16 de janeiro de 2016

O Anjo burocrata e a renovação do porte de Amas


Foto: Cláudio Eufrausino


O Anjo burocrata

Por Linardo Kleto


É seu o meu segredo mais secreto
Você está no sonho onde posso olhar e tocar quem amo
Sem me arriscar a ser preso pelo crime imprescritível de escrever poesia
E pelo inafiançável de causar medo
Nojo ou

Estás na realidade onde posso continuar a ter tua presença
Depois de acreditar que minha presença teria o privilégio de dormir
Abraçada com o teu “Prefiro estar sozinho”

A vontade de te rever faz de mim um péssimo entendedor
Que procura fingir que tuas meias promessas e meios silêncios
Não são uma forma codificada de gritar que não me queres por perto

Fico triste por ser sempre remetente e nunca destinatário
Mas, abro minha garrafa de whisky 35 anos
E tomo uma dose de deserto
Pra afogar um Nilo de mágoas

Depois, emendo com uma diabética taça de dúvida
O pior da dúvida, no meu caso,
É que ela ao se olhar no espelho me culpa
Por se ver refletida na minha cara de bobo, iludido
De niilista degustador de miragens

A dúvida renova meu passaporte
Para a terra onde os gestos de carinho são pena
E os anjos burocratas respiram fundo
Quando têm de registrar na folha de ponto
A obrigação de fazerem sua caridade anual
Tolerando a presença dos que precisam de presença

A palavra escrita, depois de um tempo,
Torna-se o cimento que chuvidifica o esquecimento da voz dos que amamos
O esquecimento e a distância
E o calor humano preso nesse concreto armado
Sente que os outros têm vergonha de demonstrações de amor

- Será que deves renovar o teu porte de Amas?
Indagou-me o serafim burocrata

- Fugir da prisão parece ser a sina das demonstrações de amor. Mas, fique tranquilo. O meu Amas não tem pretensão alguma de violentar o Não te amo de ninguém.

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