Foto: Priscila Buhr |
Até mesmo Kafka ficaria encafifado com os “community
standards” do Facebook, particularmente no que diz respeito à nudez.
A premissa do Facebook para impedir a exibição de nudez é a
de que alguns públicos da “comunidade global” “podem ser mais sensíveis a esse
tipo de conteúdo”.
O Face admite que suas políticas de restrição de conteúdo “podem
ser mais duras do que gostaríamos e restringir conteúdos compartilhados com
objetivos legítimos”.
E por que esta rede social arrisca-se a restringir conteúdos
compartilhados com objetivos legítimos?
Resposta: em nome de uma suposta justiça cujo lastro é a
necessidade de “responder às denúncias rapidamente” com base em critérios que possam
ser aplicados de maneira simples e uniforme.
“Tratar as pessoas de forma justa” com base na aplicação
rápida de critérios uniformes é como abrir uma janela do computador pra
Prometeu e outra pra Jurado.
A politica de restrição de conteúdo do Face acaba reproduzindo
o comportamento que orienta os debates na timeline. Com base num questionável impulso de “fazer
justiça”, acionam-se padrões de “comunidade” (community standards)
preconcebidos, e, ao mínimo sinal de ameaça desses padrões, os debatedores se
unem para crucificar uma opinião, imagem ou outra forma de expressão.
Assim, “fazer justiça” deixa de significar o trabalho de
mergulho nas contradições em busca da promoção do bem-estar comum (ou do mais
próximo que houver disso) para se tornar a demanda por se ajustar com rapidez a
padrões, contemplando de forma precipitada o impulso pela uniformização,
entendida como uma triste equação onde em um lado figura a comunidade “justiceira”
e do outro algum bode expiatório.
Aconteceu isso comigo. Alguém com intenções de quinta e que
optou por deixar a roupa suja no cesto do quarto denunciou uma postagem minha (um
vídeo do YouTube) pelo fato de trazer a imagem da capa de um disco onde a
modelo aparece nua, com os seios à mostra.
Trata-se da capa de um disco de Karina Buhr, que alude à
representação de um orixá.
Lembrei da caça às bruxas, em Salém. Bastava uma pessoa denunciar
alguém por algo que de alguma maneira pudesse minimamente aludir ao oculto que essa
pessoa podia ser convidada a fazer transfusão para a fogueira.
Karina Buhr foi lançada à fogueira do Face graças à
denúncia de um (a) ocioso (a) descarado (a) e eu, como seu cúmplice, ainda fui “alertado” de que
a reincidência neste “crime” poderia implicar o meu banimento das paragens
facebookianas.
A ironia é que as restrições relativas à exibição de nudez têm
como exceção a publicação de conteúdo “por motivos educativos, humorísticos ou
satíricos”.
Então, se a capa do disco de Karina Buhr fosse uma piada,
minha postagem não teria sido removida?
Ou será que, para escapar ao contemporâneo tribunal de inquisição, a nudez de Karina Buhr precisaria arrancar gaitadas dos
censores sem face do Face?
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