Fonte da imagem: Pátria Amada |
Ele se deu conta de que as pessoas o olhavam desconcertadas
E procurava em pelo menos um dos alunos um gesto ou palavra que pudesse
consertar aquela atmosfera, aquele calor de corda de violino rompida que
continuava percorrendo sua melodia com um toque frio de medula desafinada
Teve de pedir licença porque depois da primeira onda de
perplexidade, o farfalhar de risos trazia um quase silêncio que se sobrepunha a
seus pensamentos
Demorou uma semana para que ele começasse a se dar conta do
que estava acontecendo
Não havia como continuar dando normalmente as aulas de francês porque
toda frase falada por ele em francês desaguava em forma de um verso de amor para a pessoa que de fato amava, mas a quem todos os gestos e palavras tinham por hábito fingir com perfeição
o inexato, cru e nu contrário.
Mas, o fingimento perdeu a capacidade de ser traduzido para
o francês
Nos pensamentos, ele conseguia elevar o refinamento do
fingir à máxima potência,
Mas, o seu francês o traía e desescondia o amor imenso que sentia
Nunca tinha fugido de seus lábios um falar tão irretocável,
Que fazia o seu vernáculo parecer uma pobre porta de
desgastado verniz
Quanto mais ele se esforçava para dizer o contrário do que
sentia,
Mais suas palavras escorriam uma poesia que de tão bela e
sincera conseguia
Trazer para a memória de quem o ouvia os mais belos versos
de amor jamais ditos, lidos ou decalcados
E chegou um momento em que o próprio silêncio não conseguia
mais se manter intraduzido
A tentativa de calar o amor que sentia fazia com que o
silêncio desabrochasse em lindos gestos franco-venezuelanos de amor
Gestos que não rimavam com seu convencional egoísmo, eram
gestos de coragem, de louvável sacrifício, de encantadora chatice e todos terminavam com uma assinatura telepática, abrindo ao longo das ruas
outdoors feitos de miragem, propagando com indecorosa sutileza o amor que ele tentava esconder.
Mas, ironicamente, a pessoa que ele amava havia perdido a capacidade
de ouvir em francês e quando o ouvia em português, tudo o que era dito
transpirava um ódio avassalador, como se as palavras o desconvidassem para a
festa e os silêncios o convidassem a se retirar dela.
Um era dono de um francês impecável que fazia coexistirem
num mesmo sintagma a impropriedade e a inocência de uma liberdade quase
imperdoável
Outro era desprovido de ouvidos capazes de ouvir este
francês e provido de um coração que ouvindo um simples Je t'aime se contentaria com o que aquele Nobre tinha a oferecer: atenção alemã, sexo russo (?), gostosura de um milagre congestionado em Táchira, gostosura que só ele tem (e quem disse que há texto imune a um estranhamento sidney-sheldoniano) e calor humano da Zona Sul (ZS).
Mas, foi necessário este descompasso entre o falar e o ouvir desses dois que se amavam para que os olhares dos
dois tivessem finalmente coragem de se cruzar e o abraço dos dois tivesse chance
de amortecer a colisão de suas distâncias e o sentimento dos dois tivesse fôlego para
inaugurar a coincidência entre seus lábios. Foi quando o Francês e o Português voltaram a funcionar normalmente: bem a tempo
de abrirem mão do sentido e celebrarem o começo de uma história de amor que,
nos sonhos, nos silêncios e nas poesias já era uma velha adolescente.
Tenho receio de que chegue o apocalipse antes de o mundo
acabar,
antes de ele se tornar pequeno o suficiente para que eu te
reencontre
Quando a greve dos policiais acabou, quis submeter o tempo
A uma intervenção cirúrgica
E extrair dele
Os cálculos que pudessem impedir teu sentimento
De inaugurar a coincidência de nossos lábios, lá onde as
vidas renascem num simples acordar
Mas, tive, de cor, a sensação de que um arrastão tinha
roubado as anestesias todas
E mais alguma
Se bem que, se tu me deixares segurar tua mão em meu carinho
E se meu afago Puder caminhar pelos canyons de tuas
sombrancelhas,
A dor do Recife será a menor das Américas
Quero descobrir como é te ver de volta da França ou da
Venezuela
E deixar o aeroporto de Barcelona com inveja do sol
Que nascerá do nosso abraço
Tenho tanta vontade de sorrir pra ti,
Só fico preocupado que isso te envergonhe
Como te envergonhou a flor branca que te devolvi
Porque ela sempre esteve, em teu rosto lindo, plantada
E em tua alma linda (que ainda hei de conhecer) colhida
Te conhecer fez a terra em mim ressuscitar
E libertar do cativeiro a flor que deixaste plantada
esperando
No meu ontem
Que, desde aquele 11 de setembro (?) mudou completamente
As torres caídas em mim se reergueram e as guerras em mim
Foram rebobinadas
Acho que no começo posso ficar meio sem jeito perto de ti,
Trocando os pés pelas mãos
Se bem que este intercâmbio poderia ser proveitoso
Pois, desde sempre (?), quero que, ao menos um dia por
semana (mês ou etc)
Uma parte de mim se torne mãos (bobas de preferência)
E desatem a espionar teu corpo
Nenhum comentário:
Postar um comentário