Foto: Alessandra Tarantino / AP |
Cinismo e crise são grandezas inversamente proporcionais
Não há como estar em crise e ser cínico ao mesmo tempo
Falo do cinismo, sem referência direta a Diógenes
Para quem ser cínico era desvestir os signos do peso que a
força gravitacional cultural lhes impõe
Falo do cinismo em seu senso comum
Receita do cinismo
Ingrediente:
Indiferença a gosto
Medo a desgosto
Preguiça a contragosto
Deboche a setembro
As palavras do Papa Francisco feriram, em alguma medida, muitas almas onde a ferida
do cinismo tem dificuldade de cicatrizar (incluo a mim nesta avaliação, pois
não sou imune a deboche, preguiça, medo e indiferença...)
A Jornada da Juventude poderia ter sido chamada de Jornada
de questionamento do cinismo, pois talvez seja um dos grandes dilemas da
geração Y: Ser ou não ser cínico?
Em muitos momentos, a juventude da qual padecemos escolhe
plantar sonhos de aço, de alto luxo e com isolamento de borracha e air bag
sêxtuplo. E acha que o suor, o fedor e a podridão são uma fronteira “natural” entre
humanos e quase-humanos.
E muitos jovens que se acham awesome (antigo style)
acreditam que conviver com o suor, o fedor e a miséria é um tipo de safári pelo
qual o espírito aventureiro precisa passar para chegar à idade adulta. Mas, a
voz do cinismo diz a eles, de forma sorrateira: conviva com os quase-humanos,
mas não esqueça que melhor do que um abraço apertado é um abraço “protegido”
pela devida distância que os signos de status oferecem.
E assim, os jovens cínicos fazem da Europa seu ideal, mas quando
chegam lá encontram uma Europa destroçada pela Casa Grande que transportam em
suas mentes engenhosas e lançam, como tipo assim um míssil, sobre o Velho
Mundo.
Os jovens cínicos conhecem o mundo inteiro, mas o mundo
inteiro se resume à Casa Grande d’algum Engenho que se esqueceu de morrer nos
braços de Áurea.
E como um jovem cínico não iria achar o Papa Francisco um
mentiroso ou lobbysta se, para ele, um abraço não passa de um tratado de Tordesilhas?
Certamente talvez, os gestos – os do Papa e os nossos - são
feridos pelo lobby, pois, se o gesto fosse feito exclusivamente de impulso e
espontaneidade, seria tragado por um mar de ondas indecisas entre o amor e a
fúria. Uma dose do que se chama de lobby é necessária para que sobrevivamos
como seres inseridos em grupos sociais, com seus repertórios e convenções.
Porém, estar sujeito a convenções e repertórios não significa
render-se ao cinismo, que é a crença ingênua de que o impulso e a espontaneidade
não existem ou são trabalhosas demais e não valem a fadiga de experimentá-las.
O jeito caloroso do Papa Francisco, sua atenção às chamadas
minorias, têm, acredito eu, uma parcela grande de empenho para que a Igreja
Católica não perca fiéis. Mas, este desejo não invalida a espontaneidade do
gesto.
Convivemos com uma época em que os gestos e os afetos são como
café. Coando a artificialidade, podemos beber da espontaneidade e o contrário
também ocorre.
Decantando a artificialidade de carinhos, alegrias, raivas e
friezas (pois, muitas vezes, os “maus” sentimentos são disfarces para quem quer
parecer forte e acha que a doçura desmoraliza o combatente), encontra-se a
espontaneidade.
Além disso, ninguém é obrigado a ser espontâneo e gentil o
tempo todo. Falta a nós abraçar com grande calor e afeto uma pessoa e nos
permitirmos ficar, logo a seguir, entediados e cabisbaixos, sem que isso
signifique que o afeto do gesto anterior é falsidade ou que deixou de existir.
Não perceber a co-presença de artificidade e
espontaneidade, nos gestos, é que nos impele a optar pelo cinismo, pelo estar
nem aí.
O Papa Francisco tem procurado formas mais suaves de
administrar a presença compartilhada do espontâneo e do artificial nos gestos.
Não teria sido esta também uma meta de Jesus Cristo ao promover um diálogo
entre a Lei (artificial e estabelecida)– e o amor (espontâneo e liberto)? E qual
laboratório melhor para testar e criticar os limites entre artificial e
espontâneo do que o coração dos jovens, por mais tentador que seja o cinismo que os têm
rondado? O mesmo cinismo que converteu os desiludidos hippies em yuppies.
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