29 de dezembro de 2013

O réveillon de Maquiavel no país da conveniência

É preciso ser firme até mesmo para desmoronar,
Pois não vai ser nenhum Eu te amo que convencerá a gravidade
A te desabismar ou te descair

Se o abraço que espero dependesse do convencimento,
O calor humano em vez de um troféu ganharia um trofel
E os italianos em vez de dizer sensibile passariam a dizer sensibílis
Esta noite, vou dormir quase acreditando que a conveniência é mais forte do que a fé
E que meu segredo nunca deveria ser contado
Pois, exposto, ele rouba o lugar que me estava reservado
Ao lado dos que me amam (quando convém)
O segredo peca ao querer o lugar de Judas à mesa da Ceia
Ou, sei lá, quem sabe, a vaga deixada por algum Imortal da Academia
Imortal que, diga-se de passagem, morreu.

Tenho chegado atrasado aos encontros marcados com as horas
Mas, a oração do tempo segue com seu açoite
São torturas diversas, de nomes estranhos
Uma delas, de primeira qualidade, chama-se segundo
E passeia sobre meu lombo – os dentes arquivados nos metatarsos –
Infiltram-se na pele como Marias-Farinhas - devorando pontualmente
Poro por Poro
Ao sabor das conveniências

Que te deixam à margem obcecando o rio caudaloso do sonhesperança
Por ele passam as valsas que querias ter dançado
Os beijos que seriam capzes de quebrar o feitiço que transformou teus lábios
Em um zíper fechado a tristeza
Os abraços que não precisam de abono 
Para sentir tua falta
Ah, Maquiavel,
És também navegador?
Responde por que as ondas vão e vêm
Mas a indiferença não sai do lugar
Com suas pernas de cais
Escala-me os silêncios
Até chegar ao lugar mais alto do pódio: o topo do fundo do abismo

Mas essa tristeza é só por algumas horas, prometo!
Até Maquiavel se despedir
E, cessado o apelo da conveniência que o trouxe chez moi,
Consiga eu acalentar o nojo que meu segredo revelado
Importou, do toque e do olhar dos que me desbuscam,
Para o país da minha inquieta paz



Coluna de Allan Sales - o menestrel do Cariri




21 de dezembro de 2013

Reginaldo Baudelaire Rossi e o doce buquê do "Foda-se"




Tomara que a lembrança de Reginaldo Rossi ajude uma parcela do mundo a sair do estado de coma. E que a inocente falta de vergonha desse pernambucano faça com que as prisões perpétuas de Uganda se tornem jardins de sempre-vivas.

Reginaldo Rossi chama atenção para algo comum no atual estado de coisas, que é o medo de sentir vergonha. E a coisa se agrava porque temos vergonha de sentir medo. E desse jeito, a coragem segue acanhada e tacanha. O brega, reino que foi outorgado a Rossi, é um oásis em meio ao deserto da vergonha de sentir medo de sentir vergonha de sentir vergonha de sentir medo de sentir medo.

Por isso, Reginaldo Rossi, no fim da década de 90, foi uma explosão entre os adolescentes. Foi por tirar o peso que é atribuído, por força de tabus decrépitos, a questões bestas como levar um par de “gaia”. Reginaldo Rossi suavizou, mesmo sem se dar conta, e, sem tomar partido, o rigor tanto de machismos quanto de feminismos e não teve vergonha contribuir para arrancar dos corações a cobrança ancestral de passar a vida na beira do tanque do moralismo, tentando, em vão, lavar a honra, como se a honra ou qualquer outro valor fosse impecável.

A busca contemporânea pela asseptização dos sentimentos, expressa nas fórmulas do “politicamente correto” ganhou, da voz de Reginaldo Rossi, um buquê de doces e delicados “Foda-se”. O sentimento, para o rei do brega, não precisa ser impecável e esterilizado, para nos fazer entrar no Céu.

De alguma maneira, as canções de Rossi servem como música de fundo para a poesia de Baudelaire, em especial aquela do anjo que, ao cair do Céu e perceber que sua auréola ficou toda amassada e melada de lama, olhou pro lado, jogou fora a referida auréola e decidiu aproveitar o resto do dia na pele de um ser humano, com seus amores-imperfeitos, pecáveis, porém amores.

14 de dezembro de 2013

Para que ninguém passe pelo mundo sem mãe ou Olhos de Guadalupe

Foto: E. Vásquez


A Nossa Senhora de Guadalupe

Maria, tu foste criada para que nenhum filho passasse pelo mundo sem o direito de ter uma mãe
Nunca te vi pessoalmente, mas pela tele-visão tu és linda
Ornada com o calor da Galileia, com a poesia do Espírito,
As espadas das profecias te feriram
Mas, teu sim fez o silêncio vencer a dor, a má-vontade e a opressão
E depois de ver teu peito em chamas,
A humanidade entendeu que o coração de uma mulher não foi feito para ser pisoteado por serpente alguma

Teus passos têm pressa pelo deserto, mas nem sempre consegues chegar na hora exata
Porque tu és Senhora, mas, todo dia dizes de novo Sim para o livre arbítrio humano
E, meio que de longe, desde o tempo de Jesus, tu enxergas teus filhos tendo as vísceras arrancadas e o pênis decepado
Levando tiros na cabeça e outros no ânus
Filhos que são arrastados pelo chão asfáltico dos desertos, dos abismos, dos abandonos
E que o ódio, tantas vezes, quer obrigar a comer a própria dignidade até morrer engasgados

Tu não estás só, Maria, pois sempre vai haver um anjo pra te olhar enquanto dormes
E muitos seres humanos querem te abraçar, mesmo depois de saber
Que passas as 70x7 horas do dia abraçando pessoas das quais se tem por “hábito”  ter nojo de tocar com as mãos e até mesmo com o olhar
Se precisares desabafar, podes ligar pra mim, mesmo eu não gostando de atender celular

Tu falas com as crianças quando elas não têm com quem conversar
E, assim, elas aprendem a enxergar além do que é dito
Só tua doçura para abrandar os tiroteios dentro de nossas cabeças
Querida, todas as gerações de damas e cavalheiros gostariam de abrir a porta do carro pra ti
Ou te tirar para dançar
Sei que és tímida, mas graças a tua coragem, até hoje brota ressurreição das cruzes
                                      
O grande amor que parte de ti unge as horas certas e as horas erradas
E no sorriso de Deus moram centelhas dos teus Bom Dia e Boa Noite

Obrigado por abrires passagem para minha ida a Lourdes,
Mãe do direito de sermos humanos e de existirmos humanos
Em todas as Américas, Europas, Áfricas, Oceanias, Antárticas, Ásias e Atlântidas dos Mundos

Com carinho e admiração,


Cláudio Clécio Vidal Eufrausino

Motivações comuns a Marcel Proust e à apresentadora Angélica: Um limão e Meio Limão


Fonte: Sortimentos.com


Sei que, ao escrever esta postagem, corro o risco de as pessoas dizerem que, depois de ter sofrido um acidente de carro, regredi mentalmente. Mas, não se trata disso. Na verdade, o que me levou a escrever foi um sentimento comparável ao que o escritor Proust se refere ao escrever sobre a memória. Antes de mais nada, confesso que não li “Em busca do tempo perdido”, mas, de forma semelhante a Sílvio Santos, dou-me o direito de falar sobre o livro simplesmente baseado na autoridade do “ter ouvido falar”. O que seria de qualquer discussão série e profunda sem os “ter ouvido falar” para alinhavar nossas memórias?

Mas, voltando a Proust, pensei nele e sobre sua reflexão a respeito de como o passado é revivido a partir de memórias aparentemente triviais, como o gosto de um bolinho. Terminei de viajar ao passado, durante uma conversa com a amiga Renata Marques. Ela perguntou simplesmente se eu iria a uma confraternização organizada por outra amiga nossa. A questão trouxe a resposta à minha mente vestida de piada. Foi quando recordei, involuntariamente, de uma música de Angélica, chamada “Eu digo sim, sim, sim, mamãe diz que não”.

Depois, acabei lembrando de outras canções da esposa de Luciano Huck e das  “profundas” letras destas canções. Eis um exemplo:
Eu sei que ele é um tipo
Com ele vou sonhar
Lá vem mamãe dizendo
Que eu tenho que estudar

Só tiro nota dez
É pura ilusão
Não posso entregar
O meu coração

E me pergunto de onde vem a conexão lógica entre “tirar nota dez” e “não poder entregar o coração”.
E segue-se a lista de outras joias raras cantadas pela moça da pintinha na perna:

“Toque toque toque (Bis) Toque violão
Cante, cante, cante (Bis) Cante uma canção”

Bem como:

“Chocolate é gostoso de comer
Chocalate é gostoso de beber
Chocolate eô
Chocolate eô”

E, pra mim, a melhor:

“Um limão e meio limão
Dois limões e meio limão
Três limões e meio limão
Quatro limões e meio limão...”


Mas, como é sabido por quem bem o sabe, nem Angélica nem ninguém é obrigado a viver o tempo inteiro perseguido pelo compromisso de ser profundo ou inteligente. Um pouco de leseira é remédio ótimo para reoxigenarmos o cérebro nosso e o de outrem.


12 de dezembro de 2013

Futur'amor



Fonte: Open4downloads.com




Futur'amor 
Por Cláudio Eufrausino


Meu futuro amor
Eu já o vejo, mais presente que o agora embrulhado pelo papel da evidência
Ele é embaixador no país da minha fé
Com ele sou o que nunca pôde supor meu espelho
O que meus diários não foram capazes de esconder
O que de mim meu epitáfio tentou ser memória, mas falhou.

Ainda não pude achar onde o futuro se esconde
E, antes que eu contasse até  -1, ele já se havia perdido de mim

Mas, meu futuro amor me encontrará
E não terá vergonha do meu silêncio
Da minha tagarelice

Ao lado dele, poderei ter voz e ter silêncio
Sem que eles me sejam uma obrigação, um fardo, uma pena
Dentro dele, não terei vergonha do meu sonho
Nem do meu despertar

Meu futuro amor, ainda não vejo bem seu rosto por trás da névoa
Mas ele é lindo como me faz ver o sol do seu mistério.

8 de dezembro de 2013

Presente de Natal de Rita Lee, Nara Leão e Georges Moustaki para São José e Nossa Senhora

Rita Lee, vestida de Nossa Senhora, durante show em 1995


À amiga Hozana, que conheci em viagem à França e que me acompanhou em visita a Notre Dame e à Capela de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa


Ela é uma canção bastante conhecida, em sua forma instrumental no ritmo de samba, tocada em shoppings e outros estabelecimentos comerciais no período natalino. Não me refiro a Jingle Bells, mas sim a Meu Bom José. Gravada em 1970, foi o primeiro sucesso solo de Rita Lee.

A música é uma versão de Nara Leão para Mon Vieux Joseph, de autoria do egípcio, naturalizado francês, Georges Moustaki, cujo nome de batismo era Giuseppe Mustacchi. Ele faleceu este ano no mês dedicado pela Igreja a Maria, isto é, maio.

A balada fala sobre a paixão de José por Maria e como essa paixão o fez abrir mão de uma vida morna e pacata por outra na qual teve de enfrentar o exílio e presenciar o início do cumprimento da profecia de Simeão, segundo a qual Maria teria seu peito atravessado pela dor por conta das ideias de seu filho Jesus, que contrariavam a estreiteza das ideias vigentes.

Poucos anos depois, Rita Lee fez outra música chamada De Novo Aqui Meu Bom José, onde tenta fazer uma crítica social à condição de miséria à qual estavam sujeitos os “Zés” e as “Mariazinhas” trazidos para São Paulo pelo êxodo rural.

Sendo hoje dia de Nossa Senhora da Conceição, faço aqui também minha homenagem, lembrando da recente visita que fiz ao Santuário da Imaculada Conceição, em Lourdes (França). Perguntaram-me qual foi minha sensação ao chegar lá. Respondo que, primeiramente, tanto meu corpo quanto meu coração ficaram frios, como se minha vida tivesse medo de estar presente ali e assumir a emoção que aquele momento significava.

Afinal, uma sensação de desilusão vinha me perseguindo de perto nos últimos meses e eu ainda não tinha me dado conta de que realmente tinha sobrevivido a um grave acidente de carro, do qual alguns que me são próximos chegaram até mesmo a duvidar, visto que não sofri nenhuma mutilação nem fiquei em estado de coma.

Mas a presença da vida foi entrando em cena no meu coração bobo e lembrei de mim aos 9 anos de idade lendo diversas vezes um livro ilustrado que resumia a história da aparição de Nossa Senhora de Lourdes a Santa Bernadete, cujo corpo incorrupto tive também a chance de conhecer ao visitar a cidade de Nevers.

Quando essa criança chegou em mim e pediu a palavra, senti que muitas de minhas memórias estavam cicatrizando e que não só meu corpo tinha sobrevivido ao acidente.

Tive a chance de ficar sozinho na gruta de Lourdes e cantei para ela e depositei numa urna, aos olhos da Virgem, o nome de amigos queridos e de alguns que, contra a minha vontade, se fizeram meus desamigos.

Depois, enfrentei o desafio de descobrir como abrir as torneiras que vertem a água benta proveniente da fonte de Lourdes. As pessoas que ganharam desses vidrinhos de água benta podem se sentir muito amadas, porque quase perdi os dedos enchendo as garrafinhas e molhando as mãos naquele frio de rachar.

Lembro também de que foram chegando peregrinos de diferentes línguas. Fui fotografado por falantes de espanhol que, creio eu, eram sul-americanos. E me senti abraçado por Nossa Senhora quando estas pessoas sorriram pra mim, fazendo minha fé, por algum tempo, perder a vergonha de ser convidada para o baile de formatura.


Nossa Senhora dos homens e das mulheres 

Te vi, Maria, conversando com um ateu
E o coração dele era lindo, e ele batia o maior papo contigo
Achando que falava com seus próprios botões
Mas, ele nem percebia que o amor que trazia
Fazia seus botões desabrocharem em rosas
E tu as recebias de presente, Mãe
E retiravas das costas de Eva o peso de um mundo macho
E devolvias à natureza o direito de ser dos homens e das mulheres
E das mulheres e dos homens
E dos homens
E das mulheres
E da boa-vontade
Fonte: Downloads Wallpapers

Abençoa o meu amor, Maria
Assim como foi bendito o amor de José
Que não buscou aprovação do olhar alheio
Mas de teu olhar: ei-lo, o mesmo olhar que
Ajudou Cristo a segurar o fardo das fúrias dos homens e das mulheres
Dos homens e mulheres
Das mulheres
Dos homens
E da boa-vontade

Para ti, ó Mãe,
O vestido mais lindo, a lua mais desobrigada
O mar onde todas as correntes sejam, enfim, quebradas
Que todas as hospedarias sejam pra ti de incontáveis estrelas

Cuja respiração é o declínio da indiferença e o afogamento das guerras


Meu bom José - Rita Lee


Mon vieux Joseph - Georges Moustaki

7 de dezembro de 2013

Quem nunca roeu atire a primeira pedra: o filósofo Edmund Husserl roía ao som de Fábio Jr

Fonte: Revista Public First Class


Um dicionário me jurou de pés juntos que a expressão roedeira tinha origem no nome popular de uma epizootia (enfermidade contagiosa que ataca um número grande de animais ao mesmo tempo) do gado bovino, que determina a queda dos chifres. Roedeira é o mal-dos-chifres. Mas, ao ser incorporada, no repertório nordestino, com o significado de sofrer por amor, essa palavra não acompanhou seu sentido veterinário, pois não só aqueles que foram vítimas de uma traição conjugal (levaram chifre) têm direito a padecer de roedeira.

No universo web, já é possível encontrar teorias sobre a roedeira, dizendo, inclusive, quem deve roer, como e quando, além de ser prescrita medicação para a cura deste mal. Se bem que, de acordo com as teorias existentes, existe, assim como acontece com o colesterol, roedeira da boa e da ruim.

Minha parcela de contribuição para o avanço dos estudos científicos sobre a roedeira: roer é um momento de suspensão dos juízos ou certezas, algo comparável ao que o filósofo Edmund Husserl chama de epoché, termo que vem do grego e significa “colocar entre parênteses”.

Quem está roendo não está preocupado com dogmas, convenções e verdades institucionalizadas, a exemplo de noções de bom-gosto, etiqueta, bom-senso e razoabilidade. Mas, entenda-se que suspensão dos juízos não significa um mergulho no absurdo, mas sim um aval temporário para que o convencional e anti-convencional, o razoável e o desarrazoado, se misturem. Creio que a roedeira é ferida pelo sincretismo.

Porém, é EVIDENTE que a roedeira não abre caminho para a violência ou mesquinharia, visto que estes estão associados à premeditação. Já roer é algo ferido pelo laisse-fare/laisse passer, sem, contudo, dar à mínima para as leis de mercado. Daí, a pessoa que está roendo abrir mão de se preocupar com a complexidade e a proporção estéticas. Quem está roendo também não vai se preocupar se o cobertor que afaga suas dores é uma música de Fábio Jr ou de Chopin; ou se é um livro de Paulo Coelho ou de Machado de Assis.

A roedeira é um sarau onde os artistas se despem das convenções e se permitem vasculhar a região silenciosa onde seus sentimentos se tocam. Numa época em que a expressão cultural vem sendo encarada como um espécie de visto que permite ou não que ingressemos em terras estrangeiras – sejam estas terras países ou as próprias pessoas – a roedeira é um tipo de território neutro, algo como costumava ser a Suiça, quando a Europa estava em guerra.

No blog Qualquer Coisa de Triste, achei uma definição legal para o termo roedeira. Roedeira é o instante em que a suspeita sobre a capacidade de amar abre caminho para amar o amor. E, durante essa espécie de transe, uma doce anarquia coloca entre parênteses os poderes executivo, legislativo e judiciário.

3 de dezembro de 2013

Feliz Ano Novo antecipado


Foto: Thibault Camus/AP



Poema de Feliz Ano Novo Antecipado

Dezenas de sóis adolescentes contracenam com minhas cicatrizes
E como elas atuam mal!
Por mais que se esforcem, não conseguem disfarçar que são feridas ind’abertas
Na volta e na ida

A espera preferiu pegar no sono
E, assim, talvez, achar uma forma de não sentires vergonha de me carregar nos braços
Então, demiti a eternidade
Para que não tivesses medo de ficar comigo e te tornares algum tipo de refém,
Obrigado
Por nada

Tu me dóis quando não me dás espaço para te fazer feliz
Mas quando teus poros banhados de suor e abraço e despudor e gentileza
Invadem meu sonho,
Acampam no meu corpo astral,
E nele constroem uma onda de alegria que me percorre, como um rio, 
E sinto tua boca desaguando em cada trincheira
Erguida pelos arrepios impiedosos esculpidos
Desde a nuca, desarmando todos os nunca mais

E quero mais desses carinhos que tramam o por-de-sol da dor
E reduzem a cinzas toda falta de horizonte

Desejo que para o último dia deste ano,
Teu lábio aprenda no meu a não se perder na contagem regressiva
E teu silêncio entrelace-se ao meu e se torne uma chuva de fogos,
Que abrem mão de qualquer artifício
Para vestir de Ano Novo os sorrisos
E de mar límpido teu doce olhar
Pois, se estiveres comigo
Aposentarei a adolescência

E o sol poderá ser luz sem precisar esconder as marcas do tempo

1 de dezembro de 2013

Jogos Vorazes? Aprendendo a fingir com Katniss Everdeen, Daniela Mercury e com o Papa Francisco!



Cena do filme Hunger Games


A personagem principal da continuação de Jogos Vorazes (procurem, por favor, o nome dela no Google e me ajudem a evitar a fadiga) tem um de seus pés calçados por uma interrogação e o outro por uma exclamação.

Da jovem é cobrado um tipo de perfeição que sintetize aspirações coletivas por amor e guerra. Até aí, nada além da manjada fusão entre Coliseu romano, Big Brother e No Limite. Mas, os Jogos Vorazes acrescentam a sua lista de demandas a serem satisfeitas uma aspiração humana demasiado contemporânea, que é a aspiração por estar em dúvida sobre estar ou não diante do fingimento.

Tradicionalmente, o fingimento é listado como pecado, coisa vil, digna de tornar-se arabesco a enfeitar quaisquer dos círculos do Inferno de Dante.

Atualmente, não o fingimento, mas o desafio de definir a fronteira entre o fingimento e a verdade tem exercido fascínio na audiência. Não é de se estranhar, tendo em vista que tanto o fingimento quanto a verdade têm sido encarados como provas de resistência. Num contexto de relativização dos valores, a suspeita está na ordem do dia, e anseia por encontrar alívio, ao cair nos braços de algum herói (?) que tope a empreitada de empunhar a quixotesca (totalitarista?) espada da verdade absoluta ou o risco de escalar a montanha fluida dos relativismos.

Em todo caso, a plateia aguarda ansiosa pela decisão do gladiador/réu/cordeiro sacrificial : “Fingir ou não fingir? Eis a questão!”. Mas, a releitura deste dilema shakespeareano acaba se complexificando, pois, espremida entre as pressões sociais e as da subjetividade (?), a pergunta pode virar algo do tipo: “Fingir que finjo ou Não fingir que finjo?” ou, trazer como bônus natalino da Black Friday uma terceira opção: “Não fingir e fingir que finjo”.

Estes desdobramentos do dilema de Hamlet afligem a personagem principal de Jogos Vorazes. Para o seu amado Gale Hawthorne e para o público em geral, ela jura que o romance que vive com Peeta Mellark, no Reality Show do qual é escrava, é fingimento. Já para Mellark, ela finge que não é amor o que sente por ele. Para si mesma, a “garota em chamas” finge que finge que finge..., lembrando uma das mulheres que Chico Buarque finge ser numa de suas canções.

Dessa forma, a principal armadilha que ameaça a personagem principal da película é a encruzilhada de fingires na qual as circunstâncias a lançam, obrigando-a a fingir que são fingimento até mesmo suas mais caras verdades.

A personagem principal de Jogos Vorazes, vítima da nefasta combinação entre tecnologia, guerra e entretenimento midiático, acaba encontrando no fingir (em diferentes medidas e combinações com a verdade) uma estratégia de sobrevivência. Algo que ocorre com os contemporâneos escravos da fama ou, em outras palavras, as celebridades.

Pensemos no caso Daniela Mercury, que teve a revelação de sua homossexualidade acusada de estratégia para alavancar sua carreira. Supondo-se que esta acusação corresponda à verdade (?), ela se veria pressionada a fingir que seu gesto foi movido puramente por amor. Isso diante do imaginário católico-medieval de que o interesse financeiro é inversamente proporcional ao amor, o que não é de todo verdade, pois não raro grandes empreendimentos, envolvendo interesses econômicos, sustentam-se amparados pelo afeto de relações entre familiares e relações entre amigos.

Pergunto-me se para não ver sua luta política (em combate à homofobia) e íntima (para viver uma relação amorosa não convencional), a cantora não precisou fingir que o mundo dos negócios era uma parcela ausente da questão. Nesta perspectiva, ela não teria mentido, mas fingido, levando-se em consideração que os interesses pecuniários (que, nós comum e erroneamente tratamos como sinônimo de “interesses em geral”) são fato incontornável de nossas trajetórias de vida, mais ainda quando se é uma “celebridade”.

Problemática semelhante envolve as atitudes do Papa Francisco, cujas ações têm sido consideradas, por parte da crítica, um tipo de “marketing franciscano”, estratégia para promover uma Igreja Católica ameaçada de declínio.

O “ser como São Francisco” do Papa Francisco contém fingimento, pois, sem fingir, nenhum ideal resiste ao se olhar no espelho e se ver cercado pelas três "belas" e terríficas sereias: guerra, mídia e técnica.

Como observa o teórico, Harold Bloom, Ulisses era um herói e, como tal, idealista, mas seu idealismo era ferido pela astúcia e, não raro, por um quê de trapaça. Ulisses enganou as sereias, fingindo que o canto delas não lhe podia alcançar, fingiu também que seu nome era “Ninguém” para não ser destruído por Polifemo.

De alguma forma os idealistas, para escaparem da fúria do olhar unidimensional dos valores consagrados pelo status quo, precisam fingir, para ter chance de atuar, mudando minimamente as coisas. Assim, o Papa Francisco, provavelmente, terá de fingir que seu ideal franciscano tem mais força do que nunca, mesmo sabendo que este ideal não conseguirá (ou não quererá ou não poderá, sob o risco de colocar em xeque a sobrevivência do Papa) que o dinheiro dos cofres do Vaticano seja, como esperam os críticos do bispo de Roma, integralmente distribuído aos pobres (o que não seria garantia nenhuma de que a exploração do ser humano deixaria de existir).

O subtexto de Jogos Vorazes mostra que aquilo chamado pela crítica, em tom pejorativo, de fingimento ou marketing, mesmo estando, no mais das vezes,  ligado à hipocrisia, também reflete um esforço do idealismo para desenhar um roteiro de sobrevivência, uma maneira de encontrar espaço para atuar eficazmente em meio ao mar de descrença que tenta se instalar no momento atual e à ameaça de fantasmas do passado como os totalitarismos.

26 de novembro de 2013

Poema do sol nascido de óculos escuros

Foto by Karla Vidal



Poema do sol nascido em óculos escuros


Quando minha caricatura achou graça no meu rosto sem face,
Entendi que eram de amor desacreditado, mas ardente
Aquelas marcas indeletáveis de expressão

E, como era possível – perguntava-me –
Teu carinho ser, ao mesmo tempo, trilho e estação inatingível,
Desenhados no meu olhar à deriva
Olhar que preferia te rever a reencontrar a terra firme

Tentei querer te desejar o mal, mas uma franqueza acobertada pela ternura
Sugava do mais eu que havia em mim
O teu futuro mais lindo
E te ver sorrindo, elegante, com planos, e com aquele olhar esperançoso
(Que faria nascer o sol em quaisquer óculos escuros)
Me trazia de volta o rosto com face e sorriso

E o resto virá por acréscimo

24 de novembro de 2013

O drama do menino Mateus e o pedido de Nossa Senhora para que a fonte de água benta de Lourdes secasse

Gruta de Nossa Senhora de Lourdes
Foto de Cláudio Eufrausino


A criança, recém-nascida – refém - fez uma prece. Ela não pôde ficar de joelhos, pois a Trombofilia já havia lhe gangrenado parte de uma das pernas. Sem direito a Amém, o pequeno partiu. Nos jornais, acadêmicos desfiavam um rosário de ensandecidos clichês, tipo: “Foi uma perda lastimável. Este bebê poderia ter se tornado um futuro Beethoven”. E, ao ler esta porcaria, pensei comigo como tem se tornado raro o direito de continuarmos vivos para sermos simplesmente nós mesmos, ao som das luzes e das tempestades e dos silêncios: sem precisarmos pedir licença à 9ª Sinfonia para assobiarmos o desejo de “só querer que o dia termine bem”.

A Trombofilia foi a primeira a subir ao banco dos réus. Foi-lhe negado o direito a ampla defesa e contraditório previsto constitucionalmente para todo cidadão: “A culpa não é minha, é do Estado”, afirmou Trombofilia em meio a um estado de exceção, que finge ser democracia ovacionado pelos gritos das torcidas dos times que galgaram a 1ª divisão.

Kafka, único defensor público disponível, bem que tentou sair em defesa da Trombofilia. Mas, nem todo o seu alemão-tcheco-latim-grego, era capaz de atenuar o “fato” de que a doença trazia em suas costas o peso de antecedentes criminais de toda a história da humanidade. Lança-se, comumente, sobre a doença, a culpa, para que o Estado seja absolvido de sua negligência, imperícia e imprudência.

E, caso não fosse suficiente a condenação da Trombofilia, era necessário achar outro bode expiatório: que suba ao banco dos réus o Trâmite Bancário!

O Estado jurou, de pés juntos (ele pôde fazer isso, ao contrário da criança, cuja doença-descaso gangrenou-lhe a perna), que a falta de todo o remédio do qual o mundo carecia era do atraso do Trâmite Bancário responsável pela chegada do dinheiro ao bolso de gelo das empresas farmoquímicas multinacionais.

Trouxe, eu, de minha recente viagem à Europa, água benta colhida na gruta de Nossa Senhora de Lourdes (França) e, agora, percebo que o que mais a Virgem Maria deseja é que as fontes de água benta sequem. Ela quer que os corações percebam que, nas veias da água benta, circula um rio ao contrário: rio das lágrimas dos que têm sido vítimas da doença (?), dos trâmites bancários (?), das multinacionais (?), do Estado.

“Meu coração anseia que a humanidade pare de tentar fazer que a água benta e os milagres sejam prêmio de consolação para a vitória do descaso com relação aos desamparados”, disse Maria Santíssima quando foi acusada pelo Estado de ser cúmplice na morte da criança vítima de Trombofilia. O advogado de acusação culpou a mãe de Deus por interromper o fornecimento de água benta e de milagres, pois, segundo ele, podem faltar remédios, mas não há crime maior do que suspender a remessa de água benta e milagres.

“Maria está certa. Não era a água benta que estava em falta. Era a omissão que estava a entupir o caminho por onde a bênção deságua”, explicou a água, outra cidadã convidada, pela Injustiça, a sentar-se no banco dos réus.

19 de novembro de 2013

Perdido na Europa - Parte 1

Mont Blanc: Porque o amor existe.
 Foto by: Cláudio Eufrausino e Paulo Ricardo Almeida (autor da foto que está dentro da foto)


Minha bagagem, a cada esquina de Roma, reclamava por ter de carregar o peso do meu corpo e o mundo reclamava incessantemente por ter de sustentar o peso da leveza do meu ser (meu?).  E, como é difícil permanecer vívido o tempo todo em meio aos tantos vivos que assombram os fantasmas do Velho Continente! Mas, as sombras e os fantasmas ficam amarrados aos pés da cruz quando se adentra as portas do Moulin Rouge.

Foi a primeira vez que usei a tal da “segunda pele” (a de tecido). Ela custou 35 reais, aproximadamente. Ao decolar, estava decidido que minha segunda pele (minha?) conseguiria abrir mão do calor humano. Afinal, haviam sido tantos desapontamentos nos meses anteriores, que decidi fazer aquela viagem só na companhia de mim mesmo.

Mas, quem promete a si mesmo viajar ao continente europeu só, mente, pois, jurar bastar-se a si mesmo é, de saída, perjúrio e a Europa, além de aguardar ansiosa pelos Euros dos países emergentes, anseia por jogar fora o apelido de Xenófoba e pavimentar suas cicatrizes com as feridas e as radiâncias do Novo Mundo.

Sim, mas vamos a algumas questões de ordem prática:

É muito gostoso se perder na Europa, embora deva minhas desculpas (as sinceras e as mentirosas) ao grupo com o qual viajei e no qual me tornei popular por fazer a excursão chegar e partir atrasada dos lugares. Consegui me perder até em Genebra, um dos locais mais bem sinalizados da Via Láctea, de acordo com relatórios da Nestlè.

Mas, perder-se em boa companhia é a melhor lembrança que se pode ter de uma viagem. E pude me perder em companhia de pessoas incríveis, que fizeram meus 30, 31, 32 anos não serem motivo de vergonha para os 33 anos recém completados (?).

Colhi Moulin Rouge, plantado aos pés do Sacre Couer, e comi do fruto até a abóbora virar carruagem (para emoções fortes, nada melhor que uma metáfora cafona e desavergonhada).

Depois de me embebedar com meia garrafa inteira de champagne {depois de me mijar de rir com um palhaço que era o melhor malabarista já avistado pelas janelas indiscretas desta alma que vos escreve}[depois de ver uma piscina cheia de serpentes brotar do chão, trazendo uma brava mulher que lutava para se livrar do veneno de cristais Swaroviski](depois de ter levado gritos de um garçom e estar tão feliz a ponto de ninar um “Foda-se” a bordo de um sorriso alforriado), uni-me a um coral de dezenas de brasileiros para cantar Parabéns Pra Você para um amigo que convidou o mundo inteiro para festejar com ele no Moinho e, no dia seguinte, chorar com ele a bênção do Até Logo: árvore que nasce para se tornar semente e desmentir o adeus.

E fiquei pensando na idiotice de certas convenções quando o amigo Ronaldo chorou a despedida e me mostrou que ser homem vai muito além de gritar aos ventos uivantes que se gosta dos “peitchones” das dançarinas do Moulin Rouge.

Como escapei de um grave acidente e estava na Europa, permito-me dizer, sem medo, que meus amigos de viagem eram lindos: do nome aos pés.  Com uns, perdi-me em Pisa, com outros em Montmartre, com outros ainda em Pompeia e em Genebra. Mas, sempre estava a postos a amiga Hosana, que intercede por nós para que a viagem não nos deixe para trás. Ela, sem se dar conta, acrescentou mais graça à Capela da Medalha Milagrosa.

Paulo e Élida fizeram as fotografias se tornarem um lugar aconchegante pra mim, não só as fotografias como as refeições, o metrô, o bateau-mouche, as ruas. Perto deles, fica afastada aquela sensação, que me é peculiar, de não ter sido convidado para a festa ou de que minha voz é como um telefonema composto de sílabas caquéticas e indesejadas.

Mauren e Geraldo, a família vinda da Paraíba, a mãe e a filha vindas do Rio Grande do Norte, amigos do México, do Panamá, do Equador, amigos que compartilharam comigo segredos sem que fosse preciso dizer que se tratavam de segredos. E assim, as paisagens podiam descansar da turbulenta viagem a bordo de nossos olhares inconstantes.

Convido a todos, incluindo o nosso guia durante a visita a Pompeia e a Nápoles, para fazer um minuto de silêncio em memória da sereia que se matou porque Odisseu não quis ficar com ela


(...)

Com estes amigos, o projeto inicial de ser um andarilho solitário pelas brumas europeias tornou-se um plano distante: Hosana nas Alturas, por isso!

Jô não teve a chance de conhecer a Basílica de São Pedro, mas a basílica está nela, assim como em Elaine. Não vou esquecer o quanto foi gratificante fugir da chuva de Nápoles ao lado desta dupla dinâmica e do professor de História, Jandier. Isso após termos comido um macarrão que, de tão duro, merecia ser chamado de “Ai dente” em vez de “Al dente” (Isso sem mencionar a fatídica sobremesa, conhecida, entre os napolitanos, como baba e que consistia em pão molhado na garapa, conhecida, entre os químicos, como H2O com Sacarose Múltipla).

E, partindo da Itália, o bater de nossos corações, rumo ao Mont Blanc, funcionava como o cinzel de Miguel Anjo, esculpindo nossas almas não em mármore, mas em mar (de neve).

Clayton e Renata tornaram irresistível  a mim abrir mão de viajar sozinho. Clayton é um pouquinho muito chato e teimoso (chatice bilíngue, diga-se de passagem), mas a boa-vontade/fraternidade  são os picos mais imponentes na cordilheira de seus sentimentos. Já Renata: é como se seu bom-humor e simpatia dedilhassem as cordas do invisível, tocando um hino ao Espírito. Mas, me deixa enxugar a baba antes que a memória daquela terrível sobremesa de Nápoles volte ao meu paladar (mas, depois das últimas tempestades, dou-me o direito de desatar os nós da cachoeira e ser elogio derramado: felicidade).

Paulo Ricardo (que não é o cantor, mas é músico) fez da Europa um atalho e aterrissou para me ajudar a deportar a desilusão e fazer de cada clique da máquina fotográfica uma moeda e de cada paisagem uma filial da Fontana de Trevi: #Toquemomeucoraçãofaçamarevolução. Dos anjos, chegue a ele a admiração, do mundo, o carinho. De mim: os três (a saudade, em anexo).

Ajude-me, Senhor -  Tu que inventaste a inspiração capaz de ultrapassar as Franças, as Itálias e todo o entendimento -  a homenagear os vivos e a dignidade do coração humano, da qual as obras-primas são, somente, molduras.

Da esquerda para a direita: os casais Élida e Paulo; Ronaldo e Hosana





6 de novembro de 2013

Por que o STJ proibiu Simone de cantar Então é Natal?

Fonte:  Tô Passada.com.br


Uma amiga me apontou um site que fala sobre uma peculiar campanha de Natal recém lançada: a Campanha Natal Sem Simone, sintetizada em alguns comentários de internautas, como:

“Se eu ouvir mais um ano a Simone dizendo que é Natal, eu juro que me jogo da Ponte Rio-Niterói”

“Tem que ter um saco do tamanho  do saco do Papai Noel pra aguentar essa Mulher berrando que é Natal”

Mesmo sem ter muita certeza se o texto lido é ou não verdadeiro, resolvi dar a ele um voto de confiança e refletir sobre o assunto, tomando como ponto de partida a observação feita por outro internauta: “Natal sem Simone, não é Natal. Quem vai fiscalizar? O Papai Noel?”.

Nada contra Michel Teló, nem contra a fugidinha e seus derivados. A exemplo de Tom Zé, acho mesmo que a música Ai se eu te pego é uma das maiores sacadas da humanidade junto ao princípio de Arquimedes.
 
O propósito dessa postagem é criticar o aberrante “espírito crítico” de certa parcela dos brasileiros. Não compreendo como num país amante do fenômeno da música chiclete, pessoas conspiram para proibir que a canção “Então é Natal” - versão do clássico de John Lenon, interpretada pela cantora Simone – seja tocada nos shoppings centers.

Um dos passatempos prediletos de milhares de brasileiros tem sido o de ajudar músicas a se tornar virais na Internet. E não esqueçamos do histórico de nossa nação em gerar ondas (e, mais recentemente, tsunamis): a onda Lambada, a onda Axé, a onda Sertanejo, a onda Funk, a onda Universitária (com suas sub-ondas Forró e Sertanejo).

A sensibilidade auditiva, em nossas paragens, parece ser regada a conveniência e cinismo. Como ouvidos que celebram o Créu, em diferentes rotações, acham insuportável a ladainha “Então é Natal”?

Coerência zero, n’est pas? Isso tendo em vista que grande parte dos “novos” hits do “momento” são releituras de canções do passado. Qual seria o destino do cancioneiro popular se o STJ proibisse que fossem feitas releituras de canções?  É possível obrigar versos como “Fecho os olhos pra não ver passar o tempo” ou “Nada do que foi será de novo” ou “Não quero lhe falar meu grande amor” a ficarem em silêncio?  Sintam-se à vontade para falar sobre o assunto os servidores do STJ e também Papai Noel.

Certamente talvez, não é intenção desse texto, dizer o que deve ou não ser ouvido, pois, assim como os surrealistas, acredito que a audição e o paladar ainda são os sentidos que conseguem melhor driblar as censuras e ditames dos padrões culturais.

A questão é tentar, minimamente, entender a lógica da relação que o Brasil tem estabelecido entre liberdade e censura. Vende-se a ideia de que se está exercendo a liberdade ao se levar uma determinada forma de expressão cultural à exaustão ou à extinção. E, assim, busca-se experimentar a singular e intransferível sensação de ser livre por meio da repetição, ad infinitum, ou da tentativa de fazer com que determinada expressão cultural seja para sempre silenciada ou mesmo aniquilada.

Parece que Simone caiu na armadilha do paradoxo que insiste em assombrar a história brasileira: uma história onde, num mesmo encontro de corpos, revezam-se o abraço acolhedor e a intolerância ditatorial. E me pergunto em qual dessas vertentes deságua o abraço que nos reserva o STJ.



29 de outubro de 2013

Escapando de uma capotagem para descobrir que Angelina Jolie é a estrela predileta do cineasta e filósofo Sêneca

Cena do filme Life or Something Like It


A minha irmã Karla Gisele e minha mãe Marluce


Acho que o carro só capotou uma vez. É difícil contabilizar capotagens quando fazemos parte delas, assim como é difícil dizer com clareza em que orbital está um elétron.

Graças a Deus, dessa vez não precisei ser herói: ser reduzido a cinzas para renascer delas como uma Fênix que, antes de voar, precisou passar doze horas usando um colar cervical, sob observação médica ( de minha mãe, visto que, para um médico de plantão num hospital público, observar é, a um só tempo, verbo defectivo, irregular e anômalo).

Não precisei ser herói para que a primeira pessoa me oferecesse água quando saí daquele carro capotado que, por ironia do destinacaso, chamava-se Logan, mas diferentemente de Wolverine, não conseguiu se regenerar.

Antes de capotar, cantava (eu; não Wolverine) a música “O que é o amor?”, composta por Dorival Caymmi e interpretada por Selma Reis. E pensei: será que o capotamento foi uma resposta da Providência àquela canção-questionamento?

Durante a capotagem, não houve tempo de ver um filme da minha vida passar diante de mim. O que aconteceu foi ter ouvido um imenso pot-pourri, do qual tantas das músicas haviam sido tocadas pra mim por minha tia Dicise, a primeira a trazer o piano para minha intimidade. 

E, no cortejo das canções que cortejaram aquele capotamento, Debussy andava de mãos dadas com Chitãozinho e Xororó, Léo Jayme, Wando, Belle & Sebastian, Kiss, Fred Mercury, Wanderly, Led Zeppelin, Sinead O'Connor, Rita Lee, Luiz Gonzaga, Cold Play e todos os injustiçados que as citações costumam deixar pelo caminho, porque a citação que se preza sempre pede licença para, num mais tarde qualquer, reparar as injustiças que comete.

Depois de sobreviver, uma de minhas primeiras tarefas foi descobrir que pot-pourri significava “vaso podre” e que, em sua origem, é uma mistura de ervas, perfumes ou especiarias: versão primeva do Bom Ar. Como Salvador Dalí e eu desconfiávamos, existe mais em comum entre o sentido da audição e o do olfato do que sonha nossa vã sinestesia... Talvez, por isso, a expressão pot-pourri tenha sido apropriada para descrever a montagem de partes de músicas (arrisco-me a dizer que o pot pourri é o elo perdido entre música e cinema!).

Perdão, Senhor, pois pouco antes e pouco depois de minha quase-morte, em vez de querer salvar o mundo ou me tornar um milionário dono de barras de ouro (que valem mais do que dinheiro), quis fuçar o Google atrás de cultura inútil. Mais, Ça va!

Já a caminho do hospital, depois de haver constatado que a bondade humana ainda é capaz de chegar até nós, vinda de onde menos esperamos, um filme não me saía da cabeça: Life or Something Like It. Estrelado por Angelina Jolie, o filme, que em Português ganhou o título de Uma Vida em Sete Dias,  conta a história de uma repórter que, após encontrar um vidente que prevê que ela morrerá em sete dias (Óbvio?), entra em parafuso e começa a desafiar as convenções sociais.

A película reproduz a ideia: felicidade = ser livre = mande as convenções tomarem no cu (depois do acidente, é praticamente irresistível tomar uma coca-cola e dizer um vai tomar no cu). Esta  mensagem nos remete a Sêneca que, em algum tempo distante, antes de Cristo, disse mais ou menos assim: “Viva cada dia intensamente, pois cada dia pode trazer em si a vida inteira”.

Recebi essa mensagem de uma amiga, no dia do meu aniversário. Isso sem nem me passar pela cabeça que sofreria um acidente de carro, às vésperas do aniversário de minha irmã.


Depois da capotagem, meio que percebemos, Heisenberg e eu, que...

Mentira, ainda não deu tempo de perceber nada, pois, Brecht e eu estamos cuidando da papelada do seguro do carro.


E a música mais longa do pot-pourri que rolou na cena de capotamento de “Embalos de segunda à tarde” - estrelado por este que vos escreve ( tendo em vista que John Travolta não topou ser meu dublê de corpo) - era feita de braços entrelaçados: era o abraço do homem que talvez me ame (e a quem certamente amo): talvez, porque, ele é outro discípulo de Heisenberg.




26 de outubro de 2013

Amor feito à bordo

Fonte da imagem: Sina



Pelos ares
Por mim


Beijaria teu corpo
Inteiro: do céu à Terra
E o ar prender o fôlego
Teria que
Meus dedos acariciariam
Todas as eternidades que
Dardeja tua pele:
Sim, minha mão é um alvo móvel
Que te busca
Mas, fui acertado antes
Da aljava desabraçar a
Flecha:
Acertaste em cheio meu
Vazio e
Os ares aceitaram perder a guerra e se
Tornaram vaso onde teus pés se plantam
Para que meu vôo possa escalar-te
Até o cume e, lá,
De tempos em tempos,
Reservarás 24h para que o infinito tire férias
No laço que teus humores e tua falta de humor
Vão colher no meu corpo

12 de outubro de 2013

A rosa-cobertor que desabrochou andaluz


 
Foto de Gilmar Carneiro


Rosa-cobertor
Por Clécio Vidal

O importante é que as rosas cheguem
Um pouco hostis mesmo que sejam
Porém orantes, consagradas a tua vida

E escorram lenta e docemente,
Pelas vértebras de tua cegueira,
Vinho Novo que destrona a treva e desabrocha andaluz
Nossa Senhora aparece e acena
Da porta que espera aberta pra ti

E todo milagre se torna de Novo primeiro
E, embriagado, o caminho
De quem se deixou amar
Bate asas e sai derramando
Pétalas
Até a lágrima
Entalada
Desaguar num oceano Novo, pelos séculos dos milênios

Importa que teu DNA se encha de
Alegria e que uma rosa
Nele se instale, abraçando apertado
A desoxirribose

Pois, se rendo homenagens aos vivos
As friezas e tibiezas se rendem
A um amanhã todo esperança
E quando rendo homenagens aos vivos
As rosas se descobrem cobertores rendados
E acolhem nossos corpos
Abraçados, admirados
Diante do reflexo do coração de Deus,
Reflexo que se chama Maria
E não tem vergonha de arderamar

9 de outubro de 2013

A revanche de Perséfone e o futuro da mídia diante da crise econômica da fofoca



Lazarsfeld, considerado um dos pais das teorias da Comunicação, afirmou que um dos principais pilares do circuito comunicacional é a fofoca.  Sem ela, o alcance do que é veiculado pela mídia seria nulo. Fofoca, bisbilhotagem: a eficiência dos meios de comunicação estaria diretamente ligada à capacidade destes de exercerem sua vocação de janelas indiscretas.

Neste sentido, as revistas de Celebridades são espaços consagrados à fofoca sobre a programação da TV, retroalimentando este meio de comunicação.  Isso já era verdade nos primórdios do jornalismo, quando a fofoca semeada nos Cafés era combustível que fazia continuar trabalhando a prensa na qual eram gestados os jornais.

Hodiernamente,  certamente talvez sejam as redes sociais o principal celeiro de fofoca do qual se nutrem as mídias. E, nos murais e mensagens privadas do Facebook, no Twitter, no Instagram, a fofoca enfrenta o desafio de se adequar a normas de uma etiqueta que acreditamos ser nata sem perceber que é, a todo instante, reinventada.

E, os requintes, ora de crueldade, ora de generosidade (momento raro), da fofoca experimentam a pressão imposta pelas característica peculiaridades das diferentes redes sociais.

O problema é que a mídia vem sabotando sua própria inspiração: o boato: fundado na maledicência. Pensemos no fenômeno Sérgio Reis, com sua “Panela Velha” (anos 70?). Qual  foi a matéria-prima deste sucesso senão ter enfrentado a dose de maledicência presente no preconceito de que uma mulher, ao cruzar o cabo Honoré de Balza, estaria velha e condenada a não ser mais desejada por um homem. O que esta canção fez foi desdenhar do preconceito que nutriu durante tanto tempo as "conversas de bastidores" (fofocas).

A sabotagem da fofoca vem se intensificando diante da pluralidade de padrões estéticos e culturais que está ganhando espaço na mídia. Nas timelines e, na própria TV, as madeixas pixaim conquistam reconhecimento equivalente ao dos cabelos lisos (antigamente chamados de “bons”), índios, orientais, negros e caucasianos trabalham juntos na mesma equipe de revezamento em busca do reconhecimento. E mulheres de quarenta anos acham terreno para ostentar uma beleza que nada deve a de duas mulheres de vinte.

Perséfone entra linda na igreja (Foto: Pedro Curi / TV Globo)
Na novela das 9, de Walcir Carrasco, o caso da personagem Perséfone desafia o preconceito de que é impossível a uma pessoa gorda ser amada por alguém magro. Assim, rouba das línguas ferinas o "privilégio" de,  mesmo sem falar, fofocarem através das mal traçadas linhas do Face e dos mal traçados caracteres do Twitter.  De certa forma, a redenção da Perséfone da novela contribui para redimir a figura mitológica de mesmo nome. Na mitologia grega, Perséfone, filha da deusa Ceres, foi condenada a ser uma eterna transeunte, passando seis meses na Terra e seis meses no Inferno. Na novela, a personagem ganha o direito de revanche, expondo, questionando e neutralizando preconceitos que a covardia nutre por meio da fofoca: versão contemporânea do vai-vem entre a vida e a morte (dos corpos e das almas) ao qual estão sujeitos suas vítimas

Num contexto em que as fronteiras dos valores buscam frequentemente se reconfigurar, a fofoca vive um momento delicado, pois ela costuma precisar de certezas, mesmo que sejam certezas falsas, para se manter de pé.

Ao lidar com a fragilidade de suas opiniões preconcebidas, os meios de comunicação inibem a fofoca e, com isso, precisam repensar qual será seu combustível. Talvez, a partir de agora, Perséfone tenha a chance de ficar mais tempo livre do vai-vem entre Terra e Inferno, cuja versão contemporânea é o ciclo do disse-me-disse.




26 de setembro de 2013

Oração



Hatsuhana doing penance under the Tonosawa waterfall

Fonte- Wikimedia Commons



Por Jose Luis Paredis


Que meu amor acredite em mim
E as mentiras a meu respeito não sejam maiores que a pureza guardada pelo desejo
De que ele seja feliz
Que as palavras pesarosas não tenham mais peso que a leveza guardada pra ele
No melhor coração que trago plantado em meu peito
Que após conhecer este coração, meu amor não precise mais fumar
E seus barcos joguem fora as âncoras
Que coravam de timidez suas irresistíveis bochechas com aroma de despedida e de cânfora
Que dentro dele...
Que dentro dele não tenha eu domínio
Pois, a beleza que dele me atraiu transborda a festa de independência
Cujo júbilo pode ser ouvido através das portas de seu sério olhar
Que o carinho que faço, à distância, no seu rosto lindo
Chegue preparando o terreno para o sonho que não teme ser realidade que não teme ser sonho que não teme ser realidade que não teme ser sonho que não teme...
Que minha poesia não machuque o meu amor
E que ele saiba que para mim ele é Alguém, sem nunca ser um pronome indefinido
Que os equívocos suscitados na face oculta da lua possam ser desfeitos
Pois é o amor e não a mentira que calça a lua cheia
Bordada por um não sei quê de mistério que se exibe às margens de uma clareza límpida
Que o que não conhecemos um do outro inspire o ouro a abrir mão de seu valor
Para que o abraço garimpe a preciosidade de bateres cardíacos que se encontram
Contraem-se e distraem-se sem trair-se
Que meu amor vá, mas volte
Que não zombe de mim quando eu o amar incondicionalmente
Sem quê nem porquê ou pra quê
Que seja assim: amarmo-nos sem deixar desabrigados na friagem
Os talvezes e os nãos
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