25 de junho de 2015

Dependência de laços ou dependência química?: responds moi, Camus


Cena do filme Resolutiion (2012), dirigido por Justin Benson e Aaron Scott Moorhead


Artigo escrito por Johann Hari, autor de Chasing The Scream: The First and Last Days of the War on Drugs, para o blog Brasil Post, elenca pesquisas a fim de refletir sobre a vantagem que os laços humanos levariam sobre a química quando o assunto é a geração do círculo vicioso. A ideia é que a ação química de elementos presentes nas drogas não seriam páreo para o amor.

A principal inspiração para o artigo de Hari é o trabalho do psicólogo canadense Bruce Alexander, da Simon Fraser University. Fulcro da pesquisa: a dependência de drogas não seria química. A carência de laços afetivos - e não a constituição química das drogas - é que responderia pela dependência.

Alexander chegou a esta conclusão depois de experimentos de laboratório com ratos. Os roedores rejeitavam as drogas quando expostos a circunstâncias em que se combinavam interação e divertimento. A teoria é a de que o oposto do vício não é a sobriedade, mas sim a conexão humana (e não a conectividade ou a simulação de laços com auxílio da Internet). Johann Hari traduziu o experimento em termos metafóricos, chamando o ambiente de isolamento de gaiola do mau e o ambiente em que a conexão é estimulada de gaiola do bem.

Daí por diante, o articulista busca outras pesquisas para demonstrar como o vício está associado a gaiolas do mau, a exemplo de situações como guerras, onde são altas as dosagens de solidão e de isolamento. Já as gaiolas do bem seriam os laços, a conexão entre as pessoas.

Diante do tentador convite do romantismo a exaltar o poder do amor-cura, não posso deixar de ser perturbado por alguns questionamentos: é Sócrates na veia, meu caro!

Suponhamos a verdade da teoria de Alexander. Neste caso, temos de admitir, despindo-nos da ingenuidade romântica, que a conexão, capaz de nos manter longe do vício, vem acompanhada de limitações e temores. A conexão humana é provida de acolhimento e alegria, mas não é sinônimo de êxtase ou arrebatamento. 

Conectar-se implica pro-atividade e uma boa dose de renúncia, pois os ânimos que se conectam, em diversos momentos não coincidem. Em outros termos, a conexão não é garantia de reciprocidade. Requer disposição e paciência para administrar os momentos em que as pessoas envolvidas operam em frequências dissonantes ou mesmo opostas.

A conexão precisa suportar voltagens consideráveis de frustração, pois, não raro, o horizonte de expectativas dos conectandos é altamente desigual. Um quer beijar, o outro só abraçar. Um quer Bom Dia e o outro Eu te amo. Um quer a happy hour, o outro quer  o Diuturnamente. E assim por diante. E a conexão, pra se fortalecer, precisa encarar a contradição de que se manter conectado implica fazer companhia a outro quando o outro busca a companhia de si mesmo. São dois ou mais ensimesmados que se dão as mãos.

Resta ainda falar dos medos que assaltam as conexões. Medo da cobrança, do ciúme, da responsabilidade de dar ao outro na mesma medida que recebemos. Medo de aguentar as particularidades entediantes alheias. Medo de lidar com os segredos alienígenas e de que o estrangeiro visite os nossos.

Na verdade, parece que o principal terror que paira sobre a conexão humana é aquele que afligiu O Estrangeiro, de Camus. É o medo de lidar com cadáveres, sendo que o cadáver mais temível é o cotidiano insepulto, a morte em vida representada pela existência comum ou "normal". Bem, a conexão causa medo quando nos faz enxergar em nós mesmos um Meurseult que teme o que tem medo de amar: a cotidianidade. E a versão mais conhecida do medo, certamente talvez seja a indiferença programada ou o desejo de se desconectar.

Todo dia um de nossos eus falece, em descompasso com o eu do outro. Isso causa a desconfortável sensação de velório que usurpa a familiaridade das conexões. Dá medo aprofundar a conexão diante da alta probabilidade de que chegará o instante em que o outro com que estamos conectados não será mais o outro da origem da conexão. A conexão precisa administrar momentos em que coexistem vitalidade e luto. Brigam, no interior dos elos que constituem a conexão, a estabilidade do já feito e a instabilidade do refazendo-se (feito da estranha interação entre morte e ressurreição).

Mas, segundo Alexander, a narrativa da conexão, com toda sua complicação, parece levar vantagem sobre o monólogo do isolamento. A cooperação, com os sacrifícios e prazeres que a contradição coloca a seu dispor, oferece uma arquitetura de tempo alternativa ao vício.

Confira o texto do Brasil Post, mencionado no início da postagem.


Confira o artigo de Bruce Alexander



Confira palestra de Johann Hari sobre o tema aqui


Agradeço pela preciosa dica de leitura de Luciana Zamprogne.

12 de junho de 2015

O Dia dos Namorados e a rifa da Pelúcia: o que fazer com o excesso de fofura reprimida?


Blog Geek Chic



Nos episódios anteriores de Supernatural: Comprei, com cara de poucos amigos, uma rifa terceirizada vendida pelo amigo Paulo Maciel para ajudar amigos dele que estão organizando a colação de grau.

- Quais são os itens da cesta, Paulo?
- Uma garrafa de Champanhe, duas taças, chocolates, um porta-retrato e uma Pelúcia
- O que é Pelúcia?
- Um urso de Pelúcia, oras ...

Daí por diante, durante duas semanas, fiquei ouvindo Paulo propagandear a famigerada Pelúcia (leia-se Pilúcia). Confesso que exagerei na antipropaganda, pois toda vez que alguém procurava meu amigo atrás de uma rifa e perguntava os itens daquela cesta de Dia dos Namorados, eu me atravessava, desembainhava uma metonímia e resumia o conteúdo dela a uma palavra: “Pilúcia”. E, todo mundo, assim como eu, questionava: “Pilúcia, o que é Pilúcia?”.

Por ironia do destinacaso, estava eu, em pleno Dia dos Namorados (hoje, por sinal), escrevendo uma reportagem, quando Paulo chega e, ferido por um apostólico inconformismo, brada: “Né que esse miserávi ganhou a Pilúcia, depois de ter esnobado completamente a bichinha”.

Durante uma hora, a sala inteira da Assessoria de Imprensa riu da fatídica Pilúcia e, em meio aos risos, a tensão superficial do meu caos se perguntava se era normal sentir-se um intruso de calendário, alguém acanhado por fazer parte de um Dia permeado pelas cobranças associadas ao ideário romântico gestado no século XVIII e adjacências. E, como é sabido por quem bem o sabe, o substrato do acanhamento é o sentir-se incapaz de atender a altos patamares de expectativas (nossas ou alheias).

A Pelúcia é uma personificação clássica do que costumamos chamar de excesso de fofura, acionado em momentos estratégicos da linha do tempo, a exemplo do Dia dos Namorados, nos quais fica exposta nossa fragilidade diante da falta e do excesso bem como a dificuldade de sabermos a quem direcionar nossas faltas e excessos.

Vem-nos aquele impulso de fofura reprimida – um gêiser doido pra jorrar em forma cute-cute, dengos infantilódes, cosquinhas, narizes se roçando e outros elementos que a vergonha alheia me impede de listar. O que devemos fazer com esta vontade de potência reprimida, hein Nietzsche? E a pergunta mais difícil: Onde achar uma vítima espontânea para se tornar alvo da fofura represada?

A outra face da moeda da fofura  é a aridez. Certamente talvez, existe um botão de Foda-se hibernando em nossa psique, um quê de indiferença e secura à espera do momento oportuno para aflorar despido de folha, flor, fruto ou culpa anexada. Mas, também nesse caso, nos espicaça a dúvida: Devo mesmo direcionar minha potência de aridez a este indivíduo? E se ele, sem que eu o saiba, for o amor da minha vida (mesmo que o “o da minha vida” tenha prazo de validade de uma semana?).

De todo modo, eleger os alvos de nossos excessos de fofura e de secura é tarefa hercúlea. Até porque os alvos precisam praticar o que está tipificado na poesia de Camões: “estar-se preso por vontade”. Só deixando-se prender, por vontade – sem precisão de nenhum tipo de “atrás das grades” -  suportamos os excessos de ternura e aridez que, de quando em quando, visitam os relacionamentos.

E aí percebemos que a saúde do namoro não está ligada somente aos gestos de fofura recíproca. É preciso administrar os descompassos, principalmente quando uma das partes está sintonizada no excesso de fofura e a outra no excesso de secura. Administrar este descompasso é o que reforça a intimidade, afasta a vergonha e, por tabela, a potência opressora de satisfação das expectativas.

Os excessos hospedam nossas carências e estão sujeitos a chuvas e trovoadas de incerteza. Mas, diferentemente do que pensava Aristóteles, um relacionamento feito só de equilíbrio é um ponto que perdeu o paradeiro do final do texto. Excessos – desde que visitados pela disposição, pelo carinho e pela boa-vontade – são administráveis e nos ajudam a lidar com a humanidade que a idealização romântica tende a usurpar.

هل تريد أن تتعلم تحبني؟










6 de junho de 2015

Interrogatório



Fonte: Blog Laberinto Recto



Interrogatório

Por Linardo Cleto


Quando eu te reencontrar, posso me convidar a ir pro cinema contigo?
E depois posso me convidar a assistir tua chatice de camarote?
Posso também nos convidar a sermos novos um no abraço do outro?
Posso te encontrar por acaso num protesto, num restaurant ou numa galeria?
Mesmo quando eu estiver namorando, podes continuar sendo meu grande amor?
Quando o teu carro quebrar, posso chegar pra te buscar antes do Seguro?
Quando teu namorado te esquecer no aeroporto, posso estar lá pra te desesquecer?
Quando estiveres febril, posso ser o abril que chega com mais um ano de vida pra te dar de presente?
Posso te amar em segredo em pleno meio-dia da Piazza Navona?
Posso te desarmar?
Posso te pedir pra dizeres Bom Dia quando me ligares confidencialmente?

4 de junho de 2015

Poema que mudará de cara dia sim dia não



Em construção.












 



.Poesia, tu que és sincera, sem correr o risco de ser verdade
Ajuda-me a, por ontem, não precisar abastecer com Bons Dias e Obrigados
E, que, na noite passada, eu não precise ser a clarividência do profeta Daniel
Vinte anos atrás, não sinta eu sede de decifrar nos abismos 
O istmo que me conduzirá ao “Estou sendo amado”

.Meio minuto antes de anteontem, tomo uma Twister
E meu coração caminha descalço pela corda inativa do desequilíbrio
Que o “Nos outros episódios de mim” desvende o abraço que insiste
Em me acenar como um cativeiro que trancou o sequestro do lado de fora
Debaixo de uma chuva que molha a todos menos a mim

.E de um sol desafinado, diminuto, sem clave para chamar de sua
Depois desse chá de resolução, meu Há 4 anos não quererá esperar tua ida até o carro
Para encontrar em ti novas formas de embebedar a lindeza de significado
E escutar meu descanso batendo no teu peito
Peguei no sonho só por cinco eternidades
E, antes que acordasse, tu vens e repaginas o tempo
E ele vira plateia sem aplausos
Pedindo que eu permaneça no picadeiro

.Sopra nos eu-te-amos que estão ardendo
Represados nos amanhãs não germinados
Nas cenas dos próximos capítulos que procuram a saída
Neste labirinto de antes e de talvezes
Minha coca-cola está lá, desconsolada,
Esperando pelo teu sorriso que não chega e que é mais do que suficiente
Para excitar minha alma, como se ela fosse o mais doce versículo
Que um texto apócrifo já escreviu

.A gaveta, há 4 anos, me pergunta quando terei a chance
De te dar de presente aquela camisa com estampa de Hulk
E, meu carinho procura em teu corpo uma brecha biométrica
Capaz de acionar teu descanso no meu colo

.E que, neste segundo que acabou de soluçar,
Mais um eu-te-amo se desdiga
Pois nossa cama viverá, até o parto do sol,
Dos nossos silêncios disfarçados de rostos que se roçam
De nucas que se apalpam
De beijos que migram do bojo do impossível
De interrogatórios sem culpa

Rumo às fronteiras do “Por Que Não?”







.Sonhei que te conhecia novamente 
E todos os punhais de superstição
viraram do avesso
Você sorriu pra mim pela primeira vez
(charme de dentes incisivos)
E eu deixei de ser aquele velho misto de
Carne osso e invisibilidade
Não consegui aprender ainda a deixar de ser, a seus olhos, 
Desimpressionante
E meus pés e mãos trocados
Sentem-se tão frios 
e meu corpo se sente
Tão desabraçado
Sei lá, bobagem de quem há uns 30 anos
Pede licença ao espelho
e pede à rua para convidá-lo a sair
Acho que meu anjo (que não me pertence)
Já deve ter me esquecido
E me traz tanta saudade
Que seria, talvez, menor
Se fosse seu nome somente venezuelana cidade




3 de junho de 2015

Entre o linchamento e a letargia: o delirante dilema proposto pela contemporaneidade tardia


Linchamento retratado por Ângelo Agostini em São Paulo (1888). Fonte: Revista Carta Escola


Desiludido pela ducentésima vez com meu novo amor e pela quingentésima com meu amor secreto – cujo paradeiro é desconhecido desde 20?? - quase desisti de escrever. Mas não resisto a uma provocação e não tenho culpa se a insônia me provoca e as redes sociais também.

Recentemente, o Papa Francisco escreveu sobre a letargia que toma conta da sociedade, uma espécie de ressurreição da acedia, nome dado ao sentimento de impotência e desolação que afligia particularmente os monges em peregrinação pelo deserto. Daí este sentimento ter sido apelidado de “Demônio do Meio-Dia”. Hoje, segundo Francisco, esse mal que, antes era considerado eminentemente espiritual, seria conhecido por nós como depressão, assumindo contornos de um distúrbio em parte químico e em parte psíquico.

Porém, não é a Acedia nem a depressão o tema desse texto, mas sim o questionamento acerca da Letargia dos “Santos” dos Últimos Dias.

Na balança dos afetos, uma disfonia, regida pela impunidade, faz com que a sociedade oscile entre a letargia (e seus derivados, a saber, a indiferença, a impotência, a preguiça e o desencanto) e a euforia sádica. E, num mesmo cenário, é possível testemunhar coabitarem, de maneira terrível, indivíduos que dedicam sua potência ao linchamento e outros que assistem sem esboçar reação alguma, trazendo no rosto o nadismo: mistura de tédio narcísico e crueldade blasé. Refiro-me ao vídeo que anda circulando na Internet sobre a execução de uma mulher que havia matado um cachorro, queimando-o com um maçarico.

Seria precipitado falar em uma bipolaridade social. Mas, algo metaforicamente próximo dessa doença está se instalando no atual contexto. E, talvez certamente, seja uma resposta a nossa paralisia diante de dilemas morais.  Tentamos nos convencer de que tudo é relativo, mas não conseguimos desospedar do espírito o fantasma do absoluto. E, pior ainda, professamos um relativismo que, na prática, não sabemos implementar. Diante de situações extremas, que desafiam medos e preconceitos arraigados, perde-se de vista a saída do labirinto e se quer agir como um homem-bomba, mandando tudo, inclusive Ariadne (ou a saída), pelos ares.

Letárgicos diante de um mundo que parece abortar qualquer tentativa de mudança, posto que está em eterna crise, indivíduos têm dado vazão a impulsos de terror, como se este fosse a única força com a qual seria possível segurar as rédeas de supostas oportunidades de fazer o que a sociedade nos negaria.

Neste sentido, o linchamento seria a nefasta tentativa de se combinar “Justiça”, fuga do tédio, crueldade e o desejo oculto de assumir o trono dos deuses da covardia. E, após esses espasmos de heroísmo desvirtuado, a alma fútil retorna ao estado de letargia que, somada ao riso prostituído, anestesia o cotidiano, numa sociedade, onde os diferentes espaços resumem-se à sinistra sala de jantar da canção Panis et Circenses. E esse revezamento entre letargia e euforia linchante também assalta as redes sociais, escoradas na blindagem do anonimato.




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