As Três Graças - de Antonio Canova |
Em nome do ócio e da amizade, mais recente livro de Saulo Neiva, reúne as pontas soltas de uma trama que, no século das Grandes Navegações, aproximava as palavras amizade, ócio e poesia.
A obra coloca em evidência a turbulenta fronteira entre o
território do “Adeus” e o território do “Estou de volta”, fazendo inquietações
do século XXI, acerca da permanência ou do fim de valores como sinceridade e
eternidade, tornarem-se objeto de debate quando refletidas pelas Cartas em Verso, gênero (espelho torto) literário do
século XVI, aparentemente lançado no esquecimento pelo advento do Romantismo.
Neste sentido, a proposta metodológica do autor dialoga com
o universo de Jung, para quem o futuro, tantas vezes, é o movimento de passados
que buscam a superfície do mar da história para tomar fôlego, aproveitando a
oportunidade para mostrar à atmosfera como respirar novos ares.
A Carta em Versos almejou dar forma literária ao desejo de fazer
da palavra uma entidade ao mesmo tempo pública e privada. Algo semelhante ao
que ocorre nas redes sociais, onde uma mensagem, mesmo direcionada a alguéns
específicos, é passível de ser compartilhada por pessoas não pertencentes à
reserva “ecológica” da intimidade. O professor Lourival Holanda, durante o
evento de lançamento de Em Nome do Ócio,
destacou que a escrita de Francisco de Sá Miranda, irmão do governador-geral
Mem de Sá e grande representante deste gênero, em muitos pontos é comparável às
postagens do Facebook, cujo eixo central é a amizade e o ócio. “O que é
diferente da ociosidade. O ócio é a contrapartida do negócio. É um momento em
que a preocupação deixa de ser fazer o mundo girar e passa a ser contemplar o
mundo”, explica.
A esfera do negócio gira em torno do pragmatismo e do
interesse. Conforme a moral da época, inspirada pela herança greco-latina, não
havia aí espaço para a amizade verdadeira, plantada entre aqueles que se
escolhem mutuamente para que, juntos, possam compartilhar do ócio, o espaço em
que o espírito humano se desamarraria das convenções e se permitiria recriar a
realidade, buscando inspiração na companhia daquele (s) com que se escolhe
estar “amigado”.
As imagens alegóricas eram, nesse caso, utilizadas como
veículos a transitar entre um significado “universal” – crido como capaz de
atravessar os tempos – e um particular alicerçado nas preocupações que linkavam
remetente e destinatário.
Talvez este gênero tenha logo esmaecido por não dar conta de uma angústia que lhe era subjacente e que reinvidica, por meio das redes sociais, o direito de navegar nos contemporâneos mares do “agora ou nunca”. Esta angústia diz (des)respeito a coisas que, à primeira vista, parecem banais, mas requerem uma visita profunda a nossos temores e coragens. É uma angústia que pode ser traduzida em questões como:
Como devo agir se tenho a meu dispor milhões de amigos em
potencial, mas, não tenho ferramentas para transformar esta amizade em ato?
Como fazer para administrar dentro de mim as vontades
contraditórias de ser eternamente amigo e de colocar novos eternos amigos no
lugar do primeiro?
Como ser ou ter um amigo sincero sob a pressão de uma
cultura ameaçada pelo monopólio exclusivo colonial do interesse (entendido na
vibe de Maquiavel, isto é, como pacto entre meio e finalidade sem direito ao
contraditório)?
Como lidar com o desejo de ser um amigo “eterno” quando a
eternidade é vista como disfarce da obsessão e o carinho como uma espécie de
prelúdio de uma sinfonia de agiotagem?
Como ser digno de ser escolhido como amigo por Alguém?
Como ser digno de ser escolhido como amigo por Alguém?
Uma coisa é (in)certa. O livro, como chama atenção Lourival
Holanda, nos faz pensar sobre nosso relacionamento com as virtudes cívicas:
igualdade, liberdade e fraternidade. “Podemos abrir mão da igualdade, quando
reconhecemos que alguém, por determinados fatores, como a experiência ou a área
de atuação, é hierarquicamente superior. Podemos abrir mão da liberdade quando,
por vontade, ficamos meio que presos e submissos a quem amamos. Mas, não há como abrir
mão da fraternidade, pois sem ela não há possibilidade de convívio nem com nós mesmos, nem com os outros”, conclui.
Mostra-me, amigo, onde está o eterno
Pois, já não me lembro
Mas, ele respira de dentro/fora do mais profundo de mim
Enquanto caminha na corda bamba
Mostra-me, amigo, onde está o não-estar do fugaz
Que me mantém capturado na sombra do seu quase rastro
E na luz do seu eterno despertar
Mostra-me como ter escolha e, ao mesmo tempo,
Ser capaz de ter a tua companhia
Mostra-me como posso me mostrar e continuar
Contemplando o nascer e o se pôr do mistério
E, então, te mostro como, sendo cego,
Posso ser teu guia enquanto me emprestas teus passos.
A Anuska e Gustavo e Saulo e Mahely e Pradines e...
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