Dedico este texto a Antônio Vidal, meu avô e o homem mais parecido com José que conheci
Também a Ana Morais Sena, por seu natalício
Também a Ana Morais Sena, por seu natalício
São José era um homem a frente do seu e do nosso tempo e,
provavelmente, de tempos que ainda estão por vir. Evangelhos apócrifos relatam
que, possivelmente, ele fosse viúvo quando conheceu Maria. Sendo um homem
vivido, sua postura se torna ainda mais surpreendente.
Ele,há mais de dois mil anos, abriu mão da convenção social
de “lavar a honra” diante da suspeita de que Nossa Senhora o teria traído antes
mesmo do casamento. Arriscou sua reputação para impedir que sua amada fosse
dragada por uma das armadilhas mais eficazes já inventadas: a que combina a
tragicidade do destino com a hipocrisia do ser humano.
Isto porque, na sociedade hebraica daquele período, Maria
não teria escapatória. O suposto adultério não poderia sequer ser disfarçado,
pois a jovem estava grávida. Além disso, ela acabaria sendo acusada também do
crime de blasfêmia, ao professar-se mãe do Messias.
José pensou em dispensar, secretamente, Maria, sem
denunciá-la publicamente. Por este motivo, o evangelista Mateus o chama de
Justo. Foi dissuadido por uma mensagem de um anjo que lhe apareceu em sonho.
Esta imagem traz bastante significação indireta. O sonho é o lugar, por excelência em que são
afrouxadas as amarras das convenções sociais. Ao dar ouvidos ao sonho, José não
foi simplesmente hipnotizado ou teleguiado: teve de fazer uma opção. Escolheu
que a convenção social era menos importante do que o amor que sentia.
Por mais radiante que lhe pudesse ser a visão do anjo, ela
perderia o brilho se não encontrasse no coração de José a disposição de
perdoar. Não uma disposição chinfrim e piegas. José topou desafiar as
expectativas alheias e as suas próprias em nome do recomeço, mesmo sabendo que voltar ao marco zero já não fosse possível... Essa também é uma forma de se
enxergar o perdão.
Para todos os efeitos, José estaria se casando com uma
mulher grávida e sujeita a ser considerada pelos outros como “perdida”. Mas,
isso não fez ele desistir de acompanhar Maria no baile da vida.
Permitiu-se ser pai de Jesus, mesmo tendo previamente
consciência de que, conforme as palavras do profeta Simeão, o filho do
carpinteiro seria sinal de contradição e faria com que Maria tivesse o peito “transpassado
pela espada da dor”.
Os evangelhos mostram que Jesus herdou de seu pai adotivo a
habilidade de carpinteiro. E, como é sabido por quem bem o sabe, a transmissão
do ofício de pai para filho não vinha desacompanhada, entre os antigos, dos
ensinamentos sobre como proceder eticamente.
Cristo, a exemplo de José, também desafiou muitas
convenções esclerosadas. Não pelo mero prazer do desafio ou devido a um apelo
iconoclasta derivado de impulsos infantis mal resolvidos. O desafio que morava
nas atitudes de José e de seu filho estava ligado a uma necessidade que a
mensagem do Cristo viria a desvendar: a necessidade de enfrentar o conflito
entre a lei (convenções, padrões, pressão social) e o amor: o guia de rosto
desconhecido, porém familiar, que bate a porta dos corações querendo entrar,
mesmo já estando do lado de dentro.
José, milênios atrás, já vestia a túnica da luta pelo fim da
violência contra a mulher. Era um cavalheiro. Não era machista. Não era um
cavalo batizado com sua esposa. Certamente, a gentileza de José ecoou na
atitude que Jesus teve diante da mulher que, não fosse sua intervenção, teria
sido apedrejada por adultério.
Independentemente da discussão inútil em torno do dogma da
virgindade de Nossa Senhora, pode-se derivar da postura de José com relação a
Maria que ele respeitava a integridade física e moral da esposa, desafiando a
convenção vil daquela época, para quem uma mulher era objeto do homem, sendo
obrigada, inclusive, a aceitar ser estuprada pelo seu dono/marido. E, no caso
de a mulher ser considerada uma “perdida”, deveria aceitar submeter-se ao abuso
masculino, mesmo sem estar casada.
A postura de São José traz codificada muitas batalhas que ainda
hoje são travadas em prol da emancipação humana, como a luta para findar a
violência contra a mulher, a luta para que a doçura e o cavalheirismo deixem de
ser vistos como fatores que aviltam a masculinidade, luta contra o estupro...
José, em sua postura singela de carpinteiro lutava contra a
estupidez, a tirania e a intolerância.
Tratou Jesus como
filho, mesmo não tendo ele seu sangue (isso, levando-se em consideração que o
sangue era parâmetro incontornável de parentesco, naquele contexto).
Decididamente, José não era um cabra frouxo.
PS.: Quem gostava muito de São José era Santa Tereza D’Ávila, a
santa do êxtase místico. Conseguiu ser curada de uma paralisia crônica pela
intercessão dele e dedicou os conventos fundados por ela ao seu amigo.
Tempos modernos - Sílvia Patrícia
Simplesmente José - Mensagem Brasil
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