Cena do filme "Desculpe o Transtorno". Fonte: Folha de São Paulo |
Calma, não achem que vou confessar ter sido cúmplice de
atentados terroristas ou ataques a pessoas indefesas.
Estamos meio que acostumados a confundir o gesto de assumir
a presença do mal em nós com assumirmos que somos o próprio Mal.
Como lembra Walter Benjamin, existem em nós, ao mesmo tempo,
uma porta que se abre à redenção e uma porta que se abre ao totalitarismo (e,
certamente talvez, a porta da redenção é mais estreita). O pensador alemão alerta (qualquer semelhança com o que
Benjamin disse é mera coincidência): “Não ignoremos os gestos do outro, pois um
gesto pode ser a porta que se abre para a chegada do Messias [representação
alegórica da redenção].”.
Mas, voltemos aos sintomas do Fascismo, nos quais comecei a
pensar depois de assistir a um vídeo de uma palestra da filósofa Marcia Tiburi
sobre o Fascismo e o vazio do pensamento, do sentimento e da ação na
contemporaneidade.
E cheguei a pedir perdão à Virgem por detectar tantas
fagulhas de Fascismo em mim. Posto que, tantas vezes, sinto o desejo de cortar
de vez o canal de comunicação. Mania de antecipar o que os outros vão dizer e
mesmo pensar (se bem que isso, por vezes, é culpa de uma clarividência
hereditária que me espicaça).
E cortar a chance de diálogo não tem tanto a ver com o medo
da contrariedade ou da surpresa. Tem mais a ver com o receio de não saber o que
fazer quando o outro descobre que descobrimos que o controle não nos pertence.
Sinto também vontade de calar como quem tenta fazer do
isolamento um protesto antecipado contra uma tentativa de adiar um suposto
inevitável: refiro-me ao abandono. É a falta de coragem de lidar com a dor de
não ser querido em datas especiais como aniversários, natais, carnavais, sãos
joãos, reuniões de acionistas, eleições, velórios... de cair da primeira divisão dos afetos amigos e também dos eróticos.
O receio de só ser querido no tempo do outro meio que me
aflige muito, ou, talvez, aflija uma das ilhas da constelação fascista que emerge
em mim. Meu amigo Igor estava certo quando me chamou atenção, numa madrugada
bêbada às margens da Avenida Rui Barbosa (Recife-PE-Brasil-América do Sul-Terra),
para o ditador que eu era capaz de ser. Mas, certamente, no céu do meu ser, as
portas do Fascismo não hão de prevalecer sobre as estrelas. Que o
Amém diga Anjos!
Outra característica que Tiburi descreve como peculiar
ao fascista é não suportar que o outro se divirta e que sua sexualidade o faça
ter momentos felizes. O fascista se deliciaria, nessa perspectiva, com o
recalque, repressão dos afetos e da sexualidade. Isso porque amor livre
implica descontrole, um tipo de anátema aos olhos do totalitarista.
Nisso pude respirar aliviado, sem ajuda de Vick Vaporub, pois a alegria alheia em nada (quase) me perturba.
Ocorre que tenho tido medo de ser toda a alegria que posso, toda a ternura que
minha potência Jedi é capaz de ser. Como se sorrindo ou abraçando ou dizendo da
saudade que sinto ou visitando os outros inesperadamente, eu pudesse ser enquadrado
em algum grupo de exclusão, tornando-me vítima dos holocaustos simbólicos que
permeiam nossa cultura.
É bem difícil estar inserido em qualquer grupo como um
divergente, um híbrido: sentindo-se alvo de olhares que te enxergam ora como
digno de pertencer à turma, ora como digno de pertencer ao degredo. Como se os
olhares contemporâneos buscassem abrir no outro, ao mesmo tempo, portas de inclusão
e de exclusão. E, certamente talvez, a polinésia fascista de minh’alma muitas
vezes teme sorrir e prefira pagar o preço ilusório da inclusão reprimida em vez de
assumir o risco de dançar a alegre festa dos que assumem sua parcela de
marginalidade.
Gregório Duvivier, em um texto recente, expôs as
portas de fascismo abertas pelo Facebook. Mas, não esqueçamos as portas de redenção
que também são abertas pelas bandas de lá: os reencontros que, fisicamente, seriam inviáveis;
os lances de ternura explícita, de infantilidade reoxigenadora, de empréstimo
gratuito de experiências e de curadoria recíproca extra-oficial (não só de imagens como
de música e poesia). O Facebook, parece-me, também está cheio de gestos que
funcionam como portas abertas à emancipação humana. É que as portas podem ser virtuais, mas o abrir e o fechar sempre são de carne e espírito.
No mais, fico feliz de ser capaz de seguir uma importante
recomendação de Márcia Tiburi como antídoto ao Fascismo: beijar pessoas do
mesmo sexo: não só na face e fora do Face!.
A Igor Bandim, Renata Vieira e Márcia Tiburi e Gregório Duvivier.
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