Performance artística do Coletivo Aqui Bate Um Coração |
O entendimento é uma operação seletiva, cujos parâmetros
variam conforme a faixa etária. Hoje saboreei a parcela empírica dessa verdade,
re-escutando a música “Quando você passa”, conhecida popularmente como “Turu
Turu” (graças a Mariana Silveira, que desenterrou dos arquivos do acaso esta
joia).
Pode parecer que essa postagem é um pretexto para dar vazão
ao veneno. Mas se trata de uma reflexão sobre o modo como a memória nos
devolve, com o passar do tempo, as informações que enviamos para sua caixa
postal. E as cartas devolvidas pela memória chegam com selos bem diferentes dos
que revestem a carta no momento da postagem inicial.
Na adolescência, a onomatopéia dessa música passava despercebida somada à batida da canção. Mas hoje, entre 25 e trinta e
uns, foi o alvo primeiro da flecha da minha atenção.
Comumente, o coração retratado pelo cancioneiro popular do
Brasil escolhe bater fazendo Tum Tum, conforme a tradução que Jackson do
Pandeiro fez, no começo dos anos 60, para o compasso cardíaco (numa música resgatada
pela cantora Karina Buhr). Esta tradução vem sendo passada adiante por músicas
como “Oi Tum, Tum, bate coração”, composta por Cecéu e sucesso nas vozes de
Marinês e Elba Ramalho.
Ao longo do tempo, foram surgindo variações como o Tic Tac
da Timbalada, o beat baixinho de Daniela Mercury que importa dos Estados Unidos
um bater do coração com sotaque inglês. Aliás, o “beat of the heart” é uma
expressão percursiva comum no universo do pop inglês, visitando desde a música
de Elton John (de forma marcante em Empty Garden), passando por Smooth Criminal, de
Michael Jackson e entupindo suas veias na leitura insossa de Hilary Duff.
Mais ou menos uma década atrás, Sandy e Jr criaram um
neologismo onomatopaico, rebatizando o Tum Tum do cor com o nome de Turu Turu. Para desavisados, o
turu turu pode soar como uma espécie de parasita, tipo um animal peçonhento de
alguma selva ou mesmo uma forma infantil de se referir ao nosso já conhecido
amigo, o cururu, nome dados pelos índios ao sapo grande e gordo.
Na verdade, o turu é um molusco que vive em árvores podres. É saboreado na ilha de Marajó e no interior da Amazônia vivo e cru, em caldo com farinha ou em moquecas e é considerado afrodisíaco.
Eis o Turu |
Muita gente trelou com a música Esse cara sou eu, de Roberto Carlos, mas não atentou para o grau de obsessão presente no Turu Turu. Vejamos a seguinte estrofe da canção:
Se eu pudesse te
prender
Dominar seus
sentimentos
Controlar seus passos
Ler sua agenda e
pensamento
Mas meu frágil coração
Acelera o batimento
E faz turu, turu,
turu, turu, turu, turu tu
Turu-Turu: By André Adeodato |
Salvo a licença poética que foi buscar na hipérbole
inspiração para compor esta pérola, “imortalizada” nas vozes dos filhos de Chororó, há
que se ficar, no mínimo, desconfiado se, ao se recostar a cabeça no peito de quem se
ama (seja, ou não, ele [ou ela] o "cara" ou a "cara") se ouvisse Turu Turu... Mas, não
faz mal algum tentar, de tempos em tempos ensinar um novo idioma ao coração. E,
desajeitado como costuma ser, ele, vez por outra, vai bater de forma mais
esdrúxula que o Turu Turu.
Performance artística do Coletivo Aqui Bate Um Coração |
Uma dessas tentativas de renomear o pulsar do coração é da Orquestra
de Câmera do Coração, que produz sons com base no ritmo cardíaco, aliando
sensores ao corpo dos músicos. Ao cabo da postagem,
um exemplo da performance do grupo.
Incrível também é a interpretação plástica dada ao bater cardíaco pelo Coletivo Aqui Bate Um Coração (Agência Távola), que espalhou corações de isopor por monumentos da cidade de São Paulo.
Turu Turu reinterpretada por Maria Gadú
Coletivo Aqui Bate um Coração
Postagem dedicada à amiga Mariana Silveira, que tem um refinado gosto, a despeito de secretamente gostar do Turu Turu
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