6 de dezembro de 2015

Uma cantada quase pré-feita



Fonte: Labcriativo


Cantada
Por Cerevenise Stür

Passeando pela beira de um abismo, encontrei uma camisa gola polo e puxei conversa

- É lindo esse rapaz dentro de você. Sim, esse mesmo que não vai ter chance contra o meu beijo.

Acanhada, a camisa quis se deixar abotoar até a garganta de seu hospedeiro

Insistente como sou, perguntei:

- Você não poderia dar uma saidinha com esse Jeans antipático
E me deixar a sós com seu refém? Aproveita e desliga também o samba-canção
Pois nos bastarão os silêncios destemidos, de gemidos, os silêncios gêmeos.

A camisa, a calça e o samba-canção estavam apreensivos, pois à beira do precipício
Havia muitos perigos, dentre os quais o frio, a paixão e o principal: o perigo de alçar voo.

Um par de tênis alados fincou pé e não quis nos deixar a sós de jeito nenhum
Não tive saída a não ser colonizar o corpo nu daquele homem semi-precipitado
Isso porque com um breve piscar de olhos, ele revelou que eu era o donatário dos seus sonhos
E que só alguém como eu teria moral para capitanear sua hereditariedade nesta encarnação e na próxima

Aquele moço nu e calçado me disse ter receio de eu não saber
O momento de rezar a prece do ir embora e
E o de cantar a blasfêmia do retornar

Pense num cabra idiota:
Tinha asas nos pés
Um amor à sua frente
E ficava se preocupando com as roupas que partiram
E com os olhares vigilantes do céu e do abismo


Tudo que eu queria era armar uma cama flutuante
Mandar minhas roupas irem ver se a esquina estava lá em mim
E ficar nu em solidariedade à safadeza daquele par de tênis

Nisso, algumas questões me atormentavam:

- Será que dá trabalho transar voando?
- Será que fazia perigo de o orgasmo nos lançar na estratosfera?

- Será que estávamos sendo justos em desligar o abismo com o nosso fazer amor?

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