4 de agosto de 2013

Os Yuppies não o compreenderam: a difícil tarefa do Papa Francisco de admistrar o convívio entre artificialidade e espontaneidade

Foto: Alessandra Tarantino / AP
Cinismo e crise são grandezas inversamente proporcionais
Não há como estar em crise e ser cínico ao mesmo tempo
Falo do cinismo, sem referência direta a Diógenes
Para quem ser cínico era desvestir os signos do peso que a força gravitacional cultural lhes impõe
Falo do cinismo em seu senso comum

Receita do cinismo
Ingrediente:
Indiferença a gosto
Medo a desgosto
Preguiça a contragosto
Deboche a setembro

As palavras do Papa Francisco feriram, em alguma medida, muitas almas onde a ferida do cinismo tem dificuldade de cicatrizar (incluo a mim nesta avaliação, pois não sou imune a deboche, preguiça, medo e indiferença...)

A Jornada da Juventude poderia ter sido chamada de Jornada de questionamento do cinismo, pois talvez seja um dos grandes dilemas da geração Y: Ser ou não ser cínico?

Em muitos momentos, a juventude da qual padecemos escolhe plantar sonhos de aço, de alto luxo e com isolamento de borracha e air bag sêxtuplo. E acha que o suor, o fedor e a podridão são uma fronteira “natural” entre humanos e quase-humanos.

E muitos jovens que se acham awesome (antigo style) acreditam que conviver com o suor, o fedor e a miséria é um tipo de safári pelo qual o espírito aventureiro precisa passar para chegar à idade adulta. Mas, a voz do cinismo diz a eles, de forma sorrateira: conviva com os quase-humanos, mas não esqueça que melhor do que um abraço apertado é um abraço “protegido” pela devida distância que os signos de status oferecem.

E assim, os jovens cínicos fazem da Europa seu ideal, mas quando chegam lá encontram uma Europa destroçada pela Casa Grande que transportam em suas mentes engenhosas e lançam, como tipo assim um míssil, sobre o Velho Mundo.

Os jovens cínicos conhecem o mundo inteiro, mas o mundo inteiro se resume à Casa Grande d’algum Engenho que se esqueceu de morrer nos braços de Áurea.

E como um jovem cínico não iria achar o Papa Francisco um mentiroso ou lobbysta se, para ele, um abraço não passa de um tratado de Tordesilhas?

Certamente talvez, os gestos – os do Papa e os nossos - são feridos pelo lobby, pois, se o gesto fosse feito exclusivamente de impulso e espontaneidade, seria tragado por um mar de ondas indecisas entre o amor e a fúria. Uma dose do que se chama de lobby é necessária para que sobrevivamos como seres inseridos em grupos sociais, com seus repertórios e convenções.

Porém, estar sujeito a convenções e repertórios não significa render-se ao cinismo, que é a crença ingênua de que o impulso e a espontaneidade não existem ou são trabalhosas demais e não valem a fadiga de experimentá-las.

O jeito caloroso do Papa Francisco, sua atenção às chamadas minorias, têm, acredito eu, uma parcela grande de empenho para que a Igreja Católica não perca fiéis. Mas, este desejo não invalida a espontaneidade do gesto.

Convivemos com uma época em que os gestos e os afetos são como café. Coando a artificialidade, podemos beber da espontaneidade e o contrário também ocorre.

Decantando a artificialidade de carinhos, alegrias, raivas e friezas (pois, muitas vezes, os “maus” sentimentos são disfarces para quem quer parecer forte e acha que a doçura desmoraliza o combatente), encontra-se a espontaneidade.

Além disso, ninguém é obrigado a ser espontâneo e gentil o tempo todo. Falta a nós abraçar com grande calor e afeto uma pessoa e nos permitirmos ficar, logo a seguir, entediados e cabisbaixos, sem que isso signifique que o afeto do gesto anterior é falsidade ou que deixou de existir.

Não perceber a co-presença de artificidade e espontaneidade, nos gestos, é que nos impele a optar pelo cinismo, pelo estar nem aí.

O Papa Francisco tem procurado formas mais suaves de administrar a presença compartilhada do espontâneo e do artificial nos gestos. Não teria sido esta também uma meta de Jesus Cristo ao promover um diálogo entre a Lei (artificial e estabelecida)– e o amor (espontâneo e liberto)? E qual laboratório melhor para testar e criticar os limites entre artificial e espontâneo do que o coração dos jovens, por mais tentador que seja o cinismo que os têm rondado? O mesmo cinismo que converteu os desiludidos hippies em yuppies.

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