Rembrandt - autorretrato |
Como é difícil saber o instante em que deixamos de ser antes
e nos tornamos depois ou o instante em que voltamos a ser antes, considerando-se que voltar a ser antes é uma forma de ser depois.
O filósofo Michel Pechêux está (ou estava ou esteve) certo.
Somos (ou temos sido), certamente talvez, paráfrases. Lembre-se que a paráfrase
é um depois que tenta ser antes ou um antes que se esforça invadir os domínios
do depois. Mas, no fundo, a paráfrase é clandestina e o antes e o depois tentam
capturá-la, exercendo seu poder de polícia. Além de eterna fugitiva, a
paráfrase tem de lidar com o peso de ser (des)classificada como um antes que de
tão mal ajambrado parece um depois (ou vice-versa).
Nossa contemporaneidade, pairando entre a amnésia e a
memória total, encontra na paráfrase uma (in)fiel companheira. O novo mais novo
que possa existir traz em si velhice infiltrada e o mais antigo é
espionado pelo futuro e pela informação fugaz, criando novidades dissimuladas
que, diante de espelhos desmemoriados, contemplam seu rosto recém nascido
enquanto se esquecem de seu coração arcaico.
A paráfrase é sintoma do que o
pensador Castells chama de tempo intemporal, referindo-se a como o tempo tem
visto ruir seus três principais pilares: o passado, o presente e o futuro.
Não que estes marcos temporais tenham deixado de existir.
Mas, eles têm se tornado fluidos e movediços e cada vez mais difíceis de
rastrear. Passado, presente e futuro têm exigido de nós esforço crescente para
detectá-los. Reconstituímos seus passos com base em indícios, tendo o tempo tem adquirido contornos de cenário de um crime.
Rembrandt, em sua pintura, trazia a marca da paráfrase. Pintava em diferentes camadas, sendo a "versão final" uma colcha de diferentes temporalidades. Uma determinada imagem pode ser, assim, composta de retalhos de esboços de diferentes épocas que o artista tinha o dom de fazer, por meio de ilusão de óptica, parecerem uma composição homogênea. Fica difícil definir onde começa (ou termina) o passado e o presente nas telas deste neerlandês. As diferentes camadas de tinta davam aos quadros dele um caráter tátil.
Na música, o poder de influência da paráfrase tem se
mostrado com maior potência, mostrando como o presente não consegue se livrar
da suspeita de ser passado (ou o contrário) e o futuro permite-se ser refém de
ambos.
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