Buquê de santos antônios - Fonte: Revista Bella Noiva |
O reencontro é o não-começo e o não-fim de toda relação que
se preza
A fama de Antônio de Pádua (ou de Lisboa, caso se queira
tomar o lugar de nascença como referência), como santo casamenteiro, provém de
uma jogada metonímica: trocou-se o fim pelo começo, pois, na verdade, Santo
Antônio não se dedicava a formar casais, mas sim a evitar que eles se desunissem. E,
como reza a tradição, ele era um especialista em promover a reconciliação amorosa.
Ou, talvez, minha avaliação esteja errada. Sim, certamente,
pois as pessoas têm resistido a relações amorosas de duração mais prolongada, a
exemplo do namoro e do casamento, por ansiarem pela reconciliação antes mesmo
que o relacionamento tenha começado.
É uma angústia que faz sentido até certo ponto. A
reconciliação pressupõe, como descreve a filosofia do Romantismo, um
abandono, um encontro e um reencontro, que, sob o olhar da dialética, costumam
ser chamados de tese, antítese e síntese.
O circuito da reconciliação começa quando a força das
circunstâncias nos impele a abandonar as imagens idealizadas: de nós para nós
mesmos, de nós para o outro, do outro para nós, do outro para os outros, de nós
dois para os outros, etc e tal, tal e etc.
Esta etapa de abandono é sofrível, mas também libertadora.
Primeiramente porque, como se pôde ver, o ciclo das idealizações é um labirinto
sem fim para o qual não há Ariadne que dê jeito.
Segundamente, porque o melhor, talvez, da relação, chega depois da
síndrome da depressão pós-desilusão. É quando os olhos redirecionam a potência
idealista para os defeitos, que, dadas as devidas proporções, terminam por revelar sua parcela de charme
e encantamento.
É quando - ao percebermos que o outro caiu no sono enquanto
falávamos ou esqueceu uma data importante ou deixou escapar de leve um palavrão
sutil – nos assalta a confiança de que por trás dos mal-entendidos se esconde
um buquê de flores que não murcharão tão cedo, e um carinho que não vê a hora
de ser resgatado da ilha deserta da raiva passageira.
Depois do abandono, vem o encontro. Enganou-se quem pensava que
o encontro estava no começo da relação. Ele vem no meio. No começo, o que existe
é um caos primordial, misturando mistério, expectativa e verdade-mentira ou
mentira-verdade. Contudo, sobre o “à primeira vista” paira o Espírito com uma asa
de destino e a outra de acaso.
O encontro é aquele momento em que o outro se torna um
espelho do pior que parece haver em
nós. O mais difícil nessa fase é ter de enfrentar a crise de
abstinência do ideal: droga pesadíssima, que se esconde dos olhos para chegar
cada vez mais perto do coração. Muitos relacionamentos que acabam, quando não
precisariam, é devido a uma sobrecarga de idealização. Projeta-se no outro a
idealização do pior de nós e projeta-se no outro a ausência de um melhor que
não existe em ninguém. E,
como se sabe, a idealização reincidente paralisa o vôo do Espírito.
Neste momento, Ariadne, espera com seu novelo na mão pela
indicação de um tratamento para a dependência da idealização. Um remédio que
nos dote dos dons taumaturgos de Santo Antônio. Que nos permita estar em dois
lugares ao mesmo tempo, ou falar com o parceiro (o/a) sem abrir a boca, à
distância e sem meios de comunicação, ou, ainda, ter uma lábia capaz de seduzir até os
peixes.
Sim, por isso elegemos Antònio o santo casamenteiro, por
querermos que ele transfira pra nós um pouco desses dons que nos ajudariam a
manter a relação na vibe do ideal. E
deve ser por isso que, quando nos frustramos, desaguamos nossa porção de
sadismo no Santo, submetendo-o a torturas talvez mais conhecidas que o próprio.
Como se sabe, o dia dos namorados é comemorado em junho, no
Brasil. Mas também comemora-se em fevereiro, sendo, neste caso, dedicado a São
Valentim (Valentine’s day). Ele foi um dos grandes combatentes da abstinência
do amor. Protestou contra um decreto de um imperador que impedia os homens de
se casarem por acreditar que relacionamentos amorosos drenavam as energias
necessárias para as batalhas pelas quais passava o império.
Antes de ser morto, Valentim recebia, na prisão, flores e
bilhetes com mensagens de pessoas que agradeciam por ele ser porta-voz dos que
não queriam desistir do amor.
Existem por aí, pairando, muitos decretos
invisíveis que pregam a desistência do romance, como uma forma de prevenção
contra a prisão da pieguice, do ridículo, da decepção, da loucura, do ______________ (acrescente o que quiser).
Nada contra a opção legítima de
não amar romanticamente, mas é importante pensar se não se está a confundir
esta opção com a submissão a algum tipo de coação invisível.
Talvez ou não talvez, um primeiro passo no combate à
dependência do idealismo e à dependência da realidade – que tanto ameaçam o
fechamento do ciclo da reconciliação – seja o esforço de encarar as coações
invisíveis.
Nesse momento, vejo que meu texto não valeu muito, pois
soube prescrever a metáfora, mas não o remédio para a dependência do idealismo
e, quem dirá, para a dependência da realidade.
Mas, sei (mentira, não sei, mas não custa nada fingir que
sei!) que ouvi dizer que muitos milagres atribuídos a Santo Antônio começam
quando uma das pessoas que tem medo da reconciliação cede e pergunta à outra -
com o pensamento, a palavra, o ato e a missão –
“Et toi, comment ça va?” *
* Mas, a simpatia só funciona se a pergunta for feita em
francês!
This never happened before - Paul McCartney
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