12 de junho de 2012

Encontro de Santo Antônio e São Valentim para discutir a DR



Buquê de santos antônios - Fonte: Revista Bella Noiva


O reencontro é o não-começo e o não-fim de toda relação que se preza


A fama de Antônio de Pádua (ou de Lisboa, caso se queira tomar o lugar de nascença como referência), como santo casamenteiro, provém de uma jogada metonímica: trocou-se o fim pelo começo, pois, na verdade, Santo Antônio não se dedicava a formar casais, mas sim a evitar que eles se desunissem. E, como reza a tradição, ele era um especialista em promover a reconciliação amorosa.

Ou, talvez, minha avaliação esteja errada. Sim, certamente, pois as pessoas têm resistido a relações amorosas de duração mais prolongada, a exemplo do namoro e do casamento, por ansiarem pela reconciliação antes mesmo que o relacionamento tenha começado.

É uma angústia que faz sentido até certo ponto. A reconciliação pressupõe, como descreve a filosofia do Romantismo, um abandono, um encontro e um reencontro, que, sob o olhar da dialética, costumam ser chamados de tese, antítese e síntese.

O circuito da reconciliação começa quando a força das circunstâncias nos impele a abandonar as imagens idealizadas: de nós para nós mesmos, de nós para o outro, do outro para nós, do outro para os outros, de nós dois para os outros, etc e tal, tal e etc.

Esta etapa de abandono é sofrível, mas também libertadora. Primeiramente porque, como se pôde ver, o ciclo das idealizações é um labirinto sem fim para o qual não há Ariadne que dê jeito.

Segundamente, porque o melhor, talvez, da relação, chega depois da síndrome da depressão pós-desilusão. É quando os olhos redirecionam a potência idealista para os defeitos, que, dadas as devidas proporções, terminam por revelar sua parcela de charme e encantamento.

É quando - ao percebermos que o outro caiu no sono enquanto falávamos ou esqueceu uma data importante ou deixou escapar de leve um palavrão sutil – nos assalta a confiança de que por trás dos mal-entendidos se esconde um buquê de flores que não murcharão tão cedo, e um carinho que não vê a hora de ser resgatado da ilha deserta da raiva passageira.

Depois do abandono, vem o encontro. Enganou-se quem pensava que o encontro estava no começo da relação. Ele vem no meio. No começo, o que existe é um caos primordial, misturando mistério, expectativa e verdade-mentira ou mentira-verdade. Contudo, sobre o “à primeira vista” paira o Espírito com uma asa de destino e a outra de acaso.

O encontro é aquele momento em que o outro se torna um espelho do pior que parece haver em nós. O mais difícil nessa fase é ter de enfrentar a crise de abstinência do ideal: droga pesadíssima, que se esconde dos olhos para chegar cada vez mais perto do coração. Muitos relacionamentos que acabam, quando não precisariam, é devido a uma sobrecarga de idealização. Projeta-se no outro a idealização do pior de nós e projeta-se no outro a ausência de um melhor que não existe em ninguém. E, como se sabe, a idealização reincidente paralisa o vôo do Espírito.

Neste momento, Ariadne, espera com seu novelo na mão pela indicação de um tratamento para a dependência da idealização. Um remédio que nos dote dos dons taumaturgos de Santo Antônio. Que nos permita estar em dois lugares ao mesmo tempo, ou falar com o parceiro (o/a) sem abrir a boca, à distância e sem meios de comunicação, ou, ainda, ter uma lábia capaz de seduzir até os peixes. 

Sim, por isso elegemos Antònio o santo casamenteiro, por querermos que ele transfira pra nós um pouco desses dons que nos ajudariam a manter a relação na vibe do ideal. E deve ser por isso que, quando nos frustramos, desaguamos nossa porção de sadismo no Santo, submetendo-o a torturas talvez mais conhecidas que o próprio.

Como se sabe, o dia dos namorados é comemorado em junho, no Brasil. Mas também comemora-se em fevereiro, sendo, neste caso, dedicado a São Valentim (Valentine’s day). Ele foi um dos grandes combatentes da abstinência do amor. Protestou contra um decreto de um imperador que impedia os homens de se casarem por acreditar que relacionamentos amorosos drenavam as energias necessárias para as batalhas pelas quais passava o império.

Antes de ser morto, Valentim recebia, na prisão, flores e bilhetes com mensagens de pessoas que agradeciam por ele ser porta-voz dos que não queriam desistir do amor. 

Existem por aí, pairando, muitos decretos invisíveis que pregam a desistência do romance, como uma forma de prevenção contra a prisão da pieguice, do ridículo, da decepção, da loucura, do ______________ (acrescente o que quiser). 

Nada contra a opção legítima de não amar romanticamente, mas é importante pensar se não se está a confundir esta opção com a submissão a algum tipo de coação invisível.

Talvez ou não talvez, um primeiro passo no combate à dependência do idealismo e à dependência da realidade – que tanto ameaçam o fechamento do ciclo da reconciliação – seja o esforço de encarar as coações invisíveis.

Nesse momento, vejo que meu texto não valeu muito, pois soube prescrever a metáfora, mas não o remédio para a dependência do idealismo e, quem dirá, para a dependência da realidade.

Mas, sei (mentira, não sei, mas não custa nada fingir que sei!) que ouvi dizer que muitos milagres atribuídos a Santo Antônio começam quando uma das pessoas que tem medo da reconciliação cede e pergunta à outra - com o pensamento, a palavra, o ato e a missão –  Et toi, comment ça va?” *


* Mas, a simpatia só funciona se a pergunta for feita em francês!





This never happened before - Paul McCartney




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