The dead money Fonte: ReverbNation |
Ontem, em entrevista do Programa do Jô, José Garcez Ghirardi,
especialista em Shakespeare, falou sobre como nossa época se parece com a do
dramaturgo inglês. Segundo ele os períodos pré e pós têm mais em comum do que
sonha nossa vã filosofia. Shakespeare está situado no pré-modernismo (entre
Idade Média e Idade Moderna) e nós no pós-industrialismo (entre o Capitalismo e
?).
Apesar de o Index Librorum Proibitorum da Academia ter
decretado que a discussão sobre prés e pós é algo ultrapassado, fica desta
discussão um aspecto fundamental observado por Ghirardi: o de que vivemos um
descompasso entre nossas atitudes e nosso repertório simbólico. O estudioso
exemplificou isso com o rito do casamento. “Mesmo não sendo dada mais a mesma
importância a questões como a virgindade e o código da Cavalaria, que pressupõe
a mulher como subordinada ao homem, persiste a valorização do ritual
matrimonial, com a representação clássica da mulher como dama virgem vestida de
branco e à espera de seu cavaleiro no altar”.
Esse descompasso também houve na pré-modernidade, com
Shakespeare. Eram homens e mulheres com uma subjetividade já moderna, ferida
pelos valores do Renascimento, mas que estavam cercados do repertório simbólico
do período medieval. Resumo da Ópera: os repertórios simbólicos da sociedade têm
dificuldade de acompanhar as transformações da nossa subjetividade.
Esse preâmbulo foi um atalho pra chegarmos nas pesquisas de Jeremy
Rifkin, que acaba de publicar seu novo livro "The Zero Marginal Cost
Society" ("A Sociedade do Custo Marginal Zero"). Nesse livro,
Rifkin discute sobre como a intensificação da produtividade e o desenvolvimento
de novas tecnologias e das novas formas de interação humana mediadas por
tecnologias, tende a tornar o Capitalismo desnecessário.
Num futuro não muito distante, algo por volta de 2040, cerca
de 80% das energias serão renováveis. A Internet e as tecnologias
comunicacionais tornam a difusão da informação cada vez maior, a um custo cada
vez menor. O compartilhamento de bens, como casas e carros, cresce em ritmo
acelerado. O que o pesquisador chama de Internet das Coisas, referindo-se a
como a infraestrutura produtiva se torna inteligente por meio da integração das
coisas através de circuitos e softwares, tende a ser uma cura (ou doença)
endêmica num futuro próximo. Tudo isto representa um tiro certeiro no custo
marginal de produção, culminando com a transformação do próprio trabalhador em
algo obsoleto (coisa já prevista por Hanna Arendt em seu livro A Condição
Humana).
O Capitalismo, nessa perspectiva, tende a perder espaço para
outras relações de produção em que o acesso aos bens é mais importante do que a
posse do bem. Rifkin avalia que o contexto em que estamos inseridos é semelhante
àquele da transição da transição entre o Feudalismo e o Mercantilismo (período
de esboço das características que viriam a dar forma ao Capitalismo). Esse tipo
de transição gera medo porque não conseguimos, em termos simbólicos, conceber o
que vem pela frente, embora autores como Manuel Castells já prevejam novas
formas de dominação do homem pelo homem, baseadas não no controle da
propriedade, mas sim no controle da interatividade (no domínio sobre
determinados sistemas de interação mediada tecnologicamente).
Esta introdução foi outro atalho para chegarmos ao questionamento
que convidou este texto a ser escrito: como será o amor quando não tiver
Capitalismo? Ou Como vai ficar o repertório de símbolos associados ao amor com
o fim do Capitalismo?
De alguma forma, já comecei a refletir sobre isso em outra
postagem. Mas, não custa nada perder um pouco de tempo com
reflexões esparsas...
Talvez, certamente, os sintomas da transformação do
repertório simbólico do amor já estejam no ar. Um deles é a dificuldade de
administrar as réplicas do amor. Ex.: Alguém
te manda flores... Conforme os antigos repertórios do amor, um gesto meio que
acionava uma rede de expectativas relativas tanto ao passado quanto ao futuro.
A intimidade nutria a expectativa de que o passado e o futuro precisariam ser
compartilhados cada vez mais intensamente entre aqueles que intercambiavam
gestos. Esse compartilhamento incluía forçosamente a DR (discussão de
relacionamento) periódica.
Parece que o indivíduo pós-industrial está encarando esta
rede de expectativas associadas ao gesto como algo no mínimo tedioso e no
máximo torturante. O problema que surge é que não queremos mais nos inserir em
redes de intercâmbio de expectativa, mas não inventamos ainda uma forma de,
abrindo mão disso, cultivar a reciprocidade. Isto quer dizer que fica difícil viver
intensamente momentos com uma pessoa (seja a amizade colorida ou incolor),
extrair, em seguida, essa pessoa de nossa rede de expectativas, e depois querer
retomar um contato intenso, de intimidade. Uma pergunta do nosso tempo: Como
fazer quando, tendo excluído uma pessoa de nossa intimidade, sentimos saudade
e, arrependidos, queremos retomar a intimidade com esta pessoa?
Outra pergunta destes tempos pós: Como faço quando, após
romper com a rede de expectativas que me une ao outro, quero buscar nele uma
reciprocidade pautada pela memória da intimidade que eu mesmo fiz questão de
minar?
As redes sociais dão dicas de como nossa subjetividade está
tentando enfrentar, aos trancos e barrancos, esta modificação do repertório
simbólico do amor. Nossos “amigos” de redes sociais são pontualmente (pontualidade
associada a um comentário, foto ou compartilhamento) encarados como irmãos
unidos a nós por códigos de honra da Grécia Antiga ou da Cavalaria Medieval;
logo depois, a “amizade” é preenchida por intervalos de distanciamento completo
em que a presença do “amigo” é reduzida a um vulto, um fantasma, uma foto de
perfil descarnada e inerte (e nessa frase não vai juízo de valor particular). E
assim, o ciclo se repete. O problema do nosso tempo será: vamos conseguir
transferir esse padrão esquizofrênico de amizade para as relações presenciais,
pois, acredito eu, no contexto presencial, ainda é motivo de mágoa e decepção
quando um “amigo” nos enche de carinho e de intimidade, para, em seguida, nos
lançar no ostracismo. Sei lá, talvez sejam resquícios do antigo repertório
simbólico do amor: talvez.
Quem sabe o novo padrão de amizade seja caracterizado por
encontros de ex-amigos entre os quais se instalam grandes intervalos de descaso
e distância. E, como comumente ocorre, os encontros de “amigos” passem a ser
pautados pelo culto nostálgico ao antigo repertório simbólico do amor: quem
sabe?
Mas, é certo que sempre haverá o movimento de resistência:
daqueles que não abre mão, por convicção ou seja lá o que for, de seu
repertório simbólico, e estão dispostos a enfrentar, sob o risco de parecerem
ridículos ou loucos (na pior das hipóteses), o risco de não deixar o “passado”
morrer à míngua. E, assim, Shakespeare continuará sendo redescoberto e não se
tornará, como reza uma piada de mau gosto, onomatopeia do espirro.
Leia sobre o livro "The Zero Marginal Cost Society" aqui
Assista à entrevista com José Garcez Ghirardi, especialista em Shakespeare, aqui
Olá amigo!!!
ResponderExcluirÓtimo texto e bastante elucidativo. Tenho livro "sociedade com custo..." e direto junto a um grande amigo.. Me pergunto como será esse amor no futuro c esse novo capitalismo!!??
Sabes q a maioria do mundo ocidental confunde amor com "posse" e da "exclusividade" .. Tal qual os fundamentos da propriedade privada.logo..c o advento desse novo capitalismo d acesso...como serão as relações!? Poliamor!? Amor genuíno!? As relações melhorarão!?
Qual sua opinião!?
castrobatera@gmail.com
Desde já agradeço a atenção
Boa noite, amigo. Fiquei muito contente com seu comentário na postagem "Shakespeare! Saúde! Quanto custará o amor depois do fim do Capitalismo?"
ExcluirHoje mesmo, escreverei outra postagem, na tentativa de expressar minha visão sobre as questões que você levantou. Quando eu escrever, vou mandar o link pra teu e-mail. Abraço e obrigado mais uma vez.