5 de junho de 2013

César Leal e a misteriosa presença do tambor cósmico e de Scarlet Moon nos Noturnos de Chopin




Pintura de Gil Vicente

O escritor Henry Thomas afirma que Chopin era uma criança aluada, pálida e sentimental. É bem provável que, se ele tivesse conhecido César Leal, quisesse “tomar posse” dos seus “claros copos de lua” e tomar uma taça de queda d’água na companhia de Scarlet Moon (certamente haveria o risco de Dr. Roni aparecer e dar um faniquito, mas ça va!). 

A poesia que meio que torna íntimas pessoas que nos são estranhos desconhecidos. Se bem que onde os “corpos de fogo” se escondem, o conhecimento é um mero detalhe.

No sonho de César Leal, violinos cegos tocam uma melodia que fica a cargo do leitor da poesia inventar. Chopin ensinou o piano a ser cego para que da música se abrisse a terceira visão.

Como diria a amiga Iara , o hipertexto nos lança em redes de conexões que nos permitem descobrir novos mundos (a melhor tradução para "pessoas") sem precisarmos ser Cristovãos Colombos. É como se o hiperlink, nesse caso, tivesse o poder de mudar o hiperacaso em hiperdestino. César Leal elogiou o sonho, o ancestral mais ilustre do hipertexto, esse misterioso ser cuja identidade transita entre  “furacão voante” e “vale secreto”. 

Com as palavras, analisou a sombra e, inspirado pelos cortejos de maracatus recifenses, fez a poesia soar o “tambor cósmico”. E, não estranharia eu se, deste tambor, uma fenda (um buraco negro?) convidasse os noturnos de Chopin a brotarem, ajudando-nos a encontrar la tendresse que la tristesse cache.



Elogio do sonho
Quando caminha nas águas
banha as agulhas noturnas
e bebe chamas de espumas
nos claros copos da lua
esconde no corpo um fogo
claro, vermelho, constante:
rubro ondular de bandeiras
por entre nuvens dançantes
ei-la subindo nas chuvas
galopando em seu cavalo
a cabeleira de trigo
solta ao furacão voante
ordena para que um dia
os sons se mudem nas cordas
destes violinos cegos
que por entre urtigas tocam
— vejo-a inteira, emparedada
entre as brasas que caíam
naqueles vales secretos
onde as árvores fugiam.


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