21 de fevereiro de 2016

O codinome da rosa: vestígios eróticos na teoria de Umberto Eco

Fonte da imagem: Noticieros Grem


J. Edgar Hoover,  diretor do FBI durante 48 anos e responsável por elevá-lo ao status de principal órgão investigativo norte-americano, foi um convicto e feroz opositor do comunismo. Ele deu um direto de esquerda no homem que amava (Clyde) na primeira vez que ouviu um Eu te amo disparado por ele. Eles eram jovens nessa época.

Pouco antes de morrer, já bastante idoso, Hoover ouviu de Clyde o tanto de mentira e ficção que preenchiam sua autobiografia. Depois disso, Edgar lhe disse que na primeira vez que o conheceu soube que precisaria-confiaria dele-nele pra sempre.

Umberto Eco é considerado, muitas vezes, como um “perseguidor” da cultura massiva, representada por super-heróis, quadrinhos, folhetins. Mas, assim como Edgar Hoover, Eco, por meio de sua reflexão crítica, termina por trazer à luz o amor secreto que sente pelas contradições e paradoxos que habitam a cultura de massa.

Um meio-termo entre a paixão despudorada do alemão Walter Benjamin e a ojeriza deslavada de Adorno: Eco era italiano, mas trouxe para a crítica literária e cultural o equilíbrio insosso, pero eficiente, da escola inglesa, cujo grande exemplo é Charles S. Peirce. Se pudéssemos fazer uma escala de entrega sentimental, teríamos mais ou menos o seguinte:

Benjamin – noite lasciva com a cultura de massa
Adorno – gélido repúdio à cultura de massa
Eco – ternura de um beijo na testa da cultura de massa (a mesma ternura e o mesmo beijo que Edgar Hoover deu em seu amado Clyde por não ter tido coragem de ousar outros gestos de amor mais intensos).

Talvez certamente, a obra de Eco personifique o adiamento do gozo, com seus encadeamentos dotados de uma lógica bela e irretocável. Mas, em todo caso, o filósofo e romancista não consegue disfarçar o prazer de flertar com as duas fasces da cultura de massa: o parasitismo e a promoção. Ele percebe com perspicácia que a cultura erudita e a cultura de massa possuem um vínculo inquebrável e que existe entre elas um tipo de relação que ora tende à cooperação mutualística e ora ao parasitismo.

Essa constatação rompe com a premissa nazista (ou ur-fascista, como melhor reverbera a teoria de Eco) que, até mais da metade do século XX, norteava os estudos da cultura: a ideia de que a cultura era o lugar da pureza e a cultura de massa da mistura degenerada. Na verdade, olhada em retrospecto, toda manifestação da cultura considerada erudita, em algum momento foi vivenciada como cultura de massa. Isso porque, em um dado momento histórico, qualquer expressão cultural é apropriável pelo paradoxo, pelo reducionismo, pelos sincretismos, tendendo à massividade. Do mesmo modo, em outro momento, a massividade é decantada, fazendo com que a expressão cultural se erga envolta pela ordem e hierarquia típicas da chamada cultura erudita. O que Eco fez foi diagnosticar a interação dinâmica entre erudição e massividade no terreno da cultura e como ambas podem flertar com a liberação e com o totalitarismo.

Disso, é possível derivar os dois sentidos dos quais a palavra sincretismo pode se revestir: o de fusão entre expressões culturais díspares como forma de reforçar a inquestionabilidade de mitos de origem; e o sentido de "colmeia de contradições", onde há espaço para que a verdade seja olhada por olhares críticos, em múltiplas perspectivas.

Umberto Eco percebeu que, ao tentar denegrir o massivo, o erudito termina por entregar a paixão secreta que sente por ele e inaugurou uma nova fase nos estudos da cultura e que tenderá a se fortalecer ao longo do século XXI: o estudo de como os opostos necessitam e, de fato, constroem espaços de convívio e de como tiram proveito mútuo do conflito entre eles.

Isso não se restringe aos bens culturais, mas às relações sociais como um todo. É um futuro que se abre para encarar a presença do que é diferente de mim não como um agente estranho que ameaça a homeostase, mas sim como um ponto de mutação, revelador de novas faces de um ecossistema complexo e dinâmico bem distante da noção platônica do ser como entidade perfeita, completa e autossuficiente.


Depois de dizer o que disse ontem, uma nova face do ecossistema do amor se apresentou a mim, com novas espécies de abraços, beijos e fazeres-amor que ainda vou precisar estudar de forma mais minuciosa, com experimentos e trabalho de campo, pra entender melhor.

* Este texto foi revisto e ampliado após a indicação de leitura do amigo Anco Márcio Vieira para o ensaio Ur-Fascismo, escrito por Umberto Eco.

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