17 de dezembro de 2017

Doação ou financiamento coletivo? Os rumos da solidariedade da classe média


Foto: Cláudio Eufrausino.


O gesto de doar uma roupa, um brinquedo usado, algum tipo de alimento poderia ser, antropologicamente, explicado como uma forma de aplacar o sentimento de culpa da classe média que, no Brasil, é classe média baixa: situada numa espécie de ilha que ocupa o centro do abismo da desigualdade social, cujos extremos são ocupados por quem está abaixo da linha da miséria e por quem traz o luxo amarrado aos calcanhares.

A classe média costuma encarar a doação como forma de se livrar do que não serve. A bola doada é murcha, o tênis furado, a roupa rasgada, a boneca descabelada. E nisso não deixa de haver uma válvula de escape para a frustração ocasionada pelo desejo de pertencer à elite, desapontado pela realidade cotidiana, que flerta com a pobreza.

Mas, felizmente, esse estigma está sendo abrandado pelo sopro de um futuro, onde doar significa mais a subversão do que a reafirmação das hierarquias.

Mesmo em tempos de crise, as pessoas de classe média baixa têm feito do exercício de doar uma forma de construir istmos que abram caminho pra elas deixarem as ilhas flutuantes de inércia, que pairam sobre o abismo da desigualdade extremada.

Infelizmente, a classe média também tem o hábito de construir istmos que a comunicam com as elites. Normalmente, o cimento dessa construção são juros do cartão de (des)crédito e no cheque especial calçados em promessas do tipo: “Prometo não me iludir que sou rico”.

O que importa mesmo nisso tudo é que, a despeito do recrudescimento de preconceitos e da onda reacionária que assola o País, a empatia está crescendo entre os brasileiros. Com isso, as doações estão se transformando: deixando de ser compostas por aquilo que “não serve” para se tornar o investimento em algo que toma o lugar do supérfluo nas vidas de quem tem condição de vida melhor.
Aliás, tenho fé que, num futuro não tão distante, o termo doação perderá a conotação improdutiva de “pena” e ganhará o sentido de solidariedade produtiva que está presente no termo “crowdfunding”.

Neste sentido, as redes sociais têm sido importantes aliadas de uma redistribuição de renda que não espera pela boa-vontade de quem pertence a elite, mas cujo coração mora abaixo da linha da miséria.

A doação, em breve, creio eu, ganhará o sentido de financiamento coletivo, mostrando que o Brasil, apesar do fantasma do “jeitinho brasileiro”, é criativo e generoso o suficiente para promover a distribuição de renda sem depender da votação do Congresso Nacional ou da sanção de qualquer usurpador.

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