O filme Anna Karenina, de Joe Wright, realizado quase que
exclusivamente, no interior de um teatro, consegue competentemente gerar a
incômoda sensação de que a vida é uma atriz coadjuvante que, em sua mudez,
oferece o contraponto necessário para que a convenção social ganhe o Oscar de
atriz principal.
Mas, Wright certamente talvez não saiba que enquanto Anna
Karenina veste Keira Knightley, no cinema, nos palcos escolheu como figurino a
atuação de Wanessa da Mata, interpretando a obra de Tom Jobim.
Contudo, a Anna Karenina encarnada por Wanessa da Mata está
despida da cobrança da moralidade instituída por sua época. Poderia, depois de
um divórcio amigável ou de propor a seus dois amores um relacionamento aberto,
tranquilamente caminhar pela orla de Ipanema, onde o sol parece drenar o poder
judiciário que tende a fazer morada no olhar alheio.
Anna Karenina queria ter
feito da bossa nova a trilha sonora de sua vida, mas como ela conseguiria abrir
mão da tragédia, que ficou de fora da poesia construída a bordo do barquinho
que deslizava no macio azul do mar?
Anna Karenina busca a impraticável combinação de um espírito
nu que dança ao som do silêncio com um corpo que, vestido impecavelmente, dança
ao som do louvor e da aceitação dos outros. Desse mal não sofre a Anna Karenina
que, dirigida por Tom Jobim, habita Wanessa da Mata: esta escolheu simplesmente
cantar O que tinha de ser.
Anna Karenina... Se ela tivesse nascido na Bahia e tivesse
sido vestida pela pena de Jorge Amado, teria sido Dona Flor. Jorge Amado, em
sua escrita aparentemente resumida à despretensão e ao bom humor, captou como
funciona a moralidade quando utilizada como mecanismo de controle social. Agir
de modo a satisfazer as exigências morais dos outros é guardar os desejos mais
profundos e ardentes para os fantasmas. Só amando fantasmas é que conseguimos
caber nas molduras da moral estabelecida.
Foi esse o “erro” de Anna Karenina. Ela não conseguiu guardar
sua paixão para um homem invisível. Ambiciosa, quis amar dois homens ao mesmo
tempo, mesmo que tenha acreditado que seu amante era seu único e verdadeiro
amor. Mas, ambição maior foi a de querer, ao mesmo tempo, estar presente como
mãe, amar como mulher e ser perdoada, como uma criança.
Karenina não aceitou aguardar ser esquecida, enquanto
conversava com a tolerância hipócrita na ante-sala da invisibilidade. Mas, não!
Esse texto não é uma saída em defesa de Kariênina ou um insulto à moralidade,
visto que a defesa e o insulto parecem sem efeito quando a sociedade faz dos
veredictos o ponto de partida e o ponto de chegada, abrindo mão do próprio
julgamento.
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