17 de junho de 2014

Quem vai te amparar enquanto cais, Pequena Estela?


Foto by Pedro Escobar



A Pequena Estela depois de completar 156 anos de idade (longevidade invejável) foi obrigada a se entregar, a se tornar uma estrela cadente que atenderá, a pulso, o desejo dos donos dos desejos.

“Qual o cúmulo da alienação?”, indagou Karl?

E nós, que vemos a história se repetir como farsa respondemos: “As estrelas cadentes serem obrigadas a atender desejos sem, nunca antes na história desse país, terem tido um desejo seu atendido”.

Não bastou ter ficado órfã logo ao nascer quando viu sua mãe ser atropelada por uma railway e seus parentes próximos tombarem diante de balas de aço hipertrofiadas que fingiam ser fogos em homenagem a Dantas Barreto.

Agora, querem que a Pequena Estela fique mais bonita e, para isso, propuseram-lhe, à força, arrancar-lhe a cicatriz que carrega nas costas, cicatriz que lembra, tão longe e tão perto, uma estrada de ferro.
Estranha nostalgia que eleva antigos grilhões de ferro disfarçados de estrada ao status de patrimônio histórico

Estranha modernidade que faz sentar a sua direita o passado resgatado e à sua esquerda o passado condenado:

- “ Cristo ou Barrabás?”
- “Por que não os dois, oras?”

Mas, os que pedem a pena de morte para a Pequena Estela não são entusiastas da modernidade. São antes filhos de uma pervertida nostalgia: nostalgia das muralhas que, no Medievo, erguiam-se para isolar a Nobreza da vida pútrida do forisburgo.

Querem culpar os Campos pela sentença de morte contra a Pequena Estela. Mas, não seriam as Mouras as culpadas? (mas, neste caso, tanto a pergunta quanto a resposta estão lá fora e não refugiadas em alguma Aldeia) Lembremos que as Mouras, na mitologia, são a personalização da fatalidade a que estariam sujeitas todas as pessoas e todas as coisas do mundo (foi Houaiss quem disse). E, como é sabido por quem bem o sabe, o mundo que começa em Arrecifes acredita que todos devem se submeter aos ditames do destino que, em sua versão contemporânea, insiste em adotar nomes grandes à moda do Império, como: Levantamento Estatístico amparado por Estudos da Paisagem.

Menos de cem pessoas tentaram impedir que a Pequena Estela fosse presa, trancafiada em sua própria liberdade. Mas, na madrugada do dia em que o mundo parou à espera de um zero-a-zero, a Pequena Estela foi proibida de receber visitas íntimas.

Ironia: pequenos comerciantes falidos ainda não engoliram completamente a falência travada em suas goelas por falta de proteção e, no dia em que a Terra parou por ordem da Presidenta da Ilha de Vera Cruz, todo o efetivo do Maracatu Leões do Norte P. M. (Pró-Mouras) reuniu-se para convidar, com balas de efeito imoral, menos de cem a pessoas a se retirar da Liberdade da Pequena Estela: liberdade inafiançável.

E, do lado de fora da liberdade da Pequena Estela, um rapaz por ela apaixonado exibia suas cicatrizes que algumas pessoas tentam atribuir a balas, quando, na verdade, são devidas à borracha: e, portanto, a culpa de tudo que aconteceu hoje, incluindo o zero-a-zero que empatou a Terra de seguir em frente: tudo foi culpa do Orbignya phalerata, ou coco-do-macaco, popularmente conhecido como Babaçu.

Pequena Estela, só menos de cem pessoas te acompanharam até o fim, armadas somente de liberdade, até os Dantes, diante de uma Mãe que está cada vez menos gentil. Onde estavam os outros tantos que, em jovens tardes de domingo (quantas alegrias) juraram te apoiar enquanto mijavam secretamente em tuas costas o excesso de Pilsen que tomavam enquanto faziam do gesto de protestar um passatempo, um tipo de Paintball?

Mas, nenhum dos gestos das menos de cem pessoas que continuam resistindo é inútil porque os pequenos gestos são a pulga atrás da orelha das tiranias, já dizia Santa Rita em suas pregações a beira do cais.

“Onde termina o fim?”, indagou a Pequena Estela e o apito do trem invisível se fez ouvir após o silêncio dos fogos de artifício, que estrondou o Mundo empatado pela Rainha de Copa.



ESTRELA CADENTE



Vê os navios no cais,
Suas grandes velas,
Sua formosura, sua grandeza.
Há tantos navios pelo cais!
Passam os navios
Pelos peixes, pelos mares.
Vê o caminho onde vais,
É uma partida, é um cais,
Seu navio é uma crença! A esperança...
Sim... é seu o grande navio interior.
Há tantos navios pelo cais,
O navio da concórdia
Passa vencendo tempestades,
Homens e grandes animais.
Vê o navio em que vais,
É um segredo, um apelo...
Vê o navio em que vais!
É uma célula, um ser vivente,
É uma estrela cadente na beira do cais.

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