24 de outubro de 2012

A oração que Carminha e Nina podiam ter feito para salvar Avenida Brasil



Cena de Avenida Brasil


O melhor remédio para a insônia é assistir a algo que faça o sentimento surpreender o seu proprietário (o coração). O pior, porém eficaz, é assistir a algo que não convença, como os últimos capítulos de Avenida Brasil.

Heloísa Perissé se esforçou, mas sua atuação não conseguiu convencer que a personagem Monalisa continuava amando Tufão. Afinal, ela havia passado a novela inteira convencendo o público de que seu amor não era mais Tufão, mas sim o personagem Silas.

Monalisa reconquistou o amor de sua vida com um carro de som que oferecia um serviço de telemensagens. Nessa hora, cheguei mesmo a acreditar que os dois se amavam, pois só um amor a altura do livro bíblico Cântico dos Cânticos para resistir à provação de ser torturado pelo carro de som da telemensagem. Se bem que minha mãe ficou emocionada quando eu contratei esse serviço para homenageá-la em seu aniversário.

Mas, o autor da novela poderia ter misericórdia e, ao menos, compor uma poesia para ser veiculada pelo carro de som. Algo mais ou menos assim:

“Quis acreditar que havia deixado de te amar porque tinha medo de fazer o caminho de volta antes que meus calcanhares de Aquiles cicatrizassem das flechadas que partiam do arco do engano”. Tipo: é meloso, mas ameniza o pânico propagado pelos alto-falantes do carro de som.

Tufão também não colaborou para que o clima de romance fosse convincente. Melhor dizendo, quem não colaborou foi a atuação de Murilo Benício que transformou Tufão numa descompromissada brisa: saudades eternas de sua performance no filme Amores Possíveis...

Coerente a revelação de que Carminha matou Max. Coerente como a composição química de um sonífero. Mesmo a visceral interpretação de Adriana Esteves não convenceu ao tentar passar a mensagem de que Carmem Lúcia se arrependera. Marcelo Novaes também não colaborou, pois sua interpretação de Max daria motivos não para que o personagem fosse assassinado, mas sim para que fosse exonerado.

O pedido de perdão de Carminha talvez tivesse convencido mais se ela houvesse feito uma oração. Algo do tipo:

“Queria não me chamar Carmen Lúcia por alguns instantes e esquecer como se pede desculpas e olhar para trás e não ver crimes, mas apenas equívocos; não equívocos, mas somente mal-entendidos; não mentiras, mas só um desejo de ter podido ajudar tua solidão a ser menos só e te pedir que tua companhia ajudasse minha companhia a ser menos egoísta, exigente e, quem dirá, afixiante...” .

Simplesmente deixaram para lá a hipótese de que Nina sofresse, mesmo que de leve, de um transtorno bipolar. Não convenceu!

Talvez o capítulo tivesse sido mais interessante se tivéssemos tido a chance de ouvir uma oração de Carminha e outra de Nina. Algo como:

“Quero que um anjo te visite e diga que o bem que tento fazer por ti secretamente não precisa te causar medo ou espanto. Fiz o bem (esta foi minha maior ambição depois de acreditar na esperança). Agora, me despeço sem esperar que a novela acabe”.


16 de outubro de 2012

Poética da aterrissagem

Foto by Jordon Cooper


Aterrissar
Um poema de Quiaimandré

Toda vez que tu retornas meu peito levanta voo
E toda minha doença fica no terminal de passageiros
A cura não vem sem dor e, para desespero da saudade, não está de passagem
Veio para ficar, como uma cigana que monta prisão perpétua no chão incógnito da liberdade
Quando, mesmo sem ir te buscar,
Chego na hora exata de te encontrar
Embora a falta que sinto do abraço que não me deste
Chegue adiantada
Enquanto o abraço que sonho te emprestar
Sempre se atrasa e deixa de cumprir seu descompromisso
Não vou te dar um abraço
Vou te emprestar um
Para ter o pretexto de que me devolvas este abraço com juros
E prometo que o juro do abraço é a graça de um beijo
Cada vez que te reencontro
Agradeço por teres aterrissado em segurança,
Um Alguém tão lindo: que faz a mais linda paisagem
Pecar por falta, virando esboço
E salvar-se por excesso, na medida certa da utopia


15 de outubro de 2012

O mais instigante doodle de quase todos os tempos depois do doodle do Pacman


Winsor McCay foi o primeiro a desenvolver uma técnica para animação de desenhos, tendo inspirado artistas como Walt Disney e Walter Lantz (criador do Pica-Pau). Mitologia, no sense, estética surrealista e um algo de noir marcam sua obra. McCay também gostava de promover contrastes entre a inocência e a monstruosidade, criando seres fofinhos, mas capazes de causar, despretensiosamente, grandes catástrofes. Mais tarde, estas criaturas do imaginário do cartunista viriam a inspirar a feitura cinematográfica de personagens como King Kong e Godizilla. Contemporaneamente, reflexos destes seres podem ser encontrados em personagens dos mangás e dos animês.

McCay também fez a animação The sinking of the Lusitania, com motivação ideológica, a fim de estimular a entrada dos Estados Unidos na I Guerra Mundial e incitar o sentimento de anti-germanismo.

O trabalho de McCay provavelmente encontrou inspiração na obra do cineasta Georges Méliès.
Robert Winsor McCay Jr., filho de MacCay, também se tornou um cartunista de destaque e especializou-se em colorização, trabalhando para editoras como a Detective Comics (DC). 

O google criou, no dia 15 de outubro de 2012, um dos mais instigantes doodles que já existiu até o feriadão de 12 de outubro, em homenagem a MacCay. Ele pode ser visto no vídeo a seguir (melhor, só o doodle do trigésimo aniversário do Pacman!):


The sinking of the Lusitania

Gertie the Dinosaur (Winsor McCay, 1914)


Viagem à Lua - Georges Méliès

7 de outubro de 2012

Trash em HD: a nova cara do sublime nas fotos de Cartiê Bressão e na música da Companhia da Lapada



Talvez Fredric Jameson esteja correto em sua avaliação e continuemos - por mais “pós” que desejemos ser (pós-modernos, pós-história, pós-capitalismo, pós-ideologia, pós-graduandos...) – devedores das ideias do século XVIII, mais precisamente as ideias Kant.

Ele despiu a palavra sublime de seu senso comum e a revestiu de teor filosófico.  Lembro como uma professora e amiga, chamada Maria do Carmo Nino, resumiu o conceito kantiano de sublime:

“Pense numa pequena pedra à beira de um imenso abismo. O sublime é quando a infinitude do abismo tenta caber na pedrinha e quando a singeleza da pedrinha se mostra um caminho para o abismo ”.

O sublime é um trem que passa por diferentes estações, a exemplo da plenitude, da impotência e do terror. Em todo caso, o que está em jogo é a medida que nos escapa. Algo pode ser tão simples e próximo que, quando pensamos o ter sob alcance da razão, este algo foge de nossas mãos. Ou, então, algo é tão imenso e profundo, que não cabe em nossa razão.

Certamente talvez, o terreno do sublime é um lugar entre a admiração e o medo.

Causava admiração e medo, por exemplo, a incrível capacidade de Rafael Sânzio de reproduzir, esculturalmente, o corpo humano.

Porém, atualmente, um terceiro elemento aparece como elo entre a admiração e o medo que participam da identidade do sublime: o riso. Não o riso nosso de cada dia, mas o riso ansioso que, de tão aguardado e, ao mesmo tempo, tão descartável, acaba sendo um disfarce do desespero.

Se antes, a compenetração e a veneração eram marca do sublime, hoje, esta marca parece ser o riso desesperado. O You Tube tem sido um importante celeiro desta nova versão do sublime.  A proposta é que o sublime se revele por meio da trashice. Algo é considerado sublime quando nos faz perguntar: “Como alguém pode fazer algo tão trash?”.

Meu amigo Haroudo me advertiu de que esta postagem corria o risco de confundir os conceitos de sublime e grotesco. Ora, se não houvesse tal risco, o sublime e o grotesco se resumiriam à normalidade. Ele também comentou, com argúcia, que o sublime eleva e o grotesco enterra. Nisso, tenho de discordar. O sublime é capaz de nos enterrar, mesmo que o túmulo sejam as nuvens do Olimpo...

O Marquês de Sade tem, enfim, sua revanche. O trash agora torna-se a fórmula do sublime e se especializa cada vez mais com auxílio das tecnologias HD (high definition). Vivemos uma época em que as pessoas querem evitar o peso de ser admiradas ou temidas e estão preferindo ser alvo do riso desesperado. E assim,  os artistas do desespero risível aprimoram técnicas de produção de “obras-primas” do trash, onde o que importa é fazer da perda de tempo algo digno de ser le grand finale do espetáculo.

A seguir, dois exemplos do trash em High Definition. Primeiro, uma foto extraída do site Cartiê Bressão



“Vendeur arabe s’arrête pour un bain rafraîchissant”, Praia do Arpoador — 2012


Depois, o vídeo de um dos hits da Companhia da Lapada: "Eu vou cortar a cara dela":


3 de outubro de 2012

Obrigado, Nobre!


Fonte: Ultradownloads

Obrigado
Uma poesia de Cerevenise Stür


Não tenha medo
Porque toda minha luta
É pra que o medo não te tenha
Minhas armas de combate
São o silêncio e uma vontade tão grande
De te rever e te apresentar a minha saudade
Que, certamente, se apaixonará
No mínimo duas vezes por semana
Permita-me não te esquecer
Porque vai ser muito difícil aguentar
Morando em mim
Uma saudade por ti apaixonada
Outra saudade que te ama desde o tempo do não-tempo 
E uma saudade que sem ti no mundo
Além de intraduzível,
Seria obrigada a falar todos os idiomas da inexprimível dor.

Quando Terezinha de Jesus inventou o quadro Loucuras de amor




Santa Terezinha

È bem conhecida a primeira parte da cantiga Terezinha de Jesus que gera, desde o século XIX, debates acirrados em torno de um suposto erro de português contido num de seus versos, reproduzido a seguir:


Terezinha de Jesus

de uma queda foi ao chão

Acudiu três cavalheiros

Todos três, chapéu na mão


O “erro” costuma ser atribuído à origem popular da cantiga. Mas, à luz de uma chave de interpretação teológica, há duas justificativas poéticas para o desvio da norma culta do Português. Pode-se interpretar os três cavalheiros como representantes da Trindade. Como esta seria constituída por três pessoas em uma, o uso do verbo no singular conotaria este sentido de unidade.

Outra hipótese é a de que foi Terezinha de Jesus quem acudiu os cavalheiros. Neste caso, a queda da moça representa o sacrifício que envolve o gesto de se doar.

Terezinha de Jesus era conhecida por sua vaidade que dizia lutar para manter sob controle. Vaidosa, ela criou para si uma imagem do Cristo capaz de protagonizar o quadro Loucuras de Amor, quando o “constrangedor” carro de telemensagens sonoras nem sonhava em existir. Talvez, a vaidade que ela pensou ser pecado tenha sido pura e sincera a ponto de fazer Deus agraciá-la com a incorruptibilidade (não decomposição do corpo depois da morte).

A tradição diz que aquele que ganha, inesperadamente, uma rosa, está recebendo uma graça por intercessão de Santa Terezinha. E, antes de morrer,  a jovem disse que faria cair sobre o mundo uma chuva de rosas. Segundo ela, os pequenos sacrifícios têm o poder de se tornar flores para a existência. Talvez, Tereza imaginasse o momento em que ganharia um buquê de rosas de seu amado Três em Um.


Tereza é considerada doutora da Igreja Católica e foi também poetisa, como se pode constatar nos versos a seguir:

Alçar Vôo

loucura muito minha, Senhor
esperar que o teu Amor
Depois de todos os desmandos me
aceite como eu sou.

É loucura muito minha, Senhor,
esperar com terno ardor
que em minhas limitações
faças loucuras de amor.

Águia não sou, meu Senhor
Dela trago tão somente o olhar
e, também, no coração,
a aspiração do seu voar, voar…


É curioso mencionar que a cantiga Terezinha de Jesus tem outros versos, extraídos do site da Ordem dos Carmelitas Descalços e reproduzidos a seguir:

Terezinha levantou-se

Levantou-se lá do chão

E sorrindo disse ao noivo

Eu te dou meu coração


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