Nossa Senhora do Ó |
Antônio Vieira admira-se diante da capacidade de Nossa
Senhora que, sendo mãe de Deus, fez-se plena, mas, mesmo assim, trazia, no
coração, lugar para o desejo ardente. Estava repleta, mas o desejo de ser mãe a
preenchia ainda mais. Isto porque, como mãe, a sede pelo que ainda não existia
também vinha compor sua plenitude.
O que Vieira chamava de “imensidade” e nós chamamos de
imensidão não se caracterizava unicamente pela vastidão do que existe. Na visão
dele, participa também da imensidade o “incriado”. É tensa essa questão, pois parece que o
incriado é algo situado entre o infinito e o nada. “Imensidade é uma extensão
sem limite, cujo centro está em toda a parte, e a circunferência em nenhuma
parte”, tenta explicar Vieira.
Uma gota de mistério aplicada sobre esta frase opaca revela
que a imensidade é um tipo de vínculo semelhante ao que une a mãe aos filhos. A
mãe não precisa conhecer o filho para amar e mesmo quando o perde, continuará
conhecendo-o um dia atrás do outro. Falo das mães, mas em certa medida e, dadas
as devidas proporções, isto, certamente talvez, aconteça, nas diferentes
relações humanas.
A repletitude que Nossa Senhora experimenta continua
habitando seu ventre, mesmo depois do parto e das partidas. Maria viveu a
plenitude pelo direito e pelo avesso, experimentada, inclusive e exclusive, no
que ela não foi capaz de compreender, nas alegrias que ela não teve a chance de
vivenciar e nas espadas de dor que a feriram, mostrando os amargores que moram
escondidos na ardência da vida.
Maria foi plena, e permitiu-se ferir a plenitude com seu
desejo de contemplar o mistério que a unia a seu filho: plenitude que pode ser
tudo, inclusive o nada. Certamente, era uma mulher que não tinha medo da
companhia do outro nem da companhia do Outro, pois assumiu o risco de amar,
situando-se entre a vastidão ilimitada do divino e a vastidão (in)contida na ópera subatômica da limitação
humana: ambas, à sua maneira, grafadas pelo mistério.
Maria é ambiciosa, com gentileza imensa, pois ao aceitar ser
mãe do Outro (o Cristo), ansiou por ser mãe do outro (o homem) e, em seu olhar,
ao contemplar Jesus morrendo na cruz, pediu ainda para ser mãe de todos os
outros que ainda estavam por vir e dos que já tinham ido embora. Ambição de uma
rainha, de uma Mulher ou de uma Mãe? Das três, talvez, certamente... Pero, sin perder la ternura jamás.
Nesta linha, dirá Vieira, no Sermão de Nossa Senhora do O (ou
Nossa Senhora do Círculo, tendo em vista que esta figura geométrica é
conhecida, devido a não ter arestas, por estar próxima de uma representação da ideia
de infinito. Não é, por acaso, que esta Nossa Senhora é representada lendo um livro...)
“Quando um imenso
cerca outro imenso, ambos são imensos, mas o que cerca maior imenso que o
cercado; e por isso, se Deus, que foi o cercado, é imenso, o ventre que o
cercou, não só há de ser imenso, senão imensíssimo. A boa filosofia admite que
pode haver um infinito maior que outro infinito, porque se houver infinitos homens,
também os cabelos hão de ser infinitos; porém o infinito dos cabelos, maior que
o infinito dos homens. Pois, assim como pode haver um infinito maior que outro
infinito, assim pode haver um imenso maior que outro imenso.”
Antônio Vieira
Antônio Vieira
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