28 de fevereiro de 2015

Primeiro conto erótico-filosófico

Foto: ALAMY, reproduzida por The Telegraph



A filosofia estava derramada sobre meu corpo e tua língua começou a rastreá-la em diversas línguas. De repente, eu disse:

- Por favor, não me lamba em alemão porque prefiro o prazer em pequenas doses.

E tua língua, fazendo às vezes de um algoz tradutor, ramificava meu tato em diferentes idiomas. 

Dentro do meu ouvido, ela era o tradutor perfeito: como um rifle acariciando o corpo da caça. Mas não era uma arma de fogo, só de calor humano: uma dose pequena de perversão diluída em licor de tangerina.

 O medo de morrer se confundia com um prazer imenso e me deixei invadir por teu resumo estendido. E o teu entra-e-sai ia se despindo dos contratos, dos divórcios, dos julgamentos alheios, da carga tributária brasileira. Em uma das estocadas, desapareceu o escândalo da Petrobrás e a asma cedeu lugar ao orgasmo.

- Que falo nessa hora disfarçada de minuto?

Sorte que havias aprendido dos estoicos a arte de adiar o clímax. Foi então que chegou a vez da revanche e minha língua portuguesa-tupi ao mergulhar no calcanhar de Aquiles escondido em teu umbigo, fez teu corpo inteiro se tornar zona erógena por cinco minutos-hora. Foi então decretado o toque de recolher e nos entrelaçamos. Toda vergonha ficou do lado de fora da espaçonave. Éramos nota de segredo puro na mais refinada fragrância da intimidade. Nossos corpos se renderam e aquele sistema solar, entre quatro paredes, conheceu a avalanche mais silenciosa do universo.

  • Sem juras de amor
  • Ou cobranças
  • Nenhuma corveia
  • Apenas a cumplicidade total
  • Livre do peso do compromisso


Quando mordiscaste, na fina pele da parte anterior do meu antebraço esquerdo, um aforisma escrito por Sócrates, não consegui mais suportar. O gozo tornou-se indisfarçável. E o teu, quando pensavas que havia chegado ao fim, avistei algo de intraduzível na parte anterior de tua anteperna direita. Bastou um toque e um novo gozo, duas vezes mais forte, instalou-se por sobre o moribundo gozo antigo.


Depois disso, ficamos abraçados, falando em silêncios estranhos...

17 de fevereiro de 2015

Mensagem de amor da quase quarta-feira ingrata


Foto: Karla Vidal



Três anos atrás. Numa quase quarta-feira ingrata. Foi quando o Facelivro parou de enviar mensagens dele.

Hoje, uma quase quarta-feira de cinzas decidiu renascer como Fênix. Aproveitou o intervalo entre um e outro dos meus bateres cardíacos e enviou uma mensagem privada do homem das 11h59min e 12,5seg.. Aquele barulhinho do Face, fantasiado de Noite dos Tambores Silenciosos, acelerou minha pulsação, mesmo onde não havia coração batendo.

- Parei de fumar e tô com saudade, dizia a mensagem dele.
- Que bom! Eu te amo, respondeu a minha mensagem.

E, em seguida, recebi dois inusitados emoticons:

Um em forma de rosa perfumada do Bloco das Flores, fundado em Mil Novecentos e lá vai abraço.


Outro em forma de sol ranzinza barcelonense. 

Logo depois, ele ligou pra mim fingindo se chamar Confidencial e me convidou a telefonar pra ele primeiro.

Mas, antes um beijo nasceu na aurora dos mil cantos e mãos dadas tatuaram, na rua do futuro, o largo do amparo.

14 de fevereiro de 2015

Cinquenta Tons de Cinza: a primeira comédia sado-romântica


Cinquenta tons de Cinza parece ser de longe a melhor comédia do ano, mesmo que 2015 tenha acabado de começar. Uma comédia sado-romântica protagonizada pela talentosa Dakota Johnson e pelo canastrão, porém carismático, Jamie Dornan.

Os afeitos à coleção de livros Sabrina se reconhecerão no monótono espectro de Cinquenta Tons, onde a psicologia dos personagens é reduzida à revelação de traumas resumidos intercalada a esboços de sadismo com menos violência que “Um tapinha não doi” ou “Eu vou, Eu vou, sentar agora eu vou!”.

Os diálogos do filme meio que lembram conflitos de adolescência: “Por que você só quer me espancar de leve e fazer sexo oral? Por que só isso? Não podemos ir ao cinema como pessoas normais?”

Quem espera por um profundo questionamento da normalidade – algo que flerte com a literatura do Marquês de Sade - vai ficar chupando o dedo sem direito a preservativo.

Porém, existe algo bastante inovador na película: a oferta ficcional da possibilidade de uma história em que sadismo e romantismo se combinam: seria o ideal, n’est pas? Poderia um casal descobrir o equilíbrio de ouro entre a violência e a ternura que perpassam o amor? Descobrir isso significaria o fim do tédio, da traição e do Capitalismo, pois as pessoas não iam mais querer saber de trabalhar e, como previu o filósofo Herbert Marcuse, toda a força vital de Eros deixaria de ser canalizada para o trabalho e passaria a ser esbanjada em forma de ócio sexo-criativo.

Christian Grey (o Senhor Cinza, conforme a péssima tradução que fez o personagem ingressar involuntariamente no rol de suspeito do jogo Detetive e fez Dorian Grey e Oscar Wilde corarem de embaraço no Além) consegue o improvável: encontrar alguém que o ama com tanta intensidade e confiança que é capaz aceitá-lo com sadismo e tudo e ele, também apaixonado (embora negue isso até sob tortura), será capaz de abrandar seu sadismo, temperando-o com gestos românticos, como o de levar sua “submissa” ao cinema e apresentá-la aos pais como namorada.

Frustrações à parte, o filme prende porque nos oferece, em termos de gênero, coitos interrompidos. Quando está prestes a se tornar romance, vira suspense. Se tenta ser suspense, descamba para a comédia. Só não pode ser um filme no sense porque a obviedade precisaria ser torturadas ao extremo para tirar desse filme algo verdadeiramente surpreendente.

Contudo, Cinquenta Tons de Cinza é um revolucionário tratado filosófico ao propor a utopia de que é possível oferecer a quem se ama, num mesmo gesto, a combinação de dor o suficiente para torturar sem machucar e de carinho o suficiente para enternecer sem ferir. A história leva ao extremo a ideia de que, por amor, somos capazes de tentar conviver com a diferença e capazes de nos esforçarmos para sairmos (ou entrarmos) de (em) nós mesmos a fim de compreender o ser amado.

A violência na medida exata da cura redentora: talvez certamente, seja essa a mentira com mais tons de verdade já contada por uma ficção.



12 de fevereiro de 2015

Devora-me ou decifro-te: ponderações sobre o filme O Jogo da Imitação



Há quase três anos, escrevi uma postagem sobre Alan Turing, cientista que desenvolveu uma máquina capaz de processar milhares de dados simultânea e automaticamente: o primeiro computador moderno. Essa máquina, capaz de decifrar a comunicação codificada nazista, teria conseguido antecipar o final da 2ª Grande Guerra em dois anos.

Volto a falar sobre Turing, depois de ter assistido ao filme O Jogo da Imitação (The Imitation Game). Mesmo quem conhecer a história do cientista, ainda assim será pego pelo clima de suspense do filme que nos deixa tensos sobre se Turing será bem-sucedido em sua criação de Christopher (apelido dado ao computador) e se conseguirá escapar da “Justiça” inglesa que, à época, condenava os homossexuais à prisão ou à castração química.

Turing trabalhou com todo seu amor e sua arrogância para criar uma máquina capaz de imitar o cérebro humano, elevando exponencialmente sua capacidade. Mas, ele sabia que tal imitação era limitada a aspectos calculáveis, pois o que diferenciava a máquina de um cérebro é que o cérebro era capaz de criar a diferença de opinião e de gosto, coisa que uma máquina – presa ao estigma da padronização – era incapaz de fazer.

O título do filme refere-se a um teste homônimo criado pelo matemáatico com o objetivo de discutir o papel na inteligência artificial. Esse teste faz parte do artigo científico Computing Machinery and Intelligence . O cientista abre a publicação dizendo: "Eu proponho considerar a questão: máquinas podem pensar? Para responder isso, deve-se partir da definição dos termos 'máquina' e 'pensar' ".

Quando adolescente, Alan Turing escrevia cartas de amor codificadas para seu primeiro amigo-amor, mas chegou a confessar a ele que a mais codificada de todas as linguagens era a do dia-a-dia, que leva as pessoas a dizer as coisas como se não houvesse código. Porém, no fundo, mesmo a linguagem mais "transparente" cria códigos. Isso porque os códigos mais complicados não são aqueles criados para dizer algo, mas sim para desdizer o que foi dito.

Turing não hesitava em dizer que alguém era medíocre. Sua falta de modéstia era de uma despretensão cativante. Com o passar do tempo, ele permitiu-se aprender a dizer obrigado e a não ter medo de ser um pouco agradável com as pessoas. E isso, no caso dele, foi um grande desafio, somado ao de tentar esconder, nas engrenagens de sua “máquina de decifrar tudo”, as feridas do bullying sofrido durante a adolescência. É provável que a esfinge choraria diante do destino desse brilhante homem, de um jeito excêntrico, mas cujo coração - mais do que a inteligência - ajudou a vencer a guerra.

Um código oferece uma rota de interpretação inesperada tanto para o autor quanto para o leitor. E essa rota pode ser alicerçada no impulso da paixão, do medo ou da surpresa. O código tem por função driblar proibições e elencar tipos diferentes de entendimento para diferentes destinatários da mensagem.

E tão importante quanto o código secreto são as chaves de interpretação. Dependendo da chave, o caminho traçado para que, por exemplo, um “Eu te amo” alcance seu destino, pode passar por várias filtragens até perder o peso ou ter seu peso drasticamente elevado. Códigos e chaves de interpretação interferem na trajetória e no peso da mensagem.

A existência dos códigos é que faz um simples toque ou olhar ter múltiplas conotações. E nos torna, diariamente, versões de um Alan Turing em busca de não sermos devorados pelo ciclo da decifração/recifração/decifração. Pode-se dizer que os códigos são como servidores da alfândega, aprovando ou vetando a entrada de provocações, venenos e amores em nossos corações e mentes.


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Não deixe de conferir a postagem dedicada à história de Alan Turing aqui.


10 de fevereiro de 2015

O "surpreendente" mendigo pianista clássico




Uma das cenas mais lindas do cinema, do filme O Pianista (confira o segundo vídeo, ao final da postagem), mostra a perplexidade de um soldado nazista ao ver um judeu, fugitivo de um campo de concentração, tocar um dos Noturnos de Chopin. Certamente talvez, a perplexidade encontra raízes em nossos preconceitos, mas também, em nossa disposição de ver além do preconceito. A perplexidade é um cabo-de-guerra entre o preconceito e o senso crítico.

Em um vídeo que se tornou viral na Internet, um mendigo aperta as teclas de um piano de cauda vermelho. Depois de um primeiro acorde hesitante e desafinado, suas mãos desfiam uma linda e triste melodia. No final da apresentação, a repórter pergunta de quem é aquela canção: "É minha", afirmação recepcionada por um "Really" envolto pela surpresa.

Os “campos de indiferença”, versões modernas dos campos de concentração, inibem o florescimento de tantos talentos, como se quisessem matar uma chama por afogamento. E, assim como no passado - onde os campos de concentração eram cercados pela corrupção daqueles que brindavam e dançavam enquanto a guerra comia do lado de fora – os campos da indiferença também são eivados pela corrupção.

Desde crianças que deixam de nascer por falta de leitos para as gestantes até aquelas que não podem estudar e combater as cláusulas pétreas ocultas do preconceito: só a falta de infraestrutura mínima e o preconceito elevado ao grau máximo são capazes de impedir que os talentos germinem. Tristes somos quando acreditamos que a mendicância é fruto da escolha dos vagabundos porque vagabundos todos somos pelo menos 8 horas por dia. A mendicância também é reflexo da depressão anônima, que, por conveniência, associamos à safadeza e à loucura: porque tentar compreender e ajudar cansa e queremos guardar nossa cota de cansaço para carregar os pesos da academia.

Talvez, por isso, nossa época experimente a forte sensação de tédio e desmotivação: por não abrir espaço para que os talentos floresçam com suas sementes de surpresa. No campo minado da corrupção, da indiferença e do compadrio, só pode nascer mesmo o tédio, escorado em nosso culto pelos talentos dos mortos. Isso porque admirar o talento dos mortos é mais fácil do que admirar o dos vivos, que, de algum modo, representam uma ameaça. E nossa época não gosta de ameaças, mas sim da inércia.

Mas, a ameaça do talento é boa quando permitimos que ela deixe o casulo e se torne surpresa. E o talento parece ser contagiante e tem vocação para fazer parte de orquestras. Nem todo talento precisa seguir carreira solo ou viver do aplauso impostor da Grande Mídia.

Oremos pela intercessão de Josué de Castro para que os talentos da mendicância não sejam enterrados por uma espécie de “normalidade medieval”, que considerava a pobreza decoração do Mapa Imúndi.


4 de fevereiro de 2015

Poema para uma amiga sereia aquariana



Poema para a sereia aquariana

Por Clistarco Sepúlveda


Peço sempre a Deus que meus amigos não fumem
E quando a mãe d’água parou, pensei comigo: Deus é uma figura!
E a correnteza era que só aplausos.
Palavra: teu nome é exagero
E fazes até da simplicidade mais simples uma grandeza telescópica
A poesia fez alguns terem medo de mim
Outros pensarem que sou louco
E o pior: outros pensarem que sou poeta mesmo (a)
Mas pra que tanto medo, se é de amor que o barco é feito
E não de redomas?
Não sou domador, nem juiz e espero pelo dia que minha amiga linda
Possa me dar a honra de uma contradança e, assim,
Possa emprestar seus cabelos ao vento que ventaneja: para que ele possa ter rosto
Minha amiga, que não tem medo dos poetas, nem dos loucos e que faz o mundo falar
Com doce rouquidão sem vergonha de dar o que tem pra dar
Minha amiga que não tem vergonha de eu ser gay, hetero, sotero, Pernambuco, Caruaru
Ela não espera que eu esteja lá pro que der e vier porque pra ela estar com alguém é poder ir e vir como as chuvas do Equador
Esse é o amigo que tens, rosa
E outros te terão como girassol, como Boa-Noite, como dália, como Perpétua (desprisão)
Amiga que nos dá paz para sermos as mais variadas flores
Deve ser meio artificial o que escrevo
Se for, que os artifícios virem agora:


Queima de fogos próximo à Torre Eiffel | Foto: EFE


em homenagem ao dom da vida tua

Do amigo,


Cláudio Clécio


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