14 de fevereiro de 2015

Cinquenta Tons de Cinza: a primeira comédia sado-romântica


Cinquenta tons de Cinza parece ser de longe a melhor comédia do ano, mesmo que 2015 tenha acabado de começar. Uma comédia sado-romântica protagonizada pela talentosa Dakota Johnson e pelo canastrão, porém carismático, Jamie Dornan.

Os afeitos à coleção de livros Sabrina se reconhecerão no monótono espectro de Cinquenta Tons, onde a psicologia dos personagens é reduzida à revelação de traumas resumidos intercalada a esboços de sadismo com menos violência que “Um tapinha não doi” ou “Eu vou, Eu vou, sentar agora eu vou!”.

Os diálogos do filme meio que lembram conflitos de adolescência: “Por que você só quer me espancar de leve e fazer sexo oral? Por que só isso? Não podemos ir ao cinema como pessoas normais?”

Quem espera por um profundo questionamento da normalidade – algo que flerte com a literatura do Marquês de Sade - vai ficar chupando o dedo sem direito a preservativo.

Porém, existe algo bastante inovador na película: a oferta ficcional da possibilidade de uma história em que sadismo e romantismo se combinam: seria o ideal, n’est pas? Poderia um casal descobrir o equilíbrio de ouro entre a violência e a ternura que perpassam o amor? Descobrir isso significaria o fim do tédio, da traição e do Capitalismo, pois as pessoas não iam mais querer saber de trabalhar e, como previu o filósofo Herbert Marcuse, toda a força vital de Eros deixaria de ser canalizada para o trabalho e passaria a ser esbanjada em forma de ócio sexo-criativo.

Christian Grey (o Senhor Cinza, conforme a péssima tradução que fez o personagem ingressar involuntariamente no rol de suspeito do jogo Detetive e fez Dorian Grey e Oscar Wilde corarem de embaraço no Além) consegue o improvável: encontrar alguém que o ama com tanta intensidade e confiança que é capaz aceitá-lo com sadismo e tudo e ele, também apaixonado (embora negue isso até sob tortura), será capaz de abrandar seu sadismo, temperando-o com gestos românticos, como o de levar sua “submissa” ao cinema e apresentá-la aos pais como namorada.

Frustrações à parte, o filme prende porque nos oferece, em termos de gênero, coitos interrompidos. Quando está prestes a se tornar romance, vira suspense. Se tenta ser suspense, descamba para a comédia. Só não pode ser um filme no sense porque a obviedade precisaria ser torturadas ao extremo para tirar desse filme algo verdadeiramente surpreendente.

Contudo, Cinquenta Tons de Cinza é um revolucionário tratado filosófico ao propor a utopia de que é possível oferecer a quem se ama, num mesmo gesto, a combinação de dor o suficiente para torturar sem machucar e de carinho o suficiente para enternecer sem ferir. A história leva ao extremo a ideia de que, por amor, somos capazes de tentar conviver com a diferença e capazes de nos esforçarmos para sairmos (ou entrarmos) de (em) nós mesmos a fim de compreender o ser amado.

A violência na medida exata da cura redentora: talvez certamente, seja essa a mentira com mais tons de verdade já contada por uma ficção.



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