Cena do filme Resolutiion (2012), dirigido por Justin Benson e Aaron Scott Moorhead |
Artigo escrito por Johann Hari, autor de Chasing The Scream: The First and Last Days of the War on Drugs, para o blog Brasil Post, elenca pesquisas a fim de refletir sobre a vantagem que os laços humanos levariam sobre a química quando o assunto é a geração do círculo vicioso. A ideia é que a ação química de elementos presentes nas drogas não seriam páreo para o amor.
A principal inspiração para o artigo de Hari é o trabalho do psicólogo canadense Bruce Alexander, da Simon Fraser University. Fulcro da pesquisa: a dependência
de drogas não seria química. A carência de laços afetivos - e não a constituição química das drogas - é que responderia
pela dependência.
Alexander chegou a esta conclusão depois de experimentos de
laboratório com ratos. Os roedores rejeitavam as drogas quando expostos a circunstâncias em
que se combinavam interação e divertimento. A teoria é a de que o oposto do
vício não é a sobriedade, mas sim a conexão humana (e não a conectividade ou a
simulação de laços com auxílio da Internet). Johann Hari traduziu o experimento em termos metafóricos, chamando o ambiente de isolamento de gaiola do mau e o ambiente em que a conexão é estimulada de gaiola do bem.
Daí por diante, o articulista busca outras pesquisas para demonstrar como o vício está associado a gaiolas do mau, a exemplo de situações como guerras, onde são altas as dosagens de solidão e de isolamento. Já as gaiolas do bem seriam os laços, a conexão entre as pessoas.
Diante do tentador convite do romantismo a exaltar o poder
do amor-cura, não posso deixar de ser perturbado por alguns questionamentos: é
Sócrates na veia, meu caro!
Suponhamos a verdade da teoria de Alexander. Neste caso,
temos de admitir, despindo-nos da ingenuidade romântica, que a conexão, capaz
de nos manter longe do vício, vem acompanhada de limitações e temores. A
conexão humana é provida de acolhimento e alegria, mas não é sinônimo de êxtase
ou arrebatamento.
Conectar-se implica pro-atividade e uma boa dose de renúncia,
pois os ânimos que se conectam, em diversos momentos não coincidem. Em outros
termos, a conexão não é garantia de reciprocidade. Requer disposição e
paciência para administrar os momentos em que as pessoas envolvidas operam em frequências dissonantes ou mesmo opostas.
A conexão precisa suportar voltagens consideráveis de
frustração, pois, não raro, o horizonte de expectativas dos conectandos é
altamente desigual. Um quer beijar, o outro só abraçar. Um quer Bom Dia e o
outro Eu te amo. Um quer a happy hour, o outro quer o Diuturnamente. E assim por
diante. E a conexão, pra se fortalecer, precisa encarar a contradição de que se
manter conectado implica fazer companhia a outro quando o outro busca a
companhia de si mesmo. São dois ou mais ensimesmados que se dão as mãos.
Resta ainda falar dos medos que assaltam as conexões. Medo
da cobrança, do ciúme, da responsabilidade de dar ao outro na mesma medida que
recebemos. Medo de aguentar as particularidades entediantes alheias. Medo de
lidar com os segredos alienígenas e de que o estrangeiro visite os nossos.
Na verdade, parece que o principal terror que paira sobre a conexão
humana é aquele que afligiu O Estrangeiro, de Camus. É o medo de lidar com cadáveres, sendo que o cadáver mais temível é o cotidiano insepulto, a morte em vida representada pela existência comum ou "normal". Bem, a conexão causa medo quando nos faz enxergar em nós mesmos um Meurseult que teme o que tem medo de amar: a cotidianidade. E a versão mais conhecida do medo, certamente talvez seja a indiferença programada ou o desejo de se desconectar.
Todo dia um de nossos eus falece, em descompasso com o eu do outro. Isso causa a desconfortável sensação de velório que usurpa a familiaridade das conexões. Dá medo aprofundar a conexão diante da alta probabilidade de que chegará o instante em que o outro com que estamos conectados não será mais o outro da origem da conexão. A conexão precisa administrar momentos em que coexistem vitalidade e luto. Brigam, no interior dos elos que constituem a conexão, a estabilidade do já feito e a instabilidade do refazendo-se (feito da estranha interação entre morte e ressurreição).
Todo dia um de nossos eus falece, em descompasso com o eu do outro. Isso causa a desconfortável sensação de velório que usurpa a familiaridade das conexões. Dá medo aprofundar a conexão diante da alta probabilidade de que chegará o instante em que o outro com que estamos conectados não será mais o outro da origem da conexão. A conexão precisa administrar momentos em que coexistem vitalidade e luto. Brigam, no interior dos elos que constituem a conexão, a estabilidade do já feito e a instabilidade do refazendo-se (feito da estranha interação entre morte e ressurreição).
Mas, segundo Alexander, a narrativa da conexão, com toda sua
complicação, parece levar vantagem sobre o monólogo do isolamento. A
cooperação, com os sacrifícios e prazeres que a contradição coloca a seu dispor, oferece
uma arquitetura de tempo alternativa ao vício.
Confira o texto do Brasil Post, mencionado no início da
postagem.
Agradeço pela preciosa dica de leitura de Luciana Zamprogne.
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