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Você tem café?
- Não sei fazer café, mas posso fazer uma água pra você
Ele percebeu que eu percebi a bobagem que ele havia dito.
Pra diminuir seu acanhamento (o seu rosto dava indícios de que ia ser varrido
da face da terra depois que um rubor atômico floriu na sua maçã esquerda),
emendei com um raciocínio pirata:
Em vez de água prefiro que você me faça uma dose de rum.
A vergonha não passou porque não era bem pela besteira dita,
mas sim pela paixão interdita, que o pássaro mudo não conseguia manter em segredo
E ele, com as mãos feridas por uma gelitude traduzida pelo
olhar cabisbaixo respondeu:
- Unhum
Acho que ele esperava por um beijo com margem de erro de uma
noite de amor pra mais e dois abraços para menos. Mas, minhas estatísticas
estavam tímidas demais naquele momento.
- Um convite chegou endereçado a mim, mas quando o
apresentei na entrada da casa de recepções, ouvi: “Desculpe você não está na
lista dos convidados”. Ainda tentei apelar mostrando a senha, mas, de forma
surreal, ela trazia a data de dali a dois anos. Quando eu ia chorar, senti teu
olhar desfocado se esforçar para me alcançar e traduzir aquele mal-entendido.
Minha carência escolheu uma interpretação para desacreditar. Ele havia
predatado em dois anos o momento de me reencontrar. Havia sido convidado para o
futuro dele?
Ele me fez uma dose tripla de água e eu não sabia como
respirar perto dele. Meu círculo de Krebs tinha furado e eu estava sem estepe.
Mesmo assim, meu coração, como uma pradaria, com pés e mãos amarrados, estava a mercê da língua dos ventos. Meu coração se percebeu vestido e teve vergonha
porque não entendia o que aquilo significava. Mas, aqui é o lugar de expor as
vergonhas dele e não as minhas.
- Meu rosto era bonito, mas tudo estava no lugar errado.
Meus olhos tentavam falar, meus ouvidos ver e minha palavra tentava a fina
força ser tato. Meu abraço estava a dois centímetros de você e minha coragem a
dois trilhões de anos-nuz.
Tenho certeza de que ele se perguntava como faria pra fazer
um sexo oral diferente dos que eu já havia recebido. Como a língua dele
traduziria meu sexo taciturno?
Mesmo sendo poliglota, ele provavelmente não conseguiria me
demover do vício do tédio
- Posso tocar no seu colo com sua mão em cima pra evitar o
risco de tocar alguma melodia inapropriada?
Quando a mão dele me perguntou isso, não acreditei que ele pudesse
ser tão tímido. Os pensamentos dele se perguntavam se era mais errado beijar
meu corpo sem ou com roupa? Mas o problema não eram as roupas, nem os beijos. O
problema era que ele havia me beijado sem lábios, me abraçado sem abraços e eu
havia chegado ao ápice assim mesmo.
Ele jurava que conseguiria continuar amando-me em segredo
sem que eu soubesse. Jurou no pé do meu ouvido enquanto meu beijo pedia para
ser brinco em sua orelha.
- Quando termina o prazo de validade do teu Nunca Mais Me
ligue? Ou, reformulando a pergunta: Quando teu Nunca Mais vai mudar de
telefone?
Ele insistiu, uma, mil vezes. Não tinha vergonha do que
todos achariam uma vergonha.
Continuou insistindo, três, duas vezes, -1 vez...
E eu o deixei chegar bem na margem do abismo do desistir. Ri
dele um pouco, porque seu destemor desmantelado era um convite antecipado ao
gracejo. Mas o riso disfarça sua habilidade de ser frágil disfarce do medo e da
dor (de vê-lo mergulhar no Desisto). Não queria vê-lo imerso no Desistir de
mim.
Fazia tempo ele não me telefonava. Meu estar nem aí não
conseguia roubar de mim a horrível sensação de seguir afogado de oxigênio como
acontece com quem não sabe assumir a saudade que sente.
- Cheguei na hora, dessa vez? Segui o que estava subscrito
na senha ao pé da letra, mesmo não sabendo traduzir com exatidão tua língua.
- Você teve coragem de vir, depois de dois anos, seu
imbecil? Você teve coragem de vir, depois de dois anos, meu imbecil?
- Vim porque o futuro me convida e pra entrar na festa dele
tive de jogar fora a senha
- Onde fica o carinho que quer te nocautear até eu não ser
mais capaz de vencer?
- Do lado de fora do nojo, do medo e dos paratextos.
- Chega o menos longe de mim que você puder
- Chega o mais perto de mim que você não puder
- E se a festa não me quiser nela?
-E se ela quiser?
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