberto
E que este Alguém sente ao meu lado, 
Para juntos modelarmos a chave da liberdade que nos possa unir

Ajuda-me, meu anjo,
Pois o que mais me angustia não são as meias palavras,
Nem os silêncios, que, tantas vezes, falam mais que o próprio dito
O que me angustia é a incertitude dos meios silêncios
Joga-os fora pra que possa te abraçar

Moisés, Abraão e Cristo pediram ao Nobre: Fica na Aliança!
Eles dizem que se fores embora, o mar vermelho vai virar uma ferida incapaz de fechar
Faço das palavras deles as minhas

Quero que tu possas ler meus pensamentos
Por um minuto
E veja-sinta-ouça-transcenda o carinho que sinto
Pelo Nobre, o mar em mim fecha os olhos e dá um salto de fé
Quando Deus abre uma brecha no acaso ou uma trilha no destino para que eu te reencontre,
Os sonhos ganham permissão para acordar minha vontade de reinventar-me

Não tive coragem de dizer que te amo
E pedir carona a teu abraço
Medo tenho de não significar nada pra ti
E se eu te sou importante, o mar perde o medo de se tornar cachoeira
E procurar em teu peito um paraquedas

4 de agosto de 2013

Os Yuppies não o compreenderam: a difícil tarefa do Papa Francisco de admistrar o convívio entre artificialidade e espontaneidade

Foto: Alessandra Tarantino / AP
Cinismo e crise são grandezas inversamente proporcionais
Não há como estar em crise e ser cínico ao mesmo tempo
Falo do cinismo, sem referência direta a Diógenes
Para quem ser cínico era desvestir os signos do peso que a força gravitacional cultural lhes impõe
Falo do cinismo em seu senso comum

Receita do cinismo
Ingrediente:
Indiferença a gosto
Medo a desgosto
Preguiça a contragosto
Deboche a setembro

As palavras do Papa Francisco feriram, em alguma medida, muitas almas onde a ferida do cinismo tem dificuldade de cicatrizar (incluo a mim nesta avaliação, pois não sou imune a deboche, preguiça, medo e indiferença...)

A Jornada da Juventude poderia ter sido chamada de Jornada de questionamento do cinismo, pois talvez seja um dos grandes dilemas da geração Y: Ser ou não ser cínico?

Em muitos momentos, a juventude da qual padecemos escolhe plantar sonhos de aço, de alto luxo e com isolamento de borracha e air bag sêxtuplo. E acha que o suor, o fedor e a podridão são uma fronteira “natural” entre humanos e quase-humanos.

E muitos jovens que se acham awesome (antigo style) acreditam que conviver com o suor, o fedor e a miséria é um tipo de safári pelo qual o espírito aventureiro precisa passar para chegar à idade adulta. Mas, a voz do cinismo diz a eles, de forma sorrateira: conviva com os quase-humanos, mas não esqueça que melhor do que um abraço apertado é um abraço “protegido” pela devida distância que os signos de status oferecem.

E assim, os jovens cínicos fazem da Europa seu ideal, mas quando chegam lá encontram uma Europa destroçada pela Casa Grande que transportam em suas mentes engenhosas e lançam, como tipo assim um míssil, sobre o Velho Mundo.

Os jovens cínicos conhecem o mundo inteiro, mas o mundo inteiro se resume à Casa Grande d’algum Engenho que se esqueceu de morrer nos braços de Áurea.

E como um jovem cínico não iria achar o Papa Francisco um mentiroso ou lobbysta se, para ele, um abraço não passa de um tratado de Tordesilhas?

Certamente talvez, os gestos – os do Papa e os nossos - são feridos pelo lobby, pois, se o gesto fosse feito exclusivamente de impulso e espontaneidade, seria tragado por um mar de ondas indecisas entre o amor e a fúria. Uma dose do que se chama de lobby é necessária para que sobrevivamos como seres inseridos em grupos sociais, com seus repertórios e convenções.

Porém, estar sujeito a convenções e repertórios não significa render-se ao cinismo, que é a crença ingênua de que o impulso e a espontaneidade não existem ou são trabalhosas demais e não valem a fadiga de experimentá-las.

O jeito caloroso do Papa Francisco, sua atenção às chamadas minorias, têm, acredito eu, uma parcela grande de empenho para que a Igreja Católica não perca fiéis. Mas, este desejo não invalida a espontaneidade do gesto.

Convivemos com uma época em que os gestos e os afetos são como café. Coando a artificialidade, podemos beber da espontaneidade e o contrário também ocorre.

Decantando a artificialidade de carinhos, alegrias, raivas e friezas (pois, muitas vezes, os “maus” sentimentos são disfarces para quem quer parecer forte e acha que a doçura desmoraliza o combatente), encontra-se a espontaneidade.

Além disso, ninguém é obrigado a ser espontâneo e gentil o tempo todo. Falta a nós abraçar com grande calor e afeto uma pessoa e nos permitirmos ficar, logo a seguir, entediados e cabisbaixos, sem que isso signifique que o afeto do gesto anterior é falsidade ou que deixou de existir.

Não perceber a co-presença de artificidade e espontaneidade, nos gestos, é que nos impele a optar pelo cinismo, pelo estar nem aí.

O Papa Francisco tem procurado formas mais suaves de administrar a presença compartilhada do espontâneo e do artificial nos gestos. Não teria sido esta também uma meta de Jesus Cristo ao promover um diálogo entre a Lei (artificial e estabelecida)– e o amor (espontâneo e liberto)? E qual laboratório melhor para testar e criticar os limites entre artificial e espontâneo do que o coração dos jovens, por mais tentador que seja o cinismo que os têm rondado? O mesmo cinismo que converteu os desiludidos hippies em yuppies.

1 de agosto de 2013

Jose Luis Paredis e a poesia apátrida




David de la Mano – Apátrida New Mural @ Montevideo, Uruguay


 Aeroporto
Por Jose Luis Paredis



Tenho sido um apátrida:
Com visto negado para a realidade
E renegado para o sonho
Ontem, a meia-noite ligou-me, disfarçada
De sonolento zênite
Com intenções de través
E me disse que estavas com uma pessoa
E eu me senti bobo como uma solidão ferida numa mina terrestre
Plantada no sem chão dos meus passos

Como é difícil te amar
Mas, quando te revejo, Nobre Alguém
É como se o peso do mundo
Desistisse de estar filiado ao partido da energia potencial gravitacional
Tua testa franzida e teu olhar chateado roçam meu existir
Com uma leveza tão suprema,
Perto da qual o voo dos anjos parece de chumbo
E a organza pesa como l'argent

Dos amores, dos beijos, dos abraços não-correspondidos
O teu é o mais quente, carinhoso, sincero, gostoso, amigo e lascivopuro: apertado
E traz as cicatrizes da liberdade impressas nos primeiros fios  brancos
Refugiados no eclipse dos teus cabelos
E me faz bem sonhar que um dia meu cafuné possa despentear esse eclipse...

Tua não resposta faz o fluxo do tempo chegar atrasado ao passado,
Antes da hora ao presente
E no momento exato ao futuro que, assim, perde o dom de ser impreciso...
Durma no meu peito tua nuca linda e ranzinza
Toda vez que quiseres descansar de ser nômade

Dos desconhecidos, és quem mais sabe de cor os atalhos da minha alma
Dos desconhecidos, sou quem sabe melhor acariciar as zonas erógenas de teu silêncio
E de tua distância
E se fosses pagão, acenderia todo dia uma vela na brasa do mar da graça,
Para que a doçura embalasse teu sono

E me permitiria caminhar contigo por lugares estranhos,
Como a eternidade que percebeu que não era eterna
Embora estivesse calçada de tempo sem fim

Ilustres Poetas Desconhecidos: O primeiro poema, em livro, de Cláudio Eufrausino











Desemprego - Cláudio Eufrausino (clique na imagem para ampliar)

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