12 de fevereiro de 2015

Devora-me ou decifro-te: ponderações sobre o filme O Jogo da Imitação



Há quase três anos, escrevi uma postagem sobre Alan Turing, cientista que desenvolveu uma máquina capaz de processar milhares de dados simultânea e automaticamente: o primeiro computador moderno. Essa máquina, capaz de decifrar a comunicação codificada nazista, teria conseguido antecipar o final da 2ª Grande Guerra em dois anos.

Volto a falar sobre Turing, depois de ter assistido ao filme O Jogo da Imitação (The Imitation Game). Mesmo quem conhecer a história do cientista, ainda assim será pego pelo clima de suspense do filme que nos deixa tensos sobre se Turing será bem-sucedido em sua criação de Christopher (apelido dado ao computador) e se conseguirá escapar da “Justiça” inglesa que, à época, condenava os homossexuais à prisão ou à castração química.

Turing trabalhou com todo seu amor e sua arrogância para criar uma máquina capaz de imitar o cérebro humano, elevando exponencialmente sua capacidade. Mas, ele sabia que tal imitação era limitada a aspectos calculáveis, pois o que diferenciava a máquina de um cérebro é que o cérebro era capaz de criar a diferença de opinião e de gosto, coisa que uma máquina – presa ao estigma da padronização – era incapaz de fazer.

O título do filme refere-se a um teste homônimo criado pelo matemáatico com o objetivo de discutir o papel na inteligência artificial. Esse teste faz parte do artigo científico Computing Machinery and Intelligence . O cientista abre a publicação dizendo: "Eu proponho considerar a questão: máquinas podem pensar? Para responder isso, deve-se partir da definição dos termos 'máquina' e 'pensar' ".

Quando adolescente, Alan Turing escrevia cartas de amor codificadas para seu primeiro amigo-amor, mas chegou a confessar a ele que a mais codificada de todas as linguagens era a do dia-a-dia, que leva as pessoas a dizer as coisas como se não houvesse código. Porém, no fundo, mesmo a linguagem mais "transparente" cria códigos. Isso porque os códigos mais complicados não são aqueles criados para dizer algo, mas sim para desdizer o que foi dito.

Turing não hesitava em dizer que alguém era medíocre. Sua falta de modéstia era de uma despretensão cativante. Com o passar do tempo, ele permitiu-se aprender a dizer obrigado e a não ter medo de ser um pouco agradável com as pessoas. E isso, no caso dele, foi um grande desafio, somado ao de tentar esconder, nas engrenagens de sua “máquina de decifrar tudo”, as feridas do bullying sofrido durante a adolescência. É provável que a esfinge choraria diante do destino desse brilhante homem, de um jeito excêntrico, mas cujo coração - mais do que a inteligência - ajudou a vencer a guerra.

Um código oferece uma rota de interpretação inesperada tanto para o autor quanto para o leitor. E essa rota pode ser alicerçada no impulso da paixão, do medo ou da surpresa. O código tem por função driblar proibições e elencar tipos diferentes de entendimento para diferentes destinatários da mensagem.

E tão importante quanto o código secreto são as chaves de interpretação. Dependendo da chave, o caminho traçado para que, por exemplo, um “Eu te amo” alcance seu destino, pode passar por várias filtragens até perder o peso ou ter seu peso drasticamente elevado. Códigos e chaves de interpretação interferem na trajetória e no peso da mensagem.

A existência dos códigos é que faz um simples toque ou olhar ter múltiplas conotações. E nos torna, diariamente, versões de um Alan Turing em busca de não sermos devorados pelo ciclo da decifração/recifração/decifração. Pode-se dizer que os códigos são como servidores da alfândega, aprovando ou vetando a entrada de provocações, venenos e amores em nossos corações e mentes.


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Não deixe de conferir a postagem dedicada à história de Alan Turing aqui.


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