Santos Dumont retratado pelo cartunista Leite. |
Minha Família - desenho feito por Santos Dumont em 8/1/1929 |
Inconformado, ele, certa ocasião, ofereceu dez mil francos para a pessoa que escrevesse a melhor obra contra a utilização de aviões na guerra. Mas, a despeito da guerra, das depressões, da esclerose múltipla e outros múltiplos de tristeza, Dumont não abriu mão de se dividir entre os sonhos e os amigos, e, ainda assim, restar inteiro para ambos. A seguir, a reprodução de uma carta de Dumont a um de seus grandes amigos, Antonio Prado, mencionando a decepção pelo fato de o avião ter se tornado arma de guerra:
Fonte: Portal São Francisco |
Presado Amigo
Espero que a minha carta postal tenha alcançado você em
Lisboa e que tenham feito bôa viagem.
Venho te pedir um grande favor: como já deves saber um
senhor senador propoz sem me consultar, a minha nomeação de General! Não só
isto é uma coisa ridícula, mas também parece até sarcástica pois eu em
Fevereiro propuz a abolição da aviação como arma de guerra.
Venho pois te pedir como sei que és muito amigo do nosso
futuro Presidente, para pedir a elle que mande parar tudo isto e mais
homenagens, pois eu como você sabe ando já ha 2 annos doente dos nervos e só
peço a Deus uma coisa é que me deixem em paz. Já aqui estou há __ mezes e não
tenho coragem de sahir (Berne, Divonne e Val-Mont). Desde já te agradeço e
também ao Dr. Washington Luis. Eu não sei quando irei até ahi.
Muitas recomendações à Dª Eglantina.
Saúdades do amigo
Santos Dumont
Monumento em homenagem a Dumont (Saint-Cloud, França) |
Yolanda Penteado não entendeu direito o sentido da amizade
de Dumont por ela. E, por isso, o considerou um excêntrico. Ela nem percebeu
que, não é todo dia, que aparece um amigo que, para ficar um pouco mais a nosso
lado, usa a lua como desculpa. “Vinha todos os dias para jantar e ia ficando,
dizendo que era para ver a lua sair”, declara Yolanda a respeito de Alberto.
Santos Dumont inventou máquinas, mas era a
companhia de Yolanda a fonte de energia que ele precisava para fazer a si mesmo
decolar: “As pessoas que o conheciam melhor diziam que, quando ele me via,
ficava elétrico”, afirma Penteado em sua autobiografia.
A França ergueu um monumento em Saint-Cloud para homenagear
Dumont: uma imponente estátua de Ícaro. Dumont convidou o mesmo Ícaro para ser
o guardião do mausoléu de sua família, o que mostra que, para ele, certamente
talvez maior que a morte ou a vida fosse Ícaro: metonímia do sonho.
Na inauguração do monumento de Saint-Cloud, o desenhista Georges Goursat escreveu para a
revista L’Illustration, homenageando seu amigo Dumont, como se pode ler na reprodução a seguir:
Santos Dumont: primeiro a voar com um dirigível. |
Esse soberbo gênio de formas atléticas, de grave perfil,
que mantém abertas nas amarras dos braços as suas asas, rudemente empunhadas
como dois escudos, simboliza nobremente a grande obra de Santos Dumont: ele
evocaria de uma maneira bem inexata o pequeno grande homem simples, ágil e
risonho, que ele é em realidade. Vestido com um casaco e com uma calça muito
curta sempre arregaçada, coberto com chapéu mole cujos bordos estão em
contrapartida sempre rebatidos, ele nada tem de monumental.
O que o distingue é
o gosto pela simplificação, das formas geométricas, e tudo no seu aspecto
denota este caráter. Tem paixão pelos instrumentos de precisão. Sobre a sua
mesa de trabalho estão instaladas pequenas máquinas de precisão, verdadeiras
jóias da mecânica, que não lhe servem para nada e estão lá somente para o
prazer de tê-las como bibelôs. Ali se vê, ao lado de um barômetro e de um
microscópio do último modelo, um cronômetro de marinha, na sua caixa de mogno.
Santos Dumont: caricatura de Georges Goursat, popularmente conhecido como SEM. |
Até mesmo no terraço de sua vila ergue-se um esplêndido telescópio, com o qual ele se dá à fantasia de inspecionar o céu. Tem horror a toda complicação, a toda a cerimônia, a todo fausto. Assim, que rude e deliciosa provação para a sua modéstia, esta inauguração! Há treze anos eu o conheço; foi a primeira vez que o vi de cartola e sobrecasaca. E, mesmo para essa única circunstância – suprema concessão aos costumes –, suas calças corretamente esticadas cobriam as espantadas botinas. Ao pé de seu próprio monumento, vestido de herói oficial, enternecido de constrangimento e falta de jeito, ele me pareceu como uma espécie de mártir da glória.
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