8 de junho de 2014

Capítulo 3 – A primeira aparição do anjo de Táchira ou O que adianta, seu idiota?


Castiel's Wings 


by
 AmericanAngel117

Depois de derramar a última gota de vazio de sua (minha) taça, o anjo de Táchira perguntou:

O que você pode fazer contra mim, idiota,
Agora que está desarmado, sem poesia, preso por trás do escudo da saudade
Escudo impenetrável que nos torna vulneráveis a tudo, incluindo ao nosso próprio existir?

E, como se sabe, os anjos perguntam em Francês, respondem em Português, afirmam em Trovão e nós, que não somos anjos, ouvimos em Silêncio: o idioma mais intraduzível, mais fel.

Parecia não haver escapatória para aquele mortal acorrentado ao mistério que diante dele respirava e pestaneja, com cílios suicidas, saltando do alto de olhos castanhos acobertados por cabelos cor de sombra-enigma e jeito de passaporte espião. Os ataques daquele anjo eram indefensáveis. Ele atacava com uma espada que ao atingir o corpo do oponente desdobrava-se em dúvida e indecisão: onde ela tocava, não se sabia se o resultado era ferimento ou carícia. O ponto, ao ser atingido, virava reticências e não sabia mais se era corpo ou espírito. Presença, ausência e presença-ausência eram os gumes da espada: igualmente afiados pela pontualidade britânica, pela neutralidade suíça e pela oscilação brasileira.

O peito do rapaz, atingido pela espada daquele anjo, começou a jorrar sangue furta-cor. Cicatrização difícil, não por conta da ferida, mas por conta do carinho: este sim difícil de curvar a qualquer anticoagulante. O rapaz tentou contra-atacar com uma oração roubada de um olhar distraído de paixão que o anjo deixara escapar de um luminoso soslaio. O contra-ataque não surtia defeito, mas se tornava inútil, porque, quando o mortal atacava o anjo que amava, o coração do anjo trocava de lugar com o do mortal. O resultado é que o mortal tinha seu próprio coração transpassado, mas não conseguia morrer. E a dor aumentava porque o mortal sentia o coração de seu amado batendo dentro de si, o que fazia o seu amor crescer como uma espécie de eco. E há quem diga que se chama saudade o eco de um amor que sussurra num coração exilado em peito estrangeiro.

Seguiu-se o interrogatório do anjo nesses termos:

O que adianta, seu idiota,
Você induzir o meu desejo e não deduzir o meu descaso?
Adianta comprares pra mim asas de Castiel no mercado áureo do sobrenatural?
Se tudo o que conseguirás é carimbar o passaporte do meu desejo de estar longe de ti
{E por que me assalta a felicidade de descobrir que este passaporte foi vencido?}

De que adianta tentares tocar o meu coração quase transplantado {quanto desplante!}
Se antes de teres meu coração nas mãos, prefiro doar meu abraço a um fantasma?
Não adianta leres meus pensamentos, idiota! Pois nas entrelinhas da minha {se}mente
Tua lembrança é uma profecia expulsa das mãos do meu quiromante querer
? O que adianta emprestares aos anjos meus cabelos negros et mon terrorist visage blanc
Se peço à estrela D’alva que o amanhã contrabandeie a descoincidência de nossos hojes
E compre com juros e incorreção a promessa de que nunca voltarei a te encontrar
Nem mesmo no pretérito mais-que-perfeito?

O que adianta, idiota, teres o meu amor
Se já o tens?
Adianta, idiota, semeares o nosso futuro abraço radiante de presença, regando-o
Com os abraços que te envio, sem remetente, de meu endereço errante?
O que adianta, idiota, eu sentir-me tão lindo e amado à luz de ensaiados desencontros
O que adianta, idiota, se eu te amo e durmo contigo o orgasmo dos justos, sem bombas, sem asma, com alma e tudo mais?
Se vou arrumar um jeito de teu abraço esbarrar comigo
O que adianta, idiota, sentirmos saudade um do outro?
Se espero pelo dia em que descansarei meu jeito sisudo no teu carinho
E tu descansarás tua idiotice no meu fazer amor que finge estar nem aí quando, pra ti, inaugura, todas as manhãs, um “Estou aqui”
De que adiantam tuas viagens poéticas
Se já está marcada nossa ida à França (depois de nossa ida à capital de Táchira)
Onde esperaremos de mãos dadas pela perda do avião e pela decolagem do sol?
O que adianta, idiota, achares que eu te desprezo,
Se minha espada foi desafiada por teu amolado afago

O peito do rapaz mortal devolveu a espada ao anjo de Táchira e ouviu-se uma música instrumental cantada à capela. O anjo quase desmaiado teve o rosto amparado pelo ombro do mortal. Depois disso, o anjo vomitou naquele ombro. Uma sede de carinho tomou de assalto aquele instante do tempo. O mortal tirou sua camisa branca e limpou os lábios do anjo e fez um carinho em sua nuca. E adormeceram juntos: fim do primeiro round!

Epílogo
A poesia toca sem ser tato
Ouve sem ser toque
É meu jeito de te ver estando longe das segundas e das quartas-feiras
E dentro da saudade
Porque quando lembro de ti
Os engarrafamentos se transformam em céu límpido

E meu batimento cardíaco deixa de ser pressa e vira desabrochar

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