Não sei se essa sensação é só minha, mas parece que a
comunicação está se tornando um atestado da incapacidade de responder ao
questionamento: O que devo/posso dizer?
E diante do anonimato de milhares de possíveis seguidores
anônimos, que se reúnem, para afiar os vícios nas redes sociais, tentamos
silenciar a pergunta por meio das conexões absurdo-lógicas. Na falta de
respostas, contentamo-nos em estabelecer conexões pautadas num conhecimento
enciclopédico constituído por verbetes que são um híbrido de reflexão e
irreflexão.
A enciclopédia chinesa, descrita por Jorge Luis Borges,
ganha existência concreta na virtualidade das redes, com o agravante de que a
lógica e a razoabilidade têm sido substituídas pela conectividade.
Conectar se torna mais importante do que refletir. E falo
isso tentando fugir da nostalgia do convívio com a atmosfera do Iluminismo onde
se acreditava que uma ideia precisava ser despida do preconceito, da
superstição e revestida do contraditório, açoitada por opiniões divergentes,
até que se tornasse afiada como uma espada japonesa de Hattori Hanzō.
O impacto da associação de referências parece se sobrepor ao
esforço de confrontar ideias, que, por sua vez, implica o esforço maior de
assumir o risco de sair desse confronto carregando estilhaços de ideias alheias.
O confronto de ideias, comumente chamado de reflexão,
implica assumir vários riscos, dentre os quais o de ser convidado a esperar em
silêncio enquanto outra ideia rival se expõe. O gesto puro e simples de
conectar flerta com o descompromisso. Na reflexão, a etiqueta diz que enquanto
um fala o outro silencia. A conectividade banalizada permite que todos falem ao
mesmo tempo: na superfície, impera o ruído das feiras medievais e, no íntimo, o
silêncio ou, melhor dizendo, a mudez do cordeiro imolado, ou melhor ainda
dizendo, a mudez do indiferente imolado.
A imagem do pequeno refugiado Aylan, cujo cadáver encalhou em uma
praia turca, não consegue descansar em paz. Extrai-se dela a aura de humanidade, e injeta-se o caráter de signo anônimo e ostensivo apto a um sem fim de conexões que, ao
mesmo tempo que revelam nossa carência de paz, demonstram nossa sede pelo
citacionismo. Uma cultura que tenta blindar sua psiquê reduzindo as imagens ao anonimato e, simultaneamente, abre sua mente à estética do choque expõe um trilema: a tentativa de se equilibrar (ou de acreditar que é possível equilibrar-se) sobre os pilares do sadismo, do masoquismo e da invulnerabilidade.
Citar: algo que é mais que um mero dizer, um quase fazer que
não faz, o que, supostamente, o tornaria imune a consequências sociais e
jurídicas. Citação que se escora na conexão de ideias descontextualizadas ou
melhor dizendo, recontextualizadas de maneira irrefletida, isto é, sem margem
para o contraditório, a espera e o silêncio analítico. Citação que abre mão da
síntese e contenta-se em desfiar ora o rosário das concordâncias ora o das
discordâncias. E, neste caso, acaba sendo mais importante do que refletir
resistir ou fazer o interlocutor desistir, como se estivesse numa Prova de
Líder do Big Brother Brasil.
Ideias contentam-se em ser fantasias carnavalescas. Eleger a
vencedora ou tripudiar em cima da perdedora vira o alvo do embate (que ainda se
ilude de que é um debate).
O rico das conexões é o potencial que elas têm de retirar as
ideias de sua zona de conforto. Afinal, a conexão cria fissuras por onde
afloram aspectos represados pelo senso comum ou pelas convenções institucionalizadas
por acadêmicos, juristas e profissionais midiáticos, possibilitando a luta contra
a asfixia e a paralisia da reflexão.
Mas, muitas vezes, o citacionismo conectivo das redes sociais abre fendas na represa das ideias, mas coagulam o jato d’água ao injetarem no debate (embate) de ideias tirania, intolerância e autossuficiência, três elementos que, decididamente, não entram na composição da pedra filosofal angular do edifício do debate democrático-humanista.
Mas, muitas vezes, o citacionismo conectivo das redes sociais abre fendas na represa das ideias, mas coagulam o jato d’água ao injetarem no debate (embate) de ideias tirania, intolerância e autossuficiência, três elementos que, decididamente, não entram na composição da pedra filosofal angular do edifício do debate democrático-humanista.
Neste sentido, as Time Lines tornam-se, por vezes pedras de
necrotério, onde o morto é condenado à eterna autópsia, enquanto o bisturi da
conectividade não se desembriaga. Mas, felizmente, a farra da conectividade, a
exemplo das festas dionisíacas, não se prolongam por mais de uma semana. Isso
porque existe uma lei da natureza que nenhuma revolução copernicana pode
abalar: o vinho acaba e as cortinas se fecham.
Confira ilustrações feitas ao redor do mundo sobre a tragédia do garoto Aylan, refugiado sírio
Confira ilustrações feitas ao redor do mundo sobre a tragédia do garoto Aylan, refugiado sírio
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