Passados trinta anos e, finalmente, chegou a primeira vez
que minha pressão baixou ao assistir um filme “triste”. Mas, estranhamente ou
não, o filme triste ao qual me refiro não era propriamente triste. Acho que o
que fez minha pressão baixar foi o fato de não estar acostumado com a oscilação
entre tristeza leve (leveza de roupa colorida ondulando cheiro de amaciante no
varal ensolarado) e tristeza profunda (roupa cor de luto estacionada num
guarda-roupa sem saída).
Mas, devo dizer que A culpa é das Estrelas, inspirado no
romance homônimo de John Green, oscila com desenvoltura entre as duas tristezas
supracitadas. Tanto que fica até parecendo ser um filme mentiroso, quando, na
verdade, é uma ficção: aquela mãozinha dada pelo fingimento para que verdade
e mentira se deem as mãos na tentativa de tornar o mundo maior,
ajudando-o a descaber-se em si mesmo.
O câncer acaba se tornando um tema transversal da história,
pois o assunto principal é o modo como seres humanos impacientes (independentemente
de estarem doentes) procuram trazer paciência e eternidade para uma vida onde
não se sabe ao certo o momento em que a fase terminal chegará de fato a um
termo. Pois, como dirá o personagem
Augustus (Gus) não se sabe ao certo o último dia em que estaremos bons (bom
nesse caso significando sadio).
Hazel, a personagem principal, é uma garota realista que se
permite apaixonar por Gus um rapaz que, por seus sentimentos, pertence ao
gênero épico e por sua virgindade, pertence ao gênero fantástico ou, talvez, ao
gênero realista, pois como dirá ele, as pessoas têm alguma dificuldade de
querer intimidade com alguém que está tentando sobreviver e não tem uma das pernas.
Augustus tem medo de ser esquecido e, a exemplo de Ulisses, gostaria de ter
tempo para realizar atos memoráveis. Hazel está certa de que o esquecimento* é
inevitável. Mas, esta divergência ideológica não impedirá que eles se aproximem
e nos façam esquecer o estigma que as doenças costumam acionar, como se fossem
capazes de roubar a capacidade de podermos nos sentar à mesa no banquete da “normalidade”.
A filósofa Susan Sontag escreveu um livro onde fala sobre
como maior que a dor causada pela doença é a dor causada pelas metáforas que
associamos às doenças, em particular ao câncer e à Aids. A maior graça de A
culpa é das estrelas - graça que deve ser garimpada em meio aos inúmeros
clichês de fofura que causam vergonha alheia tendo como música de fundo os
fungados de choro de nossos companheiros de plateia – é como o filme revira de
cabeça pra baixo as metáforas associadas à doença, mas também ao esquecimento e
à eternidade, seja ela grande ou pequena.
Cena do filme Malévola |
E, nesse movimento, as metáforas associadas ao bem e ao mal
podem ser revistas. Será preciso dar um desconto a Malévola que não consegue
efetuar a revisão metafórica do bem e do mal com a complexidade de um Fiódor.
Mas, o filme nos faz pensar sobre certos instantes decisivos em que parece
inevitável o convite ao abandono do amor. O filme traz também reflexões sobre o
descompasso entre o gesto (que parece decidir pelo abandono do amor) e a
atitude, que desmente o significado pontual do gesto. O testemunho de Malévola
explora este conflito entre a pontualidade do gesto e a complexidade da
atitude.
*Achei massa aprender uma nova forma de dizer esquecimento
em Inglês: “obliviation”. Mentira, eu já sabia, mas havia esquecido que
sabia...
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