29 de abril de 2012

Dane-se Narciso, a madrasta da Branca de Neve ouvia Radiohead ou Roupa Nova




Um dos motes da poesia de Radiohead é a ideia de que o convívio é um fardo e que o amor e seus et ceteras são tentativas de manter as pessoas presas umas as outras e imersas no asfixiante aquário da vida em sociedade. Não seria estranho pensar que a madrasta de Branca de Neve - conforme é retratada no filme Espelho, Espelho Meu, dirigido por Tarsem Singh - tenha mergulhado nesta vertente da obra da banda Radiohead. Outra hipótese é que a Rainha Má tenha se apropriado, com requintes de crueldade, da proposta poética da canção Coração Pirata, da banda Roupa Nova.

Independentemente do gosto musical da Rainha Má, a chance dada a ela de dar sua versão da história, contrariando a história oficial dos contos-de-fada, é a maior graça de Espelho, Espelho meu, estrelado por Julia Roberts e Lily Collins.

Para a Rainha Má (Julia Roberts), o convívio é um fardo e o amor é só mais um dos tratamentos estéticos necessários para manter em dia o viço de sua pele. O esforço de se adaptar a regras de convívio é só uma etapa dolorosa, um fingimento necessário até se obter poder o suficiente para transformar os convivas em servos.

Esta personagem não encara a vida solitária - o ensimesmamento -  como algo traumático, ou torturante,  ou como sequela de traumas do inconsciente. É uma opção, da qual a madrasta só abre mão quando percebe que para manter seus luxos e salvar o reino da bancarrota terá de se casar com o dote de alguém bem abastado. Isto – e uma atração física violenta – a levará a se aproximar do príncipe encantado, uma figura que, com um toque de American Pie, destoa da entediante e apática versão do clássico de Walt Disney.

Interessante é perceber que a Rainha Má, diferentemente da versão de Walt Disney, não é uma encarnação apática do mal, mas sim uma hábil política. Ela segue as dicas de Maquiavel e funda suas alianças não no amor, mas na sedução (traduzida em feitiços) e no medo. Tudo para conseguir o que tantos seres humanos sempre almejaram (almejam): fazer do mundo um closet que caiba na suíte presidencial de seu ego com vista para o próprio espelho.

Como se sabe, o espelho, na história de Branca de Neve, é uma versão do mito de Narciso. Versão que abre mão da autoconfiança e a substitui pela inveja e pela auto-depreciação. Porém, a Rainha Má, ao se deixar levar por seu ego refletido no espelho, caminha para o mesmo fim trágico de Narciso: afogar-se na imagem que faz de si mesmo.

Em Espelho, Espeho Meu, a voz do espelho é a própria personagem da Rainha Má. Mas, este alterego é esvaziado das paixões, caprichos, ódios, invejas... É carregado de uma neutralidade perturbadora, confirmando a vocação política da personagem e nos permitindo refletir sobre como a paixão narcísica quando levada às últimas consequências é um tipo de suicídio, que, por sua vez, é menos uma atração irresistível por si mesmo e mais um medo incontrolável de se sentir atraído pelo Outro.

No filme, a Rainha Má reverte, em certa medida, o caráter trágico do mito narcísico. Ela mergulha e desmergulha do espelho sem sucumbir diante da atração por seu próprio ego. Como hábil política, ela acredita ser capaz de controlar sua própria imagem, tornando-a colaboradora servil do seu sonho de, ao fim, tornar-se imperatriz e serva de si mesma. É um delírio semelhante ao de Thomas de Quincey, no livro Confissões de um comedor de ópio, no qual o vício é encarado como forma de tornar viável a edificação de uma igreja em que o viciado é deus e devoto de si mesmo: a fusão entre alfa e ômega.

A análise de Espelho, Espelho Meu continua aqui.


Radiohead - I will


Coração Pirata - Roupa Nova

Justiça sádica e ironia marcam nova versão de Branca de Neve


Atriz Lily Collins interpretando Branca de Neve em Espelho, Espelho Meu



Branca de Neve é uma das maiores surpresas do filme Espelho, Espelho meu (Mirror, Mirror), dirigido por Tarsem Singh e estrelado por Julia Roberts e Lily Collins.

Ela começa o filme passando a impressão de ser um mero contraponto para a interpretação instigante de Julia Roberts, no papel da Rainha Má. Porém, com o desenrolar da trama, percebe-se o talento da atriz Lily Collins. O que ela faz no início do filme é se equilibrar no centro de uma encruzilhada de linhas tênues entre a Branca de Neve clássica (doçura apática), uma doçura-pastelão emprestada do personagem Carlitos (de Chaplin) e um ataque irônico ao modelo clássico de heroína gestado por Walt Disney. 

É possível perceber estas diferentes motivações no rosto de Lily Collins, que transmite doçura no contorno geral das expressões faciais, mas reserva para o olhar um tom autocrítico de deboche e gracejo. No decorrer da história, a personagem busca subverter o modelo clássico e, em certa medida, consegue. Porém, não se deva esperar que Branca de Neve vire, de uma hora para outra, a protagonista de Orgulho e Preconceito.

Espelho, Espelho Meu é uma história dirigida aos dois novos formatos de público infantil. Um é o público que já nasce pré-adolescente. Outro, o público que, depois de cruzar o cabo de Balzac, resolve rebobinar o púbis até sua fase imberbe.

Porém, neste segundo caso, não se trata de um capricho infantilóide de adultos frustrados. É antes um acerto de contas com os excessos das histórias infantis de Walt Disney, que silenciaram o direito de expressão da irresponsabilidade juvenil em prol de uma aura de encantamento cujo código secreto era um manual de conduta e auto-castração moralizante.

De alguma forma, as novas histórias infantis retomam, na vibe do humour noir, certa dose do sadismo presente nas versões medievais dos fairy tales. Um exemplo é o final da madrasta de Branca de Neve, na versão dada pelos irmãos Grimm. Como castigo, a velha bruxa foi obrigada a calçar um par de botas de ferro em brasa e a dançar até a morte. O final de Espelho, Espelho Meu também guarda algo desse ideário de justiça sádica.

A análise do perfil da Rainha Má, em Mirror, Mirror, foi feita aqui.

24 de abril de 2012

A Estranha Dama e o primeiro beijo sacrílego da TV







A Estranha Dama foi uma novela argentina produzida em 1989 e que acabou conseguindo maior sucesso em outros países a exemplo do Brasil – tendo sido exibida no SBT – e da Itália, onde ganhou o maior prêmio da televisão italiana, o Telegatto.

É uma novela que, apesar das limitações do gênero folhetinesco, como o maniqueísmo, a síndrome do final feliz e a heroica assepsia dos protagonistas, ousa em muitos aspectos. Relata a história de Gina Falconi, uma freira que, no passado, antes de assumir os votos, viu-se forçada a deixar sua filha recém-nascida, batizada com o nome de Fiamma, aos cuidados do pai, chamado Marcelo Ricardo, um homem que preferiu se casar com outra mulher, movido por interesses financeiros e pelo status.

Anos depois, quando Gina já é madre superiora, ela reencontra a filha, que foi obrigada pelo pai a ingressar no convento por não querer abrir mão do homem que amava, o qual, aos olhos do pai de Fiamma e antigo e único amor de Gina, deveria se casar com a irmã de Fiamma, para que fossem unidas as fortunas das duas famílias e o status fosse preservado, visto que Fiamma, para todos os efeitos, era filha “ilegítima”, pelo fato de ter sido adotada. Vale lembrar que o cenário de A Estranha Dama é o início do século XX.

Para tentar salvar a filha da obrigação de se tornar freira, Gina resolve encontrar-se com o homem que amou no passado e que a havia desprezado. Ela tentará enternecê-lo, fazendo-o se apaixonar. Para isso, a freira aproveita o horário da noite, veste-se com roupas de uma refinada dama, maquila-se e sai às escondidas para festas promovidas por membros da elite e frequentadas por Marcelo Ricardo. O objetivo é que, depois que Marcelo permitisse o amor de Fiamma e Aldo (o enamorado de Fiamma), Gina simplesmente desapareceria. De início, Marcelo não a reconhece e todos se perguntam quem seria aquela dama de hábitos estranhos.

Em tempos cuja polêmica gira em torno da liberação do beijo gay na TV brasileira, esquece-se que a novela A Estranha Dama, muito antes, já causou polêmica ao exibir o primeiro beijo entre uma freira (na verdade, uma noviça) e um rapaz. Foi talvez o primeiro beijo “sacrílego” em uma novela. Acontece quando Fiamma está nas vias de prestar os votos para se tornar freira. Nesse momento, seu amado Aldo aparece...

Veja a cena, a seguir:


22 de abril de 2012

Emil Cioran e o ataque terrorista do amor incondicional


Fonte da imagem: site Os Vigaristas



É difícil me contrapor ao pensamento de Emil Cioran. À medida que o leio, sinto como se minhas palavras e meus silêncios tivessem sido abortados antes mesmo da fecundação. Fernando Pessoa redime o ridículo, concedendo-lhe indulgência em forma de amor. Já Cioran não é piedoso com o ridículo, os excessos, os gemidos e a epilepsia do espírito. Contudo, mesmo sendo avesso a tudo que religião respira, ele não consegue fugir da função de inquisidor, condenando à “morte” todos os que não comungam de sua crença na impossibilidade da comunhão.

Tentativas de fugir da solidão existencial se tornam, no discurso dele, uma forma de as pessoas se forçarem umas as outras a compartilharem a opressão que as sufoca. Nesta perspectiva, o consenso se torna a vitória do vírus devastador da verdade, que ergueria seu trono perante uma multidão sem fim de mortos-vivos para os quais o privilégio da dúvida deixa de ser possível.

Edificantes são as palavras de Cioran quando expõem a tirania e a miséria que habitam dissimuladamente o coração de valores como a fé e a verdade. Ele consegue detectar como pode ser tomado pela lepra o lirismo presente em sentimentos que costumamos interpretar como o bem absoluto. Se bem que fica até difícil fazer um elogio a este filósofo, visto que considerar suas palavras edificantes significaria, sob o olhar dele, transformar estas palavras em monumentos ao terror e ao estupro do direito de duvidar.

Além disso, será sempre difícil ser sincero com Cioran porque ele considerará um inimigo todo aquele que falar perto dele sobre sinceridade, ideal ou futuro.

A verdade, os ideais, a fé. Esta tríade, para Cioran, roubou do ser humano o direito de se deixar profanar pela dúvida, pela preguiça e de se guiar pela lanterna da indiferença e do cinismo, passando adiante a tocha carregada pelo filósofo Diógenes.

Mas, Cioran leva tão a ferro e fogo estes sentimentos, como se neles se escondesse, pelos séculos dos séculos, uma conspiração para dominar o mundo. Ele encara os sentimentos que aspiram à transcendência como atentados violentíssimos ao despudor ou como colonizadores que querem fazer caber a pulso o latifúndio da eternidade no microcosmo da subjetividade.

Para ele, os mártires são fascistas em potencial que, por obra e graça do destino, terminam com seus pescoços cortados antes de despontarem para o estrelato. Mas, os mártires não foram, muitas vezes, pessoas que escolheram acreditar que a liberdade de expressão do indivíduo era mais importante que manter a cabeça no lugar às custas do respeito à violência institucionalizada que força cultura, convenção e espírito a serem partes integrantes de um amálgama?

Diante das ideias desconcertantes (talvez esse elogio agradasse minimamente Cioran) deste pensador, resta terminar o texto não com argumentos, mas com perguntas.

Só é possível fazer parte da existência dos outros como terrorista que, nas escoras da pressão e do totalitarismo, funda os alicerces de sua influência?

A eterna dúvida não seria também um tipo de êxtase fanático que nos assalta? O que torna tão certa a ideia de que o êxtase e o delírio são privilégios da busca pela verdade e que a dúvida é abrigo da liberdade e da ponderação?

Valores incondicionais seriam sempre imposturas de seres corruptos incapazes de enxergar a própria cegueira e dispostos a alastrar a tirania da verdade como um tipo de versão nostálgica da peste negra?

A incondicionalidade, além do sentido que Cioran lhe atribui, não poderia ser encarada como um “estar de passagem”? Explico-me. O amor incondicional, por exemplo, aquele que ama sem exigir nada em troca. Impossível, de fato. Afinal, tudo exigiria algo em troca... Esta é a lógica implícita ao pensamento de Cioran: é impossível caminhar nas terras do outro sem deste outro exigir algo em troca, sem cobrar pedágio. Porém, penso eu – e talvez esteja minimamente certo – se não fossem os gestos de amor incondicional, por mais diluídos e inevidentes que sejam, até mesmo os semáforos seriam inúteis. Aliás, todos os sinais seriam inúteis.

A lei e o terror não teriam força, por si sós, de fazer os sinais operarem corretamente. Em parte, os sinais são obedecidos (em parte são coação). Mas, em uma parte consideravelmente maior, são amor incondicional. É isso que torna possível a pessoas, independentemente de se conhecerem, optarem por se render ou não aos sinais.

Não atravessar o sinal vermelho pode ser cumprir uma obrigação, mas também é uma forma de amar incondicional e anonimamente alguém do outro lado do cruzamento, alguém que, muito talvez, não veremos mais. Da mesma forma, o amor incondicional pode ser entendido menos como ausência de condições e mais como o questionamento das condições.

Nesse sentido, é simples compreender o gesto de fazer o bem sem esperar algo em troca. Não esperar algo em troca significa menos um altruísmo ingênuo e desinteressado do que uma forma de expressar a indiferença aos condicionamentos vigentes ou, quem sabe, um modo de guardar memórias do tipo “além de mim mesmo” para no futuro ser capaz de, na senda de Epicuro, desintoxicar-se do "si mesmo" quando o “si mesmo” for uma grande dor (coisa que acontece com certa frequência para quem leva minimamente a sério os espelhos espalhados nos labirintos da existência).

A seguir, um trecho do instigante e controverso pensamento de Emil Cioran. Veja o texto na íntegra no blog Um Ano Existencialóide. Aproveito para, mais uma vez, agradecer a Raphael Tenório que, com suas reflexões tem estimulado reflexões do blog Acedia.

"Basta que eu escute alguém falar sinceramente de ideal, futuro, de filosofia, escutá-lo dizer “nós” com uma inflexão de segurança, convocar os “outros” e sentir-se seu intérprete, para que o considere meu inimigo. Vejo nele um tirano falido, quase um verdugo, tão odioso como os tiranos e verdugos de grande classe. É que toda fé exerce uma forma de terror, tanto mais temível quando os “puros” são os seus agentes." - Emil Cioran

Reportagens de carne e osso


Fonte: Blog Substantivu Commune


Tem feito sentido a determinação do Supremo de pôr fim à obrigatoriedade do diploma jornalístico. Boa parte de bem dizer todas as pessoas têm se auto-medicado com o que chamaria de jornalismo do futuro, no qual as notícias não são impressas em papel nem na virtualidade do ciberespaço. A plataforma de impressão das notícias passa a ser o próprio ser humano. 

Neste novo tipo de jornalismo, as pessoas fazem umas das outras manchetes. E, como boas manchetes (?), declaram o outro culpado até que a verdade se canse de provar o contrário. Onde há mistério, a manchete estampa terror. Onde há contradição, a manchete estampa perversão. Onde há manchete, mesmo não havendo palavras, estampa-se o crime.

Transformadas em manchetes, as pessoas se tornam absurdo condensado, pronto para ser degustado pelo medo, pela preguiça, pela crueldade, pelo delírio, pela tirania ou pelo fanatismo: uma das seis motivações que dão razão de ser ao esforço humano de fazer resumos.

Quando as pessoas têm um pouco mais de boa-vontade, em vez de fazer das outras manchetes, transformam-nas em leads, o texto inicial que abre a maior parte de todas as reportagens. O lead pode ser descrito como a tentativa de transformar em informação automaticamente digerível algumas das mais difíceis perguntas já inventadas: quem, como, quando, onde e por quê?

Diferentemente do jornalismo tradicional, o jornalismo que faz das pessoas reportagens ambulantes, dispensa a entrevista ou, no máximo, contenta-se em pintar um retrato pleno do outro com base em algumas míseras perguntas. Como se fosse possível pintar o mais perfeito quadro depois de observar, por meio das brechas da vontade de julgar, o modelo posar tão somente meia vez.

Esse tipo de jornalismo confia mais na assessoria de imprensa realizada pela empresa disse-me-disse, cujos membros se formam na faculdade da desconfiança e da raiva, tendo sido diplomados antes mesmo de passar no vestibular.

Assim como o jornalismo tradicional, o jornalismo do qual estamos falando protege suas fontes. Protege tanto que tenta fazer da fofoca uma ilustre senhora vestida ora de “justiça implacável”, ora de “verdade austera”.

A obrigação jornalística de narrar os fatos, com base em depoimentos dos dois lados envolvidos na questão noticiada, também é seguida à risca. O mais importante para os que buscam fazer dos outros reportagens de carne e osso é forjar um encontro entre os pontos de vista opostos; criar consensos como Frankenstein cria amigos.

20 de abril de 2012

Algumas maneiras de inexistir


Vetor - contagem regressiva, cronômetro. By CanStockPhoto 


Poema de Carville Jame
Espanha -  1980


A alegria foi dar uma volta e volta já
Haja mundo para dar a volta nessa tristeza
E volta para dar mundo ao se permitir
Quero te dar de presente o que tanto desejas
Não uma flor, mas a minha inexistência
Não a inexistência banal da morte,
Que só aos tolos engana ao fingir que instalou o vazio,
Que só aos tolos engana ao fingir que é igual a nada,
Que só aos tolos engana

Ao menos dessa vez, vou deixar meu orgulho de costas
E me dar a ordem de pedir que me digas como devo inexistir

Do sem fundo do meu coração,
Não há e nem desejaria que houvesse como deixares de existir para mim
Mesmo que todos os pedidos desistissem de si mesmos
E todas as promessas voltassem atrás e se traíssem
E todos os selos jogassem no porão do ancien regimé a validade de seu lacre

Posso tentar inexistir como uma carta que se perdeu do destinatário
E só encontra seu remetente numa esquina incerta do ciberespaço, num link eterno link
Ou inexistirei como um aperto de mão de duas pessoas que nunca se foram apresentadas
Ou como o finalmente ‘ufa, enfim!’ da contagem regressiva
Para o nunca mais e para o nunca menos

Porém, como se sabe, toda contagem dissimula o infinito que há
Entre antecedente e consequente
Então, terás de me perdoar se do meu esforço para inexistir
Escapar pelas brechas da cronometragem
Algum infinito enxerido que desminta este presente que te quero dar


You learn - Alanis Morissette

18 de abril de 2012

O texto mais óbvio de quase todos os tempos: quando Lucy ensaiou ser beijada por Snoopy


Snoopy and Lucy - By Charles Schulz



*Instruções para leitura
1.Copie e cole o texto no Word.
2. Selecione o texto e converta para outro tipo de fonte com caracteres do alfabeto latino. 
      3. Leia o texto do link ao final da postagem. 


Non è ovvio?
Não é de uma clareza que beira a desonestidade?
Tu não estás sendo manipulado agora?
Ou tua resposta não seria o direito dado a mim de me deixar manipular?
Is it obscure?
É como inspirar um código secreto
E expirar palavras-chave



La fleur est San Andreas et, peut-être, seulmant croit en ce qui est visible
Não quero mais falar com os olhos nem ver com as palavras
Je ne vais plus parler avec les yeux ni voir avec les mots



Ganhei a hora errada de pegar o trem
E tive de sentar frente a frente com a esperança,
Que, antes do início do mundo,
Intimou meus abraços,
Os beijos e isso em que estás pensando também:
Quais as tuas segundas, terceiras, quartas intenções?
Senti como se toda intenção só conseguisse sair de mim
Como quem marcha para ser ré
Percebi que a pena de morte não é tanto tirar a vida,
Mas sim apagar o mistério que perfuma o ser
Sem cheiro de mistério, o toque se torna intragável,
Olhar para se torna irrespirável
O sabor se transtorna
O ouvir germina emudecido




17ue Deus n~1o tire 56 mim 15 d15m de inv5ntar nos 15utros o mistéri15.



Na terceira linha, revelo um crime em preto-e-branco
Na segunda, confesso a mais grave absolvição
Na primeira linha, digo quem amo
Na primeira entrelinha, denuncio uma ressurreição.

Link no final da postagem

Quando meu amigo cantou para me ajudar a patinar no gelo

Charlie Brown and Snoopy - By Charles Schulz


Um menino que era apaixonado pelo próprio cobertor. Outro menino que em vez de doces ganhava pedras nas festas de Halloween. Uma menina ranzinza que é apaixonada por um menino que toca piano e que não está nem aí pra ela por ser apaixonado por Beethoven. Essa mesma menina vive medindo forças com um cachorrinho e sempre é derrotada por um beijo dele. Outra menina que gosta de brincadeiras "de menino", mas surpreende a todos, mostrando ser uma exímia bailarina durante um concurso de patinação artística.

Ao menos uma destas descrições acima deve permitir ao leitor acionar em suas lembranças a turma do Charlie Brown, o dono do cachorro Snoopy. Criadas por Charles Schulz, as histórias de Charlie Brown, ou Peanuts (Mindoim), falam sobre a difícil arte de optar entre estigmatizar e acolher com base na idealização que se faz das pessoas. Nesse sentido, são histórias sobre como a amizade floresce de maneira surpreendente nos terrenos mais inesperados. Não uma amizade fundada em idealizações tolas, mas no dom e prazer de temporariamente se cegar e, no outro, aprender a enxergar o mundo com outros olhos.

De maneira cifrada, o desenho aborda temas profundos como a solidão, a indiferença e questões de gênero. Mas, não confere a isto o peso de uma batalha ideológica ou de um tratado moralista. Demasiado humanos, os personagens transitam entre a inocência e a crueldade. Contudo, sem recaírem na idealização. Em Charlie Brown, o ser humano não é uma causa perdida, nem também a crença ingênua no progresso indefinido. Encarar estes personagens significa  pensar sobre como coabitam em nós a doçura e o amargor, sem que nenhum destes seja fator decisivo. Talvez, por isso, o desenho apesar de contundente não perde a suavidade.

De alguma maneira, o desenho do Snoopy fala sobre o mundo da moda. Fala sobre o interminável desfile de novas tendências em máscaras do politicamente correto e sobre como as pessoas fazem de seu idealismo uma licença para exercer informalmente o papel de juízes. Exigem o ideal, tirando do outro (e de si mesmas) o direito de frustrar qualquer expectativa. E, em vez de fazer da frustração uma oportunidade de reorganizar horizontes, preferem optar pela estigmatização. Tentam magoar indefinidamente a ferida alheia e, assim, inutilmente curar a ferida aberta de suas próprias ambições.

A seguir um dos mais emocionantes episódios da série quando Patty Pimentinha, a menina com vibe de garoto, revela-se uma bailarina. Ela é salva por seu amigo, o passarinho Woodstock, de ser desclassificada num concurso de patinação no gelo. Não deixe de ler o texto que deu origem a esta postagem aqui.


14 de abril de 2012

Hitler pintou um quadro de Nossa Senhora

Mutter Maria, pintura a óleo de Adolf Hitler em 1913



Na disciplina Estudos Comparados, da pós em Literatura na Universidade Federal de Pernambuco, estamos debatendo o conteúdo de livros que historicamente adquirem a aura de raridade por motivos diversos, dentre os quais o fato de o livro ser considerado uma espécie de armadilha para Pandora, isto é, de ser encarado pela sociedade como algo maldito .

Entre os livros que estamos estudando, está Minha Luta, escrito por Hitler. Inspirada nos debates da disciplina, esta postagem não tem por objetivo tecer juízos de valor em torno da figura de Hitler. O objetivo é expor uma curiosa contradição (dentre muitas) na vida do idealizador do terceiro Reich. Contradição expressa por meio de uma das atividades mais caras ao ditador nazista: a pintura.

Hitler era antissemita, mas, em 1913, isto é, aos 24 anos, fez uma pintura da Virgem Maria, que, como se sabe, era judia. Neste período, ele já havia se tornado adepto do antissemitismo, conforme afirma em Minha Luta.

Uma hipótese é a de que o imaginário da Virgem Maria possa ter sido utilizado como vestimenta para a saudade que ele tinha de sua mãe. Em Minha Luta, Hitler afirma: “Eu respeitava meu pai, mas por minha mãe tinha verdadeiro amor”. 

A seguir, um poema feito por Hitler para Klara, sua mãe:


CONSIDERA ISTO !

Quando a tua mãe for ficando mais velha,
quando os seus lindos queridos fieis olhos
não estiverem a ver mais vida como outrora faziam,
quando os seus pés, forem ficando cansados,
não mais querendo carregá-la enquanto caminha,
então empresta-lhe o teu braço como suporte,
escolta-a com feliz prazer,
a hora virá quando, em lágrimas, tu
terás de acompanhá-la no seu passeio final.
E se ela te perguntar algo,
então dá-lhe uma resposta.
E se ela te perguntar outra vez, então fala!
E se ela te voltar a perguntar, responde-lhe,
não impacientemente, mas com gentil calma.
E se ela não te conseguir entender devidamente,
explica-lhe, tudo com felicidade.
A hora virá, a hora amarga.
Quando a sua boca nada mais perguntar. "

Adolf Hitler
Maio,1923



12 de abril de 2012

Primeiro esboço de uma receita para se desapaixonar

Praça da Igreja da Consolação - Venezuela
Por raguilera2010



Acostuma-te a abraçar a distância e o não-me-toques de quem amas
Porque se só sabes abraçar o carinho e a receptividade, qual a tua recompensa?
Rouba 70 vezes 12 hectogramas de da mais bela palavra que couber na indizibilidade
E dá de presente ao silêncio de quem amaste-e-amas
Divida a solidão pelo tédio
E descubra que o resto desta conta é a vontade de estar pra sempre com quem amas
Quando este quem te virar as costas, lembra-te de quão maravilhoso é saber
Que o rosto mais lindo permanece ali no verso da página da indiferença
Aproveita que ele te virou as costas e atenta para a nuca
Acredita, a nuca tem um sabor lindo para paladares refinados,
Que sabem experimentar os detalhes sórdidos

Dá carta de alforria ao tempo e ao espaço
Também é lindo experimentar quem amas degustando despreocupadamente
Sua solidão e seu não estar nem aí nem aqui nem lá nem au delà
Acrescenta verde-esperança e gris-enigma brotados do joelho distraído de Deus
Solta um pássaro, pois a receita só estará no ponto quando este ponto for a busca da liberdade

Abre o pote-sentimento de quem amaste-amas-e-amarás
E pega doçura escondida na chatice,
Cafuné escondido na amargura,
Cheiro-verde escondido no chulé
Sal de algum sorriso
Consolo de alguma lágrima
E uma pérola guardada no abraço-concha
Mistura tudo com a colher da boa-vontade
Usa do gesto de se dar as mãos
Usa-o a gosto, setembro, outubro, enfim
Sem fim, aleluia!

Pronto, depois de fazer tudo isso, estarás desapaixonado!
Lava-te ao forno e espera até que a despaixão se doure d’amour
Sirva-se quente e gelado
Pois, o amor em si mesmo
Traz uma pitada de falta de lógica
Come e é comido
Essa receita rende e rende-se.



Love, thy will be done - Martika


8 de abril de 2012

O amor escondido de Martinho Lutero por Nossa Senhora

Photography by Boza Ivanovic



Martinho Lutero cantava diariamente o Magnificat, poema-cântico no qual a Virgem Maria celebra o fato de ter sido a escolhida para gerar o filho de Deus, em cumprimento à promessa feita por Ele e reiterada ao longo das gerações desde o tempo de Abraão.

Na obra Maria, o caminho da Mãe do Senhor, escrita em 1960, a também protestante M. Basilea Schlink, demonstra que este foi apenas um dos gestos que demonstram a afeição nutrida pelo idealizador da Reforma Protestante com relação a Nossa Senhora.

Atualmente, o senso comum entre as religiões protestantes é o de que não deve haver intermediadores entre Deus e o ser humano. Mas no texto Comentário do Magnificat, Lutero parece contrariar esta ideia: “Peçamos a Deus que nos faça compreender bem as palavras do Magnificat… Oxalá Cristo nos conceda esta graça por intercessão de sua Santa Mãe! Amém.”.

Lutero também reconhecia as festas em homenagem a Nossa Senhora e identifica Isabel, sua prima, como a primeira pessoa a ter uma atitude de louvor com relação a Maria quando, ao ser visitada, perguntou-se como seria digna de receber em sua casa a mãe do Salvador.

No artigo IX da Apologia da Confissão de fé de Augsburg – um dos documentos principais da Reforma - Martinho Lutero dirá: “Maria é digna de suprema honra na maior medida”. Já, nos Deutsche Schriften , afirmará: “Não há honra, nem beatitude, que se aproxime sequer, por sua elevação, da incomparável prerrogativa, superior a todas as outras, de ser a única pessoa humana que teve um Filho em comum com o Pai Celeste”.

A “história de amor” entre Lutero e Nossa Senhora comprova a teoria de Walter Benjamin segundo a qual não se pode apagar algo da história, mas, no máximo, ocultar. Além disso, o que está oculto conspira para ser redimido e vir à tona em algum futuro que consiga escapar à pressão das verdades institucionalizadas.

Maria foi excluída da lista de amigos de Martinho Lutero. Contudo, se a linha do tempo dele for investigada com atenção e respeito, vai-se verificar que descaminhos históricos - ungidos por interesses institucionais, medo e desconhecimento – ocultaram, mas não apagaram o amor que Lutero sentia e expressou no Comentário do Magnificat:

“Quem são todas as mulheres, servos, senhores, príncipes, reis, monarcas da Terra comparados com a Virgem Maria que, nascida de descendência real (descendente do rei Davi) é, além disso, Mãe de Deus, a mulher mais sublime da Terra? Ela é, na cristandade inteira, o mais nobre tesouro depois de Cristo, a quem nunca poderemos exaltar bastante (nunca poderemos exaltar o suficiente), a mais nobre imperatriz e rainha, exaltada e bendita acima de toda a nobreza, com sabedoria e santidade”.

Agradeço, nessa postagem, pelo auxílio do blog Repórter de Cristo.

Amor escondido - Fagner 

Maria, vogliamo amarti - Gen

5 de abril de 2012

O dia em que a flor virou ré de morte

Anti-Guerra do Vietnã” – Jan Rose Kasmir confronta a Guarda Nacional fora do Pentágono durante em 1967
Fotografia de Marc Riboud





POLKA Galerie : Décrochage Marc Riboud "Liberté. Egalité. Féminité."




A hipocrisia eleva ao status de crime um gesto de amor
E transforma em vaso insigne de devoção a cordialidade falsa,
Desde que ela venha calçada pelo politicamente correto
E vestida em convenções esclerosadas tecidas em dinheiro vivo ou morto

Hipócritas, que ameaçam transformar em réu a “vítima” de um gesto de amor
E preferem dar descarga nas flores a desovar seus pensamentos vis e precipitados
Tragam a guilhotina para tirar fora o pescoço das flores
Tirem as flores do mundo, porque elas são armas perigosíssimas, de grosso calibre
Deixem as dores no mundo e deem a elas indulto porque elas são normais...
... Anormais mesmo sempre foram as flores

O protesto de Jan Rose Kasmir na versão em lego, feita pelo artista plástico britânico Mike Stimpson

Afinal, a flor não é capaz de respeitar ninguém
Ela causa imenso temor
Fechem as portas que as flores vêm aí!
Os dentes-de-leão vão devorar os vivos e os mortos
As rosas vão invadir os rios e escravizar as piranhas,
Incapazes de contrapor seus dentes aos espinhos

A flor aonde chega comete grave atentado ao pudor
Ela chega, obrigando os desavisados a se tornarem reféns da ternura
E diz: roupas ao alto, isso é um estupro!
Corram das flores, garotos
Pois o homem deixa de ser homem quando entra em contato imediato de terceiro grau
Com uma flor
A flor prostitui qualquer mulher que se preze
A flor é inclusive uma doença contagiosa,
Que contamina todos ao redor num raio de megatômetros
A menos que estes todos tenham tomado a vacina da hipocrisia
Porque é bem sabido que os hipócritas estão sempre imunes
Às flores e aos gestos de amor
E preferem ganhar de presente o vírus atenuado da normalidade morna

A flor também está sendo procurada, viva ou morta,
Por causar danos graves ao bem público: é que ela foi pega pichando de carinho
A parede caiada de um sepulcro
A flor foi até acusada de conspirar para o reerguimento do muro de Berlim:
Impedindo amigos, irmãos e amantes de se verem
Também, como seria possível suportar olhar para alguém que te entrega uma flor?
A flor é tão miserável de ruim que falsificou todas as versões do mito,
Mentindo que eram serpentes, e não flores, que brotavam da cabeça da medusa
Cheire uma flor e vire pedra!

Mas o maior crime, o mais inafiançável e hediondo, cometido pela flor
É deixar os hipócritas com vontade de tê-la ganhado,
De ter sido visitados por um gesto de amor cujo maior pecado
É não ter vergonha de seu remetente
E ter apreço sem preço por seu destinatário.


Françoise Hardy - Mon amie, la rose

Mon amie, la rose - Natacha Atlas

4 de abril de 2012

Quando o cartório errou ao registrar o nome do não-existir

Imagem do blog Twizy: The world is yours
Fragmento de um poema de Robert Burton
Tal qual o amor
Que de tanta tensão acumulada por seu não existir
Precipita-se,,, como um raio que cai de ponta a cabeça
E não existe
O amor não existe
Assim igual à respiração,
Que de tão presente, nunca está lá
E da qual ninguém se lembra
- Defina respiração, por favor!
- É a corrida inútil da angústia em busca do alívio ou
A tentativa inútil de o alívio escapar à angústia
E quando saio de casa, quando me acordo,
Vou vendo que à minha frente se erguem tantos não-existires
E atrás de mim também
Luto por vitórias que não existem
Venço por lutas que não existem
Sonho por realidades que não existem
Lembro por passados que não mais existem
Lembro-me de futuros que não existirão,,,
Talvez

O chão nem existe, mas já é necessário caminhar
E se surpreender quando a não-existência
Começa a estremecer
A pedra que a tampa,,, chamada "tentativa inútil",,,
Começa a se mover sozinha e a ficar corada de vergonha, tingida de luz
E a mera e fútil existência fica com medo e corre
Ao assistir à esperança pôr o pé pra fora
E desmentir o cartório que registrou o não-existir pelo nome “nada”
O não-existir não pode ser um nada
Assim igual aos órgãos mais vitais
Que ignoram nosso esquecimento, desdém e vontades
E nos presenteiam com os cinco sentidos
O não-existir é a esperança tímida
Mas, quando se despe da vergonha de estar nua
Essa esperança revela-se um sentido além de qualquer sentido
Além não por estar longe,
Mas por estar dentro de mim
Como o Coração que bate dentro do meu coração
Mesmo depois que este pára de bater
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