Ministro Joaquim Barbosa Foto: José Cruz - Agência Brasil |
Tenho
pena do Super-Homem e do Batman. Mas, sentir pena é errado. O certo seria
sentir dó, como quem faz da piedade uma canção parasita que suga do outro a
chance de redesenhar as fronteiras de si mesmo.
O ministro do
Supremo, Joaquim Barbosa, foi comparado ao Batman. Não se sabe se a comparação
é devida tanto ao seu empenho em condenar os acusados de participar do Mensalão
quanto ao fato de sua toga negra acender no imaginário coletivo o Bat-sinal.
Isto porque a cultura brasileira dá mais valor ao litoral do que ao interior;
privilegia as capas em detrimento do ser humano.
As capacidades
sobre-humanas dos super-heróis contrastam com sua tentativa – fadada ao
fracasso – de exorcizar os traumas que conferem a aura divinal ao herói. No
caso de Joaquim Barbosa, a mitificação da origem passa pela exaltação do
enfrentamento de condições adversas durante sua infância e sua juventude. Ele,
numa espécie de jornada épica, consegue superar as dificuldades e atingir o
“improvável” topo da cadeia alimentar da sociedade: O Supremo Tribunal Federal.
É digno de
menção o mérito do ministro, mas vale a pena destacar o veio de kriptonita (ou
batmanita) que corre, de forma subjacente, no leito do rio dos louvores.
Trabalha-se o louvor em cima de uma cruel exigência: a de que um mesmo ser
humano combine em si a extrema miséria e a extrema glória. A miséria extrema é
necessária para acalentar o espelho da inveja por parte daqueles que, ao se
compararem com o herói, sentem-se espicaçados pela miséria.
E a glória
extrema é necessária como canal de escoamento da moralidade pequeno-burguesa e
falsamente cordial: idealizam-se os feitos de alguém como forma de domar algo
que, de outra forma, representaria uma ameaça. Na perspectiva do poeta Augusto
dos Anjos, seria algo como beijar a boca em que se escarra antes que dela saia
algum insulto ou uma mordida.
Nietzsche
matou Deus – ou a figura emblemática da Lei – para que o Super-Homem (ou o Além
do Homem) pudesse nascer. Novidade nenhuma, pois, desde sempre a humanidade
planta no ventre da terra a semente dos heróis e dos deuses, planta também a
semente das cruzes em que estes serão dependurados.
E não
esqueçamos que o mito do herói trabalha como um ímã, oscilando entre os polos
positivo e negativo. O herói num instante é celebrado por sua inocência e, no
seguinte, tem sua inocência acusada de ser lerdeza e idiotice. Sua força será
fatalmente convertida em desmedida e imprudência. E sua luz mais adiante será
tomada como maquiagem de suas trevas e sua arrogância.
Sim, o
super-herói é um idiota sem noção como comprova Roberto Carlos em sua tese ou,
melhor dizendo, em sua canção Super-Herói. Ele espera um telefonema, um curtir
no Face, um sinal de fumaça de uma tribo qualquer... Isso só para ter a
oportunidade de sair correndo e pôr em prática sua pretensão de salvar.
Salvação que se revela um paradoxo: pois ao salvar, o super-herói se sente
menos só, mas, ao mesmo tempo, anula-se.
Roberto Carlos
– e o compositor da canção - afirmam que o super-herói faz de si um eterno
ombro à disposição. Com isso, ele torna seu rosto invisível, pois aquele que
usa o ombro alheio para chorar, não raro reduz o resto do ser do super-herói a
um vulto premiado pela indiferença. A música segue dizendo que a morada do
super-herói são os restos do amor que fica nos escombros... Isto quando este
resto não se reduz a nada, pois a conta do desprezo não gosta de trabalhar com
casas decimais, isto é, com detalhes.
A canção fala
sobre as demandas que são impostas ao super-herói: estar pronto a dizer sempre
sim e a ser de aço por mais ferido que se esteja, a tudo suportar e crer, como
quem segue à risca a descrição que São Paulo faz do amor em sua Carta aos
Coríntios.
Sim, o
super-herói é um egoísta sem noção. Ele acha que pode salvar a todos. E como é
possível salvar uns sem dessalvar outros? Ele acaba fazendo dos outros coitados
para ter onde depositar seu transtorno obsessivo compulsivo por servir.
Enquanto o véu burro da unanimidade repousa sobre ele, ele estará a salvo. Mas,
quando os conflitos de interesse começam a expor as falhas de sua tentativa de
agradar a todos ou de agradar totalmente a um só que seja, começam a brotar
cruzes no discurso da opinião pública e da privada também. E, então, o
super-herói começa a ser vítima da pressão que o empurra para a prisão
domiciliar da batcaverna.
Tenho mais
pena do Batman, pois o Super-Homem, por mais bobo que seja, busca o apoio do
Estado e, assim, evita estar nas mãos do amor alheio que, não raro, converte o
grito de Hosana em “Seja Crucificado!”.
Sim, os
super-heróis cometem o crime de ser admiráveis, para o qual a pena é a pressão
perpétua.
Super-Herói - Roberto Carlos
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