Capa da revista Amazing Spider-Man 700 (Marvel Comics) - a revista será lançada para comemorar os cinquenta anos do Aranha |
O Homem-Aranha, criado por Stan Lee e Steve Ditko, talvez
seja o primeiro super-herói que evidenciou o dilema da salvação. O Super-Homem, retrato de uma salvação ferida pela assepsia, salva de forma a tornar o
mundo um cenário devastado pela paz e pelo silêncio.
Já para o Aranha, salvar não significa imprimir seus passos
gloriosos na calçada da memória coletiva. Num caminho contrário, o gesto de
salvar deste super-herói aproxima-se da angústia de saber que se terá de tomar,
todas as noites, de um cálice amargo e no dia seguinte ainda ter de ir para a
faculdade e, nas horas “vagas”, surfar no mar turbulento da vida de free-lancer
como fotojornalista.
Assim como o leitor deve ter perdido o fôlego para
acompanhar a oração precedente até o ponto final, Peter Parker precisa respirar
fundo e vagar por Nova York em busca de preces por socorro, antes mesmo de elas
serem feitas.
Internamente, uma compulsão de fundo cristão –
potencializada pela voz de seu tio que, sem se rogar, usurpa o posto da voz da
consciência do rapaz – convenceu o personagem de que não há como ajudar os outros a ter voz sem se oferecer em sacrifício como um carneiro emudecido
Externamente, Dostoievski e Murphy conspiram para que o
esforço salvífico do super-herói não passe de uma reprodução do gesto “inútil”
de Sísifo. Se bem que, como diria alguém que o disse, Sísifo é um
incompreendido, pois o significado de seu gesto não é fazer a pedra chegar ao
topo, mas sim lapidar sua alma nos altos e baixos da vida...
Peter Parker não tem apoio logístico e por isso fica
impossibilitado de amar. E quando ama consegue deixar os mais próximos a ele
fora do raio de ação de seu poder salvador. Assim foi com Gwen Stacy. Capturada
por um de seus inimigos, o Duende Verde, a namorada do Aranha foi lançada do alto
de uma ponte. Ao tentar salvá-la da queda, laçando-a com sua teia, o personagem
acaba fazendo-a sucumbir aos efeitos da inércia, que quebra o pescoço da
garota.
Há quem diga que a morte de Stacy tenha sido providenciada
porque relacionamentos duradouros contribuem para envelhecer os super-heróis. Faz
sentido, embora o carisma de Parker se deva ao fato de ele ser jovial nos
problemas e angústias; velho, porém, na reponsabilidade e no sacrifício. É um
personagem cujo coração faz pulsar em cada cinco minutos de entrega cinqüenta
anos de amor ou de ridículo: felizmente, a diferença entre estes não pode ser captada por seu
sentido (ou será no sense?) de aranha.
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