16 de junho de 2013

O método hiperestético paranoico-crítico de Salvador Dalí aplicado de forma dantesca nas manifestações paulistas contra o aumento da passagem

Foto by Domingos Peixoto - O Globo

Guerreiro, vândalo, terrorista, herói. Estes termos têm se confundido no imaginário da população, reduzindo o valor dos esforços humanos a triviais metáforas bélicas costuradas a referências ultrapassadas do comunismo e do totalitarismo. É um tipo de surrealismo às avessas.

Manifestantes e policiais de butique compõem um quadro surrealista em que a liberdade traz numa das mãos gás lacrimogêneo, noutra vinagre, noutra a herança que tenta desesperadamente combinar a “cordialidade brasileira” ao “autoritarismo colonizador”.

Gilberto Freyre chamava atenção para esta tendência ao mencionar como, na Casa Grande, num instante a Sinhá era íntima da mucama e, logo em seguida, arrancava-lhe todos os dentes, com um alicate e a ponto cru, movida pela suspeita de que a referida mucama pudesse lhe querer roubar o marido.

Salvador Dalí - The Dust of Souls - Releitura de O Inferno de Dante
Coisa semelhante, dada a devida proporção, passa-se no episódio de São Paulo. Tanto policiais quanto manifestantes encontram seu desejo de liberdade pousado na areia movediça do autoritarismo.

O pior é que, diante da indecisão entre a cordialidade e o autoritarismo, instala-se a covardia e abrem-se às porteiras para as mais terríveis pulsões inconscientes, como a tortura e o linchamento. A violência, nesse tipo de manifestação e, independentemente de que lado parte, deixa de ser regida pelo tradicional binômio ataque-defesa e passa a ser regida pela lógica do carcará: “pega, mata e come”. É uma violência, por um lado, com um quê de vingança contra as carências e as estiagens impostas pela existência, e, por outro, nutrida pela arrogância e “auto-suficiência” dos senhores de engenho que desejam eliminar, de uma vez, a ameaça para poderem retornar para a rede e lá ficarem comendo, peidando e sendo abanados (adulados) pelos escravos: Foi Gilberto Freyre quem disse...

E nem o pobre cachorrinho escapou, sendo atingido pelo spray de gás lançado por um policial que deu vazão à parcela autoritária de nossa herança colonial...

A vanguarda surrealista tinha por vocação descondicionar a razão de seu potencial autoritário. Fazia isso por meio do que Salvador Dalí chamou de método hiperestético paranoico-crítico. Isto porque, como um tipo de antena paranoica e também parabólica, procurava conexões de sentido que desafiassem a ditadura dos logicismos institucionalizados pelos poderes e pelos pudores.

O surrealismo d’aujourd’hui  continua sendo um método paranoico-crítico, mas, abrindo mão do potencial estético que confere doçura à paranoia e sensibilidade à crítica, acaba por se tornar uma máquina criadora de monstros que são uma hedionda mistura de razão e desrazão.

Assim como Dalí recriou o Inferno de Dante, por meio de sua paranoia crítica, as manifestações de São Paulo fizeram algo semelhante. Mas, parece que contentaram-se em ter como paraíso um estranho vaivém entre  um dissimulado purgatório e um mascarado inferno.

Na próxima postagem, falaremos sobre a releitura de Dalí para o Inferno de Dante, conjunto de imagens que está em exposição no Recife, no Centro Cultural Caixa Econômica até julho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...