Foto: Karla Vidal |
Sair só tem lá suas vantagens, embora, neste momento eu só
consiga detectar a vantagem de poder ir ao cinema depois de meia-noite e não
precisar assistir filme dublado porque sua companhia não gosta de ler as
legendas.
Lembro agora outra vantagem importante para a manutenção do
equilíbrio psíquico: a de não precisar fazer coincidir as agendas e os desejos
dos dois lados da equação (inequação?) chamada Encontro.
Mas, o debate aqui é outro, minha cara Fátima Bernardes!
O objetivo é recordar os casos em que o invisível,
inaudível, porém gritante, sinete da vergonha é colocado no pescoço de quem se
aventura a exercitar a flânerie.
Emblemático o caso
das praças de alimentação dos shoppings que, até pouco tempo, obrigavam os
sozinhos a disputar vagas em mesas de quatro ou mais pessoas. Dificilmente o
sozinho irá topar ser bombardeado por olhares de raiva, ocupando um lugar numa
mesa em companhia de três ou mais cadeiras vazias e ociosas. Não é assim que
funciona na brincadeira da Dança das Cadeiras, ao menos que a música de fundo
seja a da vergonha alheia.
Quando o sozinho dá sorte e acha uma mesa disposta a abrigar
exilados, tudo bem! Porque não tem coisa pior do que ficar com a bandeja na mão
enquanto as maçãs do rosto esquentam e ruborizam.
Tem também o caso mais raro de encontrar uma mesa perdida
com dois lugares. A parte de vergonha que cabe ao solitário nesse minifúndio é
menor quando ele é obrigado a dividir a refeição com um único lugar
improdutivo. E se aparece outro sozinho e o sozinho número 1 o chama pra
dividir a mesa, melhor ainda.
Lembro do caso de uma senhora que chamei pra dividir a mesa
de dois lugares comigo na praça lotada. Ao final da refeição, ela se despediu e
comentou: “Não desista nunca de ser gentil”.
Pois é, e então?
Sobre essa questão da mesa arquitetada para dois habitantes,
os paisagistas parecem tê-la concebido para os recantos esquecidos do “bosque”,
onde somente os garçons de boa-vontade visitam. Se bem que o sozinho que
consegue conquistar a simpatia de um garçom terá nele um aliado fiel.
O sozinho também tem de enfrentar a síndrome do Foi namorar
perdeu o lugar. Falo isso por experiência própria. Pense no constrangimento que
é o indivíduo ir ao banheiro fazer um
mísero pipi e quando voltar encontrar o maitre colocando um casal à mesa em que
você estava, sendo que você havia comido simplesmente uma fatia de pizza.
O sozinho tem de carregar sobre si também o peso da
desconfiança. Mais ainda se desfila sua solidão com recorrência pelos lugares.
A suspeita de que se trata de um mau elemento recai insistentemente sobre o
sozinho, além daquela velha desconfiança de que o sozinho que olha para os
acompanhados lhes quer roubar ou é algum tipo de tarado. Mas, felizmente, esses
casos são mais raros.
Em todo caso, o estar sozinho tende a ser visto como algo
contagioso. E, por isso, os sozinhos são tacitamente convidados a permanecerem
em suas casas, a serem lembrados anualmente. Mas, este é só um dos lados da
moeda. Isso porque o sozinho pode também ser encarado como um lugar de
passagem, como uma estalagem, uma estação de trem ou um albergue espanhol, onde
as pessoas desembarcam seus problemas, confissões, mágoas e depois se vão.
Costuma-se também confundir o sozinho com o solitário. E
acontece como já presenciei de o sozinho entrar numa sala de cinema e ter de
aguentar o comentário de um impertinente que diz: “Deus me livre de ir sozinho
pro cinema. Coisa mais depressiva”.
Bem, se repararmos bem, despindo-nos do preconceito no qual a
ideologia do amor romântico nos molda, o estar sozinho é parte de nossa rotina.
Paramos no meio do trajeto para caminhar sozinhos, para ver o mar e a natureza
e compartilhar de suas solitudes, pra ver a lua. Sei lá, pra ter o prazer de
fazermos companhia a nós mesmos.
Como diria Sartre ou Camus ou outro dos filósofos
existencialistas, mesmo acompanhados estamos sós e os momentos decisivos – o nascimento
e a morte – são eminentemente de solidão.
Estar sozinho e sentir-se à vontade. Estar acompanhado sem
medo de estar sozinho. Eis algo pelo qual este século merece lutar com as armas
do carinho e do respeito.
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