30 de agosto de 2012

O Batman do Supremo Tribunal e o Super-Homem de Roberto Carlos

Ministro Joaquim Barbosa
Foto: José Cruz - Agência Brasil



Tenho pena do Super-Homem e do Batman. Mas, sentir pena é errado. O certo seria sentir dó, como quem faz da piedade uma canção parasita que suga do outro a chance de redesenhar as fronteiras de si mesmo.

O ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, foi comparado ao Batman. Não se sabe se a comparação é devida tanto ao seu empenho em condenar os acusados de participar do Mensalão quanto ao fato de sua toga negra acender no imaginário coletivo o Bat-sinal. Isto porque a cultura brasileira dá mais valor ao litoral do que ao interior; privilegia as capas em detrimento do ser humano.

As capacidades sobre-humanas dos super-heróis contrastam com sua tentativa – fadada ao fracasso – de exorcizar os traumas que conferem a aura divinal ao herói. No caso de Joaquim Barbosa, a mitificação da origem passa pela exaltação do enfrentamento de condições adversas durante sua infância e sua juventude. Ele, numa espécie de jornada épica, consegue superar as dificuldades e atingir o “improvável” topo da cadeia alimentar da sociedade: O Supremo Tribunal Federal.

É digno de menção o mérito do ministro, mas vale a pena destacar o veio de kriptonita (ou batmanita) que corre, de forma subjacente, no leito do rio dos louvores. Trabalha-se o louvor em cima de uma cruel exigência: a de que um mesmo ser humano combine em si a extrema miséria e a extrema glória. A miséria extrema é necessária para acalentar o espelho da inveja por parte daqueles que, ao se compararem com o herói, sentem-se espicaçados pela miséria.

E a glória extrema é necessária como canal de escoamento da moralidade pequeno-burguesa e falsamente cordial: idealizam-se os feitos de alguém como forma de domar algo que, de outra forma, representaria uma ameaça. Na perspectiva do poeta Augusto dos Anjos, seria algo como beijar a boca em que se escarra antes que dela saia algum insulto ou uma mordida.

Nietzsche matou Deus – ou a figura emblemática da Lei – para que o Super-Homem (ou o Além do Homem) pudesse nascer. Novidade nenhuma, pois, desde sempre a humanidade planta no ventre da terra a semente dos heróis e dos deuses, planta também a semente das cruzes em que estes serão dependurados.

E não esqueçamos que o mito do herói trabalha como um ímã, oscilando entre os polos positivo e negativo. O herói num instante é celebrado por sua inocência e, no seguinte, tem sua inocência acusada de ser lerdeza e idiotice. Sua força será fatalmente convertida em desmedida e imprudência. E sua luz mais adiante será tomada como maquiagem de suas trevas e sua arrogância.

Sim, o super-herói é um idiota sem noção como comprova Roberto Carlos em sua tese ou, melhor dizendo, em sua canção Super-Herói. Ele espera um telefonema, um curtir no Face, um sinal de fumaça de uma tribo qualquer... Isso só para ter a oportunidade de sair correndo e pôr em prática sua pretensão de salvar. Salvação que se revela um paradoxo: pois ao salvar, o super-herói se sente menos só, mas, ao mesmo tempo, anula-se.

Roberto Carlos – e o compositor da canção - afirmam que o super-herói faz de si um eterno ombro à disposição. Com isso, ele torna seu rosto invisível, pois aquele que usa o ombro alheio para chorar, não raro reduz o resto do ser do super-herói a um vulto premiado pela indiferença. A música segue dizendo que a morada do super-herói são os restos do amor que fica nos escombros... Isto quando este resto não se reduz a nada, pois a conta do desprezo não gosta de trabalhar com casas decimais, isto é, com detalhes.

A canção fala sobre as demandas que são impostas ao super-herói: estar pronto a dizer sempre sim e a ser de aço por mais ferido que se esteja, a tudo suportar e crer, como quem segue à risca a descrição que São Paulo faz do amor em sua Carta aos Coríntios.

Sim, o super-herói é um egoísta sem noção. Ele acha que pode salvar a todos. E como é possível salvar uns sem dessalvar outros? Ele acaba fazendo dos outros coitados para ter onde depositar seu transtorno obsessivo compulsivo por servir. Enquanto o véu burro da unanimidade repousa sobre ele, ele estará a salvo. Mas, quando os conflitos de interesse começam a expor as falhas de sua tentativa de agradar a todos ou de agradar totalmente a um só que seja, começam a brotar cruzes no discurso da opinião pública e da privada também. E, então, o super-herói começa a ser vítima da pressão que o empurra para a prisão domiciliar da batcaverna.

Tenho mais pena do Batman, pois o Super-Homem, por mais bobo que seja, busca o apoio do Estado e, assim, evita estar nas mãos do amor alheio que, não raro, converte o grito de Hosana em “Seja Crucificado!”.

Sim, os super-heróis cometem o crime de ser admiráveis, para o qual a pena é a pressão perpétua.


Super-Herói - Roberto Carlos

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