26 de dezembro de 2017

Cartão de Natal de um poeta

Foto: Karla Vidal

Por gentileza, desconsiderem a postagem anterior


Cartão de Natal

Metade do que escrevo acredita que deve se calar
Metade acredita que deve gritar só pra uma pessoa ouvir
E metade decide se entregar por inteiro
Até que as entrelinhas façam chegar a ti um carro-pipa, que dê carona às asas do teu sonho

Escrever não consegue apagar o que digo em silêncio
E calar não retrocede o que escrevi

Queria ter o poder de fazer com que meu Feliz Natal
Tivesse a imagem acústica de um Eu quero ser teu (ím)par

Mas, a imagem do que sinto é muda
Quer germinar, mas tem receio de que você deixe de estar presente
Quando me ler

A companhia do outro é um livro que abrimos
Numa página em branco, pronta para ser reescrita

Tem uma pessoa que eu gostaria que me lesse
Com diferentes línguas
E tateasse meus gestos
Até enxergar o que sinto,
E que é ofuscante de tão sutil

Porque desde que o conheci
Todo dia tem sido Ano Novo
E a alegria, a despeito da regra ortográfica,

Tem sido acentuada por sua presença

25 de dezembro de 2017

Feliz Natal a Anitta, Sarah Sheeva, Maria Amazonas e demais terrestres de boa-vontade


 Foto: Instagram / Reprodução


Não sou uma princesa formada no curso por correspondência de Sheeva, mas
Peço a Papai Noel que tenha o direito de permanecer sem ser esganada,
Por não ser exclusiva, por querer deixar de pertencer a um só homem

Cristo, obrigado por aceitar dividir sua falta de lugar no mundo com Kuan Yin
Quem acredita na misericórdia é capaz de milagres, mas
Nunca encontra lugar na hospedaria

Espero que os pastores me deixem entregar a Jesus os presentes que trouxe:
Couro, falta de senso e birra, mas
Quebrando essa fina camada de tensão superficial,
Meu coração te oferece sede de justiça, paz inquieta e doçura desértica

Mesmo estando do lado de fora da festa,
Maria colocou o Recém-nascido pra dormir no meu coração
Ele não quis saber de presentes, nem de passados
Entregou-me o esconderijo de uma estrela
E fez de mim futuro, perspectiva

O nojo e o medo fugiram quando Ele chorou pela primeira vez
Fazendo o mundo enxergar o quão mentirosa é a guerra

Isaías me contou que Ele não julga pela aparência,
seja a de princesa ou a de malandra
E que, graças a Deus, não precisa do aval de nenhum Supremo Tribunal

Nenhuma pós-verdade resiste ao brilho do olhar dessa Criança
Que nasceu com a ressurreição tatuada na pupila. 

Nesse Natal, o sol da dignidade, malandramente, deu à luz a mim
E passei a ver coisas onde não havia...
Não havia mais muro, nem lamentação, nem botão prestes a fazer brotar
Rosas nucleares de Pyongyang

Não sou político. Não engulo meus nãos pra angariar eleitores
Ou fortalecer base partidária alguma
Não transformo o Obrigado numa forma velada de dizer: “Fique tranquilo que nunca vou te amar”

Meu sorriso não é brinde de rifa
E, na hora de brindar, meu amor secreto criou o malte mais puro
E depois jogou fora a chave da receita 

Ano que vem, minha árvore de Natal vai ter mais “nãos” enfeitando-a, se Deus quiser,
E ele há de meus nãos querer
Porque antes nãos onde o amor ardente aprende a cantar
Do que Obrigados que se sentem obrigados a mandar cartões de Natal
Com fórmulas vãs de cortesia feitas por trabalhadores escravos
Em algum lugar feito de tempo perdido

Menino Jesus, se eu devo continuar acreditando no amor,
Manda-me um sinal
Porque, de vez em quando,
Tenho vontade de ficar sério pra sempre

O amor acaba comigo,
Mas, antes isso do que achar que a carona

É mais importante do que a companhia do ser humano

17 de dezembro de 2017

Doação ou financiamento coletivo? Os rumos da solidariedade da classe média


Foto: Cláudio Eufrausino.


O gesto de doar uma roupa, um brinquedo usado, algum tipo de alimento poderia ser, antropologicamente, explicado como uma forma de aplacar o sentimento de culpa da classe média que, no Brasil, é classe média baixa: situada numa espécie de ilha que ocupa o centro do abismo da desigualdade social, cujos extremos são ocupados por quem está abaixo da linha da miséria e por quem traz o luxo amarrado aos calcanhares.

A classe média costuma encarar a doação como forma de se livrar do que não serve. A bola doada é murcha, o tênis furado, a roupa rasgada, a boneca descabelada. E nisso não deixa de haver uma válvula de escape para a frustração ocasionada pelo desejo de pertencer à elite, desapontado pela realidade cotidiana, que flerta com a pobreza.

Mas, felizmente, esse estigma está sendo abrandado pelo sopro de um futuro, onde doar significa mais a subversão do que a reafirmação das hierarquias.

Mesmo em tempos de crise, as pessoas de classe média baixa têm feito do exercício de doar uma forma de construir istmos que abram caminho pra elas deixarem as ilhas flutuantes de inércia, que pairam sobre o abismo da desigualdade extremada.

Infelizmente, a classe média também tem o hábito de construir istmos que a comunicam com as elites. Normalmente, o cimento dessa construção são juros do cartão de (des)crédito e no cheque especial calçados em promessas do tipo: “Prometo não me iludir que sou rico”.

O que importa mesmo nisso tudo é que, a despeito do recrudescimento de preconceitos e da onda reacionária que assola o País, a empatia está crescendo entre os brasileiros. Com isso, as doações estão se transformando: deixando de ser compostas por aquilo que “não serve” para se tornar o investimento em algo que toma o lugar do supérfluo nas vidas de quem tem condição de vida melhor.
Aliás, tenho fé que, num futuro não tão distante, o termo doação perderá a conotação improdutiva de “pena” e ganhará o sentido de solidariedade produtiva que está presente no termo “crowdfunding”.

Neste sentido, as redes sociais têm sido importantes aliadas de uma redistribuição de renda que não espera pela boa-vontade de quem pertence a elite, mas cujo coração mora abaixo da linha da miséria.

A doação, em breve, creio eu, ganhará o sentido de financiamento coletivo, mostrando que o Brasil, apesar do fantasma do “jeitinho brasileiro”, é criativo e generoso o suficiente para promover a distribuição de renda sem depender da votação do Congresso Nacional ou da sanção de qualquer usurpador.

11 de dezembro de 2017

Direitos humanos e a questionável reforma da PROvidência


Photo by mlsirac on VisualHunt.com / CC BY-NC

Salvo engano, uma das maneiras de conceituar ideologia é o ato de elevar o particular ao status de universal ou de sonegar a contradição e a parcialidade que habitam as ideias.

No Brasil, o efeito ideológico é nítido quando o debate de ideias aciona a expressão “Direitos Humanos”.

Entra imediatamente em cena o slogan “Direito Humano só defende bandido”.

Conversando com uma prima, no último sábado, ponderávamos sobre a duríssima gestação dos direitos humanos até ser erguida a noção de que, antes de qualquer lei ou pena, existe o pressuposto da dignidade humana, independentemente de posição social, título, faixa etária.

Os direitos humanos, sejam fruto de sistemas legais ou dos costumes, são responsáveis por cultivar verdades que hoje soam “inquestionáveis” e óbvias, mas que, antes do século XVIII, não o eram. O direito a educação, saneamento básico: sim a ideia de que o ser humano tem o direito de beber água potável, independentemente de ter dado sua lua de mel ao senhor feudal, é fruto da lenta e árdua construção do edifício dos direitos humanos.

E antes que alguém me diga: “Queria ver se estuprassem ou assassinassem quem você ama se você continuaria a favor dos direitos humanos”, quero dizer que os direitos humanos têm como função corrigir os excessos e distorções fundados por paixões como o desespero, a vingança, o fanatismo, a tirania e a intolerância.

É grande a probabilidade que, numa situação-limite, as referidas paixões me assaltem, mas o direito humano é maior do que eu assim como o mundo é maior que o feudo, o templo, o partido ou a Igreja.

Se quem comete um crime tem grandes chances de sair impune enquanto um policial em legítima defesa corre o risco de ser punido mais severamente que o criminoso, não é a versão brasileira do código de Hamurabi que vai consertar esta distorção.

Não é expondo o criminoso a torturas, linchamentos e degradação extrema que se corrigirá o vício da balança da justiça brasileira. Afinal, nossas paixões não estão livres de pesarem as coisas de maneira distorcida e míope. Desta forma, o próximo a ser linchado ou tragado pelas torturas de um sistema carcerário sucateado pode ser você ou eu.

Não é o direito humano o problema, mas sim a seletividade expressa numa pergunta que parece arder no inconsciente da coletividade brasileira: “Tal ou qual pessoa é digna de ser considerada digna?”.

É um erro pensar que defender o fundamento da dignidade humana é ser a favor do crime.

Por que não posso ser a favor da melhoria das condições dos presídios e, ao mesmo tempo, achar que os presos deveriam, com seu trabalho, pagar por sua estada na penitenciária?

Por que não posso desejar que o rol de situações legítima defesa, no caso da conduta policial, seja ampliado, sem, com isso, ter de defender a máxima irrefletida de que “Bandido bom é bandido morto”?

Não será a aplicação da tortura ao réu, antes que ele seja condenado, que vai corrigir a falta de intensificar a atuação dos direitos humanos em prol das vítimas, o que inclui a aceleração dos processos judiciais e a revisão da relação desproporcional entre pena e delito.

A Grécia Antiga considerava o estrangeiro indigno de ter direitos.

A Europa considerava os colonos indignos de ter direitos e os escravos indignos de ter personalidade.

O Ocidente considerava as mulheres indignas da maior parte dos direitos que tornam o ser humano digno.

Estamos passando por um momento em que uma parcela da sociedade parece estar escaneando a história humana em busca de “soluções” que indignificam o ser humano, tentando reviver pretéritos mais que imperfeitos.

Não vai ser eliminando os direitos humanos da equação da justiça que se vai torná-la mais justa.


8 de dezembro de 2017

Nossa Senhora: primeira praticante de Aikido


Photo by ekoprobo on VisualHunt.com / CC BY-NC

Maria de Nazaré era uma aikidoca avant la lettre. Ela dosava como ninguém a relação entre tempo e espaço. Exemplo disso está no milagre das bodas de Caná

A mãe de Jesus antecipou o tempo do primeiro milagre,fazendo da precipitação o momento exato como é típico das movimentações omote

Até hoje, Morihei Ueshiba se pergunta como aquela jovem acertou em Cristo um Yokomen uchi, atacando frontalmente. Depois, ele descobriu que Maria se especializara em extrair a dor das espadas. Ela conseguia forjar substituindo as batidas no metal por canções de ninar

Ueshiba tinha ouvido falar de uma mulher hebreia que, em vez de armas, utilizava o brilho da aurora como defesa-ataque e de como, em silêncio, Ela conseguia ser temível como um exército em ordem de batalha

O próprio Cristo se admirara de como Maria sem mover um dedo conseguiu entrar no seu maai, utilizando, com consentimento da revelia dEle, a energia salvífica em favor da humanidade inteira

Ao tomar conhecimento do episódio das Bodas de Caná, Morihei teve a ideia de desenvolver uma arte de luta onde a energia do outro pudesse ser utilizada em favor de ambos

Ele chamou essa arte de Aikidô. Seria uma arte onde as arestas das espadas de dor pudessem ser suavizadas, arredondadas, substituindo o sangue derramado pela energia fluente: Presa na liberdade do Yin; Livre na prisão do Yang

Uma arte onde a interação entre os combatentes reproduzisse o milagre contínuo
Da transformação da água em vinho em água em vinho...


Poema a Nossa Senhora do Aikidô

Dentro de mim, era como uma ânfora
Cujo fundo estava borrado
Por alguns rancores descorados

Quando Maria chegou,
As canas perguntaram a ela o segredo da doçura
E os corações apaixonados fizeram de súbito
Bodas de galáxia

Todo mundo reparou
Que Nossa Senhora não estava com as vestes tradcionais
Em vez de um manto,
Ela usava um hakama onde o azul celeste estava deitado,
Dormindo o ho’oponopono dos justos
E as virtudes das dobras do hakama fluíam
Como ondas de oceano brincando de ser dulçor

Maria pediu que eu me trouxesse
Para as mãos de um aikidoca
Cujas pregas do hakama cor de ave fênix
Eram raios de divina misericórdia
Prontos para saltar de um arco-e-flecha-íris

Num suave Yoko ukemi,
Me derramei no coração daquele homem
E venho experimentando o desafio
De encontrar onde seria o momento de acabar
A chance de ser vinho novo e milagre

Sem esquecer que antes de tudo preciso ser simplesmente água



A Nossa Senhora, a quem consagro a obtenção do 1º Kyu no Aikido.
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