28 de abril de 2013

Ana Karenina canta Tom Jobim na pele de Wanessa da Mata




O filme Anna Karenina, de Joe Wright, realizado quase que exclusivamente, no interior de um teatro, consegue competentemente gerar a incômoda sensação de que a vida é uma atriz coadjuvante que, em sua mudez, oferece o contraponto necessário para que a convenção social ganhe o Oscar de atriz principal.

Mas, Wright certamente talvez não saiba que enquanto Anna Karenina veste Keira Knightley, no cinema, nos palcos escolheu como figurino a atuação de Wanessa da Mata, interpretando a obra de Tom Jobim.

Contudo, a Anna Karenina encarnada por Wanessa da Mata está despida da cobrança da moralidade instituída por sua época. Poderia, depois de um divórcio amigável ou de propor a seus dois amores um relacionamento aberto, tranquilamente caminhar pela orla de Ipanema, onde o sol parece drenar o poder judiciário que tende a fazer morada no olhar alheio. 

Anna Karenina queria ter feito da bossa nova a trilha sonora de sua vida, mas como ela conseguiria abrir mão da tragédia, que ficou de fora da poesia construída a bordo do barquinho que deslizava no macio azul do mar?

Anna Karenina busca a impraticável combinação de um espírito nu que dança ao som do silêncio com um corpo que, vestido impecavelmente, dança ao som do louvor e da aceitação dos outros. Desse mal não sofre a Anna Karenina que, dirigida por Tom Jobim, habita Wanessa da Mata: esta escolheu simplesmente cantar O que tinha de ser.

Anna Karenina... Se ela tivesse nascido na Bahia e tivesse sido vestida pela pena de Jorge Amado, teria sido Dona Flor. Jorge Amado, em sua escrita aparentemente resumida à despretensão e ao bom humor, captou como funciona a moralidade quando utilizada como mecanismo de controle social. Agir de modo a satisfazer as exigências morais dos outros é guardar os desejos mais profundos e ardentes para os fantasmas. Só amando fantasmas é que conseguimos caber nas molduras da moral estabelecida.

Foi esse o “erro” de Anna Karenina. Ela não conseguiu guardar sua paixão para um homem invisível. Ambiciosa, quis amar dois homens ao mesmo tempo, mesmo que tenha acreditado que seu amante era seu único e verdadeiro amor. Mas, ambição maior foi a de querer, ao mesmo tempo, estar presente como mãe, amar como mulher e ser perdoada, como uma criança.

Karenina não aceitou aguardar ser esquecida, enquanto conversava com a tolerância hipócrita na ante-sala da invisibilidade. Mas, não! Esse texto não é uma saída em defesa de Kariênina ou um insulto à moralidade, visto que a defesa e o insulto parecem sem efeito quando a sociedade faz dos veredictos o ponto de partida e o ponto de chegada, abrindo mão do próprio julgamento.

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