30 de setembro de 2015

Sobre o sentimento, a espada e as crises de falta de ar de Guilherme Tell

Gravura ilustrando o arqueiro Guilherme Tell




Aula de Katana com Guilherme Tell 

Por Kleto Vide


Ao teu lado seria um ótimo lugar para o sinto-me estranho ficar à vontade
Treino com espadas que martelos de vento e lágrima não param de forjar
Afinco em aprender a arte de tornar-me indefeso

Foge-me o ar neste exato agora
Que teu abraço me embainhe e teu beijo me desafie
Só quando sou desafiado por tua companhia
Torno-me capaz de abalar as cortes

Mesmo sendo corte cego, em ti confio  

Teu sorriso tímido tenha força para cultivar a descortesia
O suficiente
E assim trazer oxigênio para o atrofiado pulmão da conveniência
Vontade de vento, afinco. Agora me desafie

Só tu és capaz de me abalar
De reinaugurar minha respiração
Mais profunda, a fim de furtar a camada de ozônio
Para mobiliar o fôlego dos anárquicos

Mas, antes da mudança chegar
Empresta-me teu fazer amor
E embala-me em teu abraço concha
Até eu esquecer o máximo que for possível
Que os alicerces dos sete mares ruíram

Teu Até Segunda me protege

E, graças a Deus, o futuro sem ti está por um fio


20 de setembro de 2015

Por que deixaram Bridget Jones viúva?

Cena do primeiro filme da série Bridget Jones

Amor, tu conheces Bridget Jones? Às vezes, eu pareço muito com ela e te acho parecido com Mark Darcy, seriamente lindo. Em vez de usar uma camisa com uma rena de natal estampada, você costuma (costumava) usar uma camisa com a logo Star Wars e futuramente usará uma camisa do Hulk, que lhe será dada por mim. Mas, diferentemente de Darcy, não precisas ser advogado, nem mestre e me fazes descobrir o significado de amar alguém como ele é e será.

Por que Helen Fielding assassinou Mark Darcy? Qual terá sido o prazer sádico de destruir a história de Bridget Jones? Bem, descobri que Darcy morreu só agora, dois anos depois.Venceu o prazo de validade do luto, porém são imprescritíveis as lutas interiores contra a decepção. Nada que uns bons coups de vent e de saudade não abrandem.

A úlitma parte da trilogia de Bridget se passa cinco anos após a morte de Mark Darcy, quando a personagem, aos 51 anos, supera a dor da perda depois de se apaixonar por um jovem vinte anos mais jovem que ela. O livro não recebeu boas críticas, tendo sido classificado por alguns jornais como decepcionante, sem o humor dos anteriores. O "The Guardian", por exemplo, considerou escandalosa a morte de Darcy.

Assim como descobri tardiamente a morte de Darcy, descubro todos os dias, há 4 anos, que permaneço capaz de amar à primeira vista quem me ensinou a me comunicar em Francês: não com os franceses, mas com minha alma analfabeta.

Mas, diferentemente dos livros, na minha vida, Mark Darcy não morre e divide comigo sua felicidade cheia de altos e baixos e disposta a me dar uma carona com as bênçãos de Clio.

O maior P. S. já escrito

Quero pedir licença a Godard para te sequestrar de um de seus filmes, te contrabandear de Paris. Paris passará a ser uma cidade à meia-luz. Mas, hoje, sou capaz de me dar ao luxo de tomar uma taça de egoísmo tinto, safra 1980, e me embriagar de presença tua. Dane-se, então, Paris e sua crise de abstinência, posto que quem te tem por perto não consegue esquecer a sensação de ficar saciado bebendo sede de justiça.

Se quiseres, faço da minha cama uma encruzilhada onde nossas nudezes se chocarão com tanta veemência que as feridas de nossas almas fugirão assombradas. O impacto do acidente será tanto que fará os pacientes de hospitais, asilos e manicômios terem alta num raio de distância de pelo menos 777 milhas oceânicas.

Fiz um curso de cerimonial e aprendi a montar um jantar à francesa e senti tanta vontade de ligar pra te contar, mas ainda não tenho teu telefone, nem sei teu endereço. Mas, me sinto tão ligado a ti como se os beijos e abraços que ainda daremos me fizessem esquecer como é viver sem ternura.

Problema da jovem que foi perturbada por um bêbado naquela ruazinha parisiense. Fiz questão de desembarcar no teu passado para te roubar daquela sonsa. Duvido que ela saberia, como eu, deixar excitados além do teu corpo teus silêncios, teus até logos, teus agora-nãos e teus Pour-quois-pas?

10 de setembro de 2015

Um assalto poético ao novo perfil de Alguém




A poesia é uma forma de roubo. Essa mesmo, de saída, pretende tirar teus óculos escuros, e, desta forma, te deixar completamente nu (na vida real, seria preciso tirar tua roupa inteira e, mesmo assim, só conseguiria despir teu corpo...).

Se uma rosa branca ganha, na poesia, pétalas de luz da lua, é um jeito que a metáfora encontra de dividir comigo o produto do roubo: a maciez da tua pele branca que meu toque não consegue alcançar, pois não tem o segredo do cofre da tua timidez.

Nossas histórias parecem ter seguido caminhos diversos, mas quase não tem um só dia que eu consiga esquecer das poucas vezes que te fiz sorrir, de quando ficavas contente por eu ser o único da sala que respondia teu “Ça va?” com  um “E toi?” (é que todo mundo costuma se limitar a um egoísta “Bien” sem direito nem a um “merci”).

Mas não sou saudosista, não vivo de passado. Por isso, quando penso em ti, minha mente conhece a doçura, desperde-se do caos.  Amo o teu eu de agora com todos os fios de prata refugiados no eclipse que emoldura teu rosto (e aí a poesia encontra um jeito de roubar todos os cafunés nos teus cabelos lindos, cafunés que o futuro ainda não me pôde trazer).

Poderia passar horas a fio abraçado com tua distância, teu silêncio, o nariz empinado e aquelas caras birrentas e, mesmo estando feliz com tua altivez calçada em solo romano, não consegui não ter ciúme de ti ao lado da bela jovem que dividia a cena contigo (chego a quase pensar que não tenho chance diante dela). Mas, na foto que tirares comigo, a aura de amor vai ofuscar o sol da Toscana, libertar os punctuns de sonho e milagres escondidos na paisagem e ensinar a felicidade a compor uma sinfonia.

Lembro quando entravas na sala da Nova Aliança, sem motivo, para sorrir pra mim e me ajudar a desficar triste: obrigado, meu amor.

Lembro quando me esperaste em frente à padaria fechada. Eu tive medo que tu tivesses medo de mim porque tudo que sempre quis foi tua paz e achar que tu me temias me causava muita dor. Mas, hoje compreendo que querias te aproximar de mim e mostrar que eu não era louco como achava que era.
Sinto vontade de te ver de novo todo dia e roubar à flor armada os teus beijos: roubo consentido porque te amo e te ver feliz e à vontade me faz ter orgasmos múltiplos.

Quando acaricio algum gatinho ranzinza e malhado (branco com preto), gosto de pensar que estou mantendo contato telepático contigo.

Até tenho saído com alguéns, mas só um Alguém acelera meu coração quando muda de perfil. Seja secreto ou platônico ou inventado, o amor que sinto é simples como a fórmula do grafite e complexo como a estrutura atômica do diamante. Sigo em frente, mas preciso acolher a parte de mim que te espera porque depois de conhecer o teu sorriso ranzinza, a esperança se torna um convite irrecusável.

PS.: Ainda guardo a camisa do Hulk que comprei pra te dar de presente, de passado e de futuro.

7 de setembro de 2015

Sobre ele e eu e o não-nós


Rua perto da Fontana de Trevi
Foto de Clécio Vidal


Ele:

Mais que lindo
sonhado

Mais que um homem
Alguém

Mais que um francês
Um venezuelano da rua da Guia

Distância que me abraça forte

Mais que me odeia
Me nadifica

Mais que um mentiroso
Um Nobre

Mais que me desexiste
Me ama


Eu:

Não sou lindo
Nem linda
Nem europeu
Nem europeia
Nem beiro o mar, nem o rio

Chego suado
Falo só um idioma estrangeiro
E duas metades de outro

Persigo sem perseguir
Piso abrindo mão do chão
Preso num passado de grades abertas

Esperança, minha advogada de acusação
Continuo sendo promovido a stalker, mesmo tendo desaprendido a falar francês


Indigno, talvez
Indigno, qual vez?

5 de setembro de 2015

Quando conectar se torna mais importante do que refletir: o caso da fotografia do refugiado Aylan




Não sei se essa sensação é só minha, mas parece que a comunicação está se tornando um atestado da incapacidade de responder ao questionamento: O que devo/posso dizer?

E diante do anonimato de milhares de possíveis seguidores anônimos, que se reúnem, para afiar os vícios nas redes sociais, tentamos silenciar a pergunta por meio das conexões absurdo-lógicas. Na falta de respostas, contentamo-nos em estabelecer conexões pautadas num conhecimento enciclopédico constituído por verbetes que são um híbrido de reflexão e irreflexão.

A enciclopédia chinesa, descrita por Jorge Luis Borges, ganha existência concreta na virtualidade das redes, com o agravante de que a lógica e a razoabilidade têm sido substituídas pela conectividade.
Conectar se torna mais importante do que refletir. E falo isso tentando fugir da nostalgia do convívio com a atmosfera do Iluminismo onde se acreditava que uma ideia precisava ser despida do preconceito, da superstição e revestida do contraditório, açoitada por opiniões divergentes, até que se tornasse afiada como uma espada japonesa de Hattori Hanzō.

O impacto da associação de referências parece se sobrepor ao esforço de confrontar ideias, que, por sua vez, implica o esforço maior de assumir o risco de sair desse confronto carregando estilhaços de ideias alheias.

O confronto de ideias, comumente chamado de reflexão, implica assumir vários riscos, dentre os quais o de ser convidado a esperar em silêncio enquanto outra ideia rival se expõe. O gesto puro e simples de conectar flerta com o descompromisso. Na reflexão, a etiqueta diz que enquanto um fala o outro silencia. A conectividade banalizada permite que todos falem ao mesmo tempo: na superfície, impera o ruído das feiras medievais e, no íntimo, o silêncio ou, melhor dizendo, a mudez do cordeiro imolado, ou melhor ainda dizendo, a mudez do indiferente imolado.

A imagem do pequeno refugiado Aylan, cujo cadáver encalhou em uma praia turca, não consegue descansar em paz. Extrai-se dela a aura de humanidade, e injeta-se o caráter de signo anônimo e ostensivo apto a um sem fim de conexões que, ao mesmo tempo que revelam nossa carência de paz, demonstram nossa sede pelo citacionismo. Uma cultura que tenta blindar sua psiquê reduzindo as imagens ao anonimato e, simultaneamente, abre sua mente à estética do choque expõe um trilema: a tentativa de se equilibrar (ou de acreditar que é possível equilibrar-se) sobre os pilares do sadismo, do masoquismo e da invulnerabilidade. 

Citar: algo que é mais que um mero dizer, um quase fazer que não faz, o que, supostamente, o tornaria imune a consequências sociais e jurídicas. Citação que se escora na conexão de ideias descontextualizadas ou melhor dizendo, recontextualizadas de maneira irrefletida, isto é, sem margem para o contraditório, a espera e o silêncio analítico. Citação que abre mão da síntese e contenta-se em desfiar ora o rosário das concordâncias ora o das discordâncias. E, neste caso, acaba sendo mais importante do que refletir resistir ou fazer o interlocutor desistir, como se estivesse numa Prova de Líder do Big Brother Brasil.

Ideias contentam-se em ser fantasias carnavalescas. Eleger a vencedora ou tripudiar em cima da perdedora vira o alvo do embate (que ainda se ilude de que é um debate).

O rico das conexões é o potencial que elas têm de retirar as ideias de sua zona de conforto. Afinal, a conexão cria fissuras por onde afloram aspectos represados pelo senso comum ou pelas convenções institucionalizadas por acadêmicos, juristas e profissionais midiáticos, possibilitando a luta contra a asfixia e a paralisia da reflexão.

Mas, muitas vezes, o citacionismo conectivo das redes sociais abre fendas na represa das ideias, mas coagulam o jato d’água ao injetarem no debate (embate) de ideias tirania, intolerância e autossuficiência, três elementos que, decididamente, não entram na composição da pedra filosofal angular do edifício do debate democrático-humanista. 

Neste sentido, as Time Lines tornam-se, por vezes pedras de necrotério, onde o morto é condenado à eterna autópsia, enquanto o bisturi da conectividade não se desembriaga. Mas, felizmente, a farra da conectividade, a exemplo das festas dionisíacas, não se prolongam por mais de uma semana. Isso porque existe uma lei da natureza que nenhuma revolução copernicana pode abalar: o vinho acaba e as cortinas se fecham.

Confira ilustrações feitas ao redor do mundo sobre a tragédia do garoto Aylan, refugiado sírio
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