Primeiro livro da escritora paraense-pernambucana, Iara Lima, explora a transição entre corpo e memória, entre jornalismo e literatura
Por Cláudio Eufrausino
A escritora e abolicionista Iara Lima apresenta seu primeiro trabalho como tradutora do caos. Tradução não juramentada, como convém ao que ela e Augusto dos Anjos chamam de “Cartas de Lua e Silêncio”, reunidas no livro Caos Telúrico, cujo lançamento foi num dia 30 de abril (dia da desmentira), na Galeria Café Castro Alves, coração da Rua do Lima (refúgio da autora na capital pernambucana). A obra, além de cartas, traz crônicas e contos e parece inaugurar um novo gênero literário: o doc-confissão (documentário confessional).
Paraense por nascimento e pernambucana por opção, Iara Lima faz seus textos se confundirem com os lugares por onde passou sejam eles cidades, memórias, impressões ou a mistura destas diferentes fases da lua (rua) dos afetos.
Ao longo das páginas, a Presidente da República dos Cães Sem Dono (alcunha que ganhou por abrigar em sua casa amigos desiludidos amorosamente [que, após o saudável convívio com a autora, costumam reabrir os relacionamentos com chave-de-ouro, além de aprender a apreciar um bom samba e a degustar um belo quarto crescente]) confessa pecados “terríveis” como o ódio que ainda hoje sente pela boneca Barbie, transformado em deixa para reflexão sobre a cultura patriarcal. Com requintes de cruel arte, Iara teoriza sobre os “cafuçus” e aconselha as mulheres: “Realize sua fantasia sexual e deixe a história te surpreender”. Caso o silêncio seja a melhor sobremesa que o homem tiver a oferecer depois de uma noite de amor, a dica da autora é: “Deixe-o só. Nu. E com a conta do motel paga”, hashtagueia.
A exemplo do clima amazônico, o eu-lírico de Iara Lima oscila entre a “menina vestida de chuva” e a “mulher vestida de sol”: “Fui menina, mulher faceira de noites tardias e esperanças vãs. Fui vinho e Silêncio, também Lua e torpor a galgar a madrugada e esperar por tuas mãos, boca, pelo, êxtase e ausência. Sempre à tua procura e minha perda”.
Em vários momentos, o leitor sentirá o prazer de ser provocado a desvendar se o texto é uma notícia, um sonho ou um sussurro de alguém que acha, no meio do fazer amor, tempo para refletir filosoficamente sobre a condição existencial. Nos ajudam nesse desvendamento os doces fantasmas dos autores que, implícita ou explicitamente, influenciam a escrita de Iara, a exemplo de Oscar Wilde,Nelson Rodrigues e Antonio Maria, com quem aprendeu a brincar o sentimento e narrar o carnaval.
Em uma das passagens (do livro ou, quem sabe, de Paris), a jornalista afirma que a Dor é livre e indivisível: não se doa ou se toma emprestado. Talvez esse trecho careça de revisão, posto que Iara Lima consegue dividir conosco suas dores, olores, prazeres e inteirezas, numa obra digna da 1ª Divisão do Brasileirão de Literatura: com as bênçãos de Baby (Consuelo?), Dalida, Serge gainsbourg; Noel Rosa e das milícias celestes do Jazz.
O livro Caos Telúrico pode ser encomendado via Internet no site da Nuvem Produções.
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