Carl Rose - Mr. Biggott |
No final dos anos 40, as pesquisas de Eunice Cooper e Marie
Jahoda investigaram como os leitores recepcionavam a propaganda
anti-preconceito na história Mr. Biggott, por meio da qual o artista Carl Rose
utilizava o humor/ironia para desconstruir o antissemitismo.
Cooper e Jahoda detectaram uma nova modalidade do
não-entendimento que não está relacionada ao intelecto, mas sim à resistência
de quem lê a ter seus pressupostos abalados. O não-entendimento nesse caso
funciona como mecanismo de preservação da auto-estima ou mesmo de defesa do
orgulho ferido e é chamado de “descodificação aberrante”.
Nessa linha, a interpretação da mensagem é comparável a uma
carga elétrica. Assim como as cargas geram em torno delas um campo elétrico, as
mensagens também se inserem num campo, que pode ser de aceitação ou de recusa.
E a inserção num desses campos pode se dar de maneira aberrante. Isto quer dizer
que a audiência pode considerar a mensagem mais análoga a suas opiniões do que
de fato a mensagem é ou vice-versa. As consequências são, respectivamente, a
assimilação ou o contraste da mensagem.
A descodificação aberrante e seus efeitos de assimilação e
contraste se aplicam ao debate em torno do atual cenário político brasileiro.
Diferentemente dos estudos da narrativa de Mr. Biggott,
seria necessário estudar não a resistência a abandonar o preconceito, mas sim a
facilitação da adesão ao preconceito. Exemplo disso é a proliferação de
mensagens falaciosas cujos comentários nas redes sociais em vez de trabalharem
em prol da reflexão, operam unicamente no sentido de reforçar campos de
aceitação ou de recusa.
É o que ocorre quando a pessoa afirma que uma determinada
figura pública não afirmou ser a favor da pedofilia e surgem comentários
dizendo que ao afirmar tal coisa se está incentivando a pedofilia. Extrapola-se
o raio de ação da opinião alheia vitimando-a com calúnias que, em meio ao caos
abobalhado das redes, passam-se por meros “comments”. E tome curtir e emoticon
pra cima pra disfarçar um discurso subjacente de incitação de ódio.
Em outra direção, tenta-se subjugar o poder de recusa. É o
que ocorre, por exemplo, quando o indivíduo tenta argumentar que é contra o
impeachment quando este remédio não respeita os parâmetros constitucionais e,
pelo simples fato de levantar este argumento, é tachado de corrupto.
Algo semelhante ocorre com a participação nos protestos e a
interpretação aberrante de que quem deles participa é um “brasileiro de verdade”
e quem não participa é “cúmplice da bandalheira”.
Cooper e Jahoda identificaram que o não-entendimento pode
ser máscara do desejo de permanecer aderido a preconceitos. No contexto atual, com
auxílio refinado das redes sociais, observa-se uma espécie de ultra-entendimento.
As mensagens são “entendidas” como mais claras do que realmente o são porque
troca-se a reflexão e o entendimento pela ação de tomar a palavra do outro como
deixa para dar vazão a nossos veredictos pré-datados. A mensagem alheia é
transformada em alto-falante para repercutir o eco enfadonho das podreiras que
jazem nos galpões de nossa futilidade reprimida.
O que Cooper e Jahoda achariam estranho, talvez, é que os
preconceitos difundidos pela descodificação aberrante no momento atual não são
privilégio dos mais velhos. Contrariamente, são preconceitos que se apresentam
ainda mais arraigados no coração de jovens.
Desconfiar do nosso próprio entendimento é sempre saudável,
embora doloroso e muito incômodo. Mas, é um exercício que estimula a liberação
de paz e honradez na corrente sanguínea da sociedade.
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